Censura Moderna e Tecnopopulismo — Resenha de Bárbara Viana Bezerra Nobre (UFPE) e Maria Enesia da Silva Neta (UFC) sobre o livro “A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”, de Patrícia Campos Mello

Patrícia Campos Mello | Imagem: CPJ

Resumo: A Máquina do Ódio, de Patrícia Campos Mello, discute a manipulação de informações nas redes sociais e seus impactos nas eleições globais. A obra mescla experiências pessoais da autora com análises de técnicas como firehosing e microtargeting, destacando a ameaça à liberdade de imprensa e à democracia.

Palavras-chave: Ódio, Redes Sociais, Fake News.


O livro A máquina do ódio, da jornalista Patrícia Campos Mello retrata a utilização das redes sociais na manipulação de informações sensíveis a eleições ao redor do mundo. Com caráter jornalístico e publicado em 2020 pela Companhia das Letras, o livro contém notas sobre a experiência pessoal da repórter e os bastidores de algumas de suas reportagens, objetivando destacar um cenário alarmante de ataques à liberdade de imprensa e ameaças à democracia.

Patrícia Toledo de Campos Mello é uma jornalista brasileira premiada, comentarista e escritora. É repórter e colunista da Folha de S. Paulo, tendo iniciado a carreira em 1993 como repórter no extinto Jornal da Tarde. Em 2018, publicou reportagem denunciando abuso de poder econômico nos disparos massivos de mensagens no WhatsApp a favor do então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro. Uma de suas fontes, ex-funcionário da empresa Yacows, mentiu em depoimento na CPMI das Fake News, realizada em fevereiro de 2020, ao afirmar que a repórter teria se insinuado sexualmente em troca de informações. Além disso, o próprio candidato eleito, Bolsonaro, e seu filho deputado, Eduardo Bolsonaro, emitiram uma série de ofensas e ataques públicos, alimentando seu exército alucinado de seguidores em campanhas de difamação, ameaças e mentiras contra Patrícia. A jornalista ganhou indenização por danos morais em 2021 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. A obra é estruturada em introdução, quatro capítulos, conclusão e epílogo.

Partindo de uma perspectiva histórica, com menção à rádio popular Volksempfänger como ferramenta publicitária da Alemanha nazista, no primeiro capítulo da obra, a autora destaca o Brasil como sendo um dos maiores mercados do mundo para aplicativos como Facebook, WhatsApp e Instagram e como esses aplicativos são utilizados para disseminação de notícias falsas em pleitos em países como Índia, Hungria, Estados Unidos e Brasil. Analisando técnicas como a do firehosing (enxurrada de notícias manipuladas), microtargeting (mensagens construídas especificamente para certos segmentos populacionais) e astroturfing (disseminação de conteúdos hiperpartidários utilizando-se de terceiros), a jornalista narra os bastidores de sua reportagem sobre contratação de disparos ilegais em massa pelo WhatsApp nas eleições de 2018 por empresários simpatizantes de Jair Bolsonaro e do funcionamento interno de agências de marketing que utilizam ilegalmente dados (como CPFs) de cidadãos brasileiros, sobretudo de idosos, realizando uma espécie de terceirização do caixa dois.

No segundo capítulo, ao narrar ataques voltados a jornalistas mulheres como ela própria, Talita Fernandes e Marina Dias da Folha de São Paulo, Vera Magalhães do Estadão, Juliana Dal Piva e Costança Resende do UOL, além de Míriam Leitão da Globo News, todas responsáveis por matérias revelando ilegalidades e crimes envolvendo a família Bolsonaro, a autora descreve uma nova forma de censura contra a imprensa direcionada a jornalistas do gênero feminino, diferente da praticada por governos totalitários de cunho militar, mas oriunda de governos democraticamente eleitos, com uso de trolls, robôs cibernéticos, redes sociais e milícias digitais. Ela aponta que um aspecto dessa dinâmica é a ascensão de um machismo e primitivismo ancestrais libertados momentaneamente. Gera, igualmente, uma forma de autocensura pelo terror psicológico provocado nessas profissionais, uma máquina do ódio que as “encara como meros factoides úteis” (p.103).

O terceiro capítulo trata da ascensão marcada pela era da pós-verdade de líderes populistas pelo mundo, como Donald Trump em 2016 nos Estados Unidos. A jornalista narra seu encontro com o ideólogo de direita, Steve Bannon, criador do The Movement, grupo que promove discursos de ódio em vários países e que foi um dos assessores da campanha de Bolsonaro à Presidência. Segundo a jornalista, para esse movimento, comunismo é toda postura política à esquerda do fascismo e que precisa ser violentamente combatida. A ascensão tecno populista contou fortemente com a ação e omissão de redes sociais, como a coleta ilegal e uso imoral de dados de usuários que serviam de base para manipulação midiática, exposto no escândalo envolvendo a empresa Cambridge Analytica.

No quarto e último capítulo, são expostas formas de sufocamento de veículos de comunicação tradicionais, como a impossibilidade de competição com o universo digital e dificuldades de financiamento, o que os faz reféns de caprichos governamentais e empresariais. Ademais, a construção de fontes de informação direta através de canais ligados a políticos ou partidos, sem passar pelo crivo jornalístico, tem o propósito de blindá-los contra críticas ou questionamentos, além de corroer a credibilidade na mídia tradicional e “atiçar a militância contra o ‘inimigo’ comum” (p. 159). Técnicas colocadas em marcha por populistas como Orbán, Modi, Trump, Duterte e Putin são copiadas em outros lugares, como no Brasil. Com Bolsonaro, os ataques à imprensa e a jornalistas de forma pessoal dispararam como nunca antes na história do país.

Neste capítulo, a autora menciona ainda tentativas de grupos de imprensa de reconquistar a confiança perdida no decorrer das transformações ocorridas na indústria da comunicação como o Trust Project, levada a cabo por jornais como EconomistEl PaísWashington PostLa RepublicaFolha de S. PauloO PovoPoder 360 e Nexo. A autora explora as iniciativas desses veículos na perspectiva de se estabelecer mecanismos de avaliação de credibilidade de artigos e veículos juntamente a algoritmos de plataformas como Google, Facebook e Twitter, para que seja informado ao usuário uma série de características que os tornam mais ou menos confiáveis.

Em sua conclusão, a jornalista constata uma espécie de ressurgimento da importância de uma imprensa livre e democrática no contexto da pandemia de covid-19. Ao mesmo tempo que jornais e outros veículos passaram por graves dificuldades financeiras, tendo que cortar parte relevante de seu quadro de pessoal e financiamento de produções jornalísticas, houve crescimento de assinantes em meio à avalanche de notícias falsas produzidas, incrivelmente, e não só, pelo próprio governo brasileiro, com ataques à ciência e às políticas de distanciamento social, negacionismo, propaganda de remédios ineficazes e perigosos, ligação do vírus com a China e um tal de comunismo globalista.

Em um “recuo da onda de aversão a expertise” (p. 213), seria necessário promover essa redescoberta do jornalismo e do combate à manipulação global da opinião pública.

Pesquisadores da USP de São Carlos criaram um site de checagem de fake news — Foto: Reprodução EPTV/G1

Pode-se observar a multidisciplinaridade da obra no embasamento em contextualizações históricas e em ferramentas de análise sociológica e de comunicação social, buscando descrever elementos modernos de manipulação de narrativas midiáticas e políticas, com uso de plataformas digitais e complexos sistemas de coleta e segmentação de dados de usuários ao redor do mundo. Por exemplo, é possível concluir que o domínio do WhatsApp nas eleições brasileiras e indianas de 2018, em detrimento do uso do Facebook nas eleições americanas de 2016, aponta a migração desses elementos para uma plataforma criptografada, cuja detecção de notícias falsas e discursos de ódio mostra-se ser mais penosa, o que revela algumas das maneiras de aperfeiçoamento dessas técnicas de manipulação. A jornalista perpassa essa temática transitando por áreas como Sociologia, Comunicação, História, Psicologia e Economia.

A obra reflete a ultrapassada crença de que sociedades possuidoras de maior acesso à informação e aos meios de comunicação seriam mais avançadas. Percepção que cai por terra quando se analisa cenários obscurantistas, negacionistas, extremistas e a intensa polarização gerada através do uso de plataformas digitais, cujos algoritmos isolam ideias e concepções de mundo semelhantes e criam uma blindagem à divergência, questionamentos e pensamento crítico. Esses cenários replicam discursos de ódio em várias esferas, como a científica, histórica, social, cultural e econômica, com técnicas sistemáticas, financiamento e organização política.

Sem atribuir poderes sobrenaturais de capacidade de lavagem cerebral das big techs, a jornalista aponta para essa enorme polarização ideológica resultante da inflamação de ideias mais extremistas que geram maior engajamento nas redes e que buscam aterrorizar, chocar e desinformar grande parcela da população. Nada mais atual que o crescente debate em torno da necessidade de mapeamento das redes sociais e da busca das fontes de discursos de ódio. Contudo, o livro não tece uma análise mais sistemática de práticas da própria mídia tradicional que se ancoram em ligações com interesses econômicos escusos e que, de forma mais sutil, também influenciam o rumo de decisões políticas e econômicas. Apesar da concentração do monopólio midiático dever ser encarada por diferentes prismas, a obra descreve bem as entranhas dessa complexa máquina do ódio que vem pautando o debate público e direcionando eleições ao redor do mundo.

Sumário de A máquina do ódio

  • Introdução. Como as redes sociais me transformaram em uma “jornalistinha” comunista
  • 1. A eleição do WhatsApp no Brasil
  • 2. Assassinato de reputações. Uma nova forma de censura
  • 3. Fatos alternativos e a ascensão de populistas no mundo
  • 4. Bolsonaro e o manual de Viktor Orbán para acabar com a mídia crítica
  • Conclusão. Será que uma pandemia pode salvar o jornalismo?
  • Epílogo

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhistas

Bárbara Viana Bezerra Nobre é mestre em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (PRODEMA/UFC). ID LATTES: https://lattes.cnpq.br/6686605653346916. ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7516-5067; E-mail: babi.ifce@gmail.com.

 

Maria Enesia da Silva Neta é mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (PRODEMA/UFC). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/5898091065972854; ID ORCID: https://orcid.org/0009-0005-4682-0797; E-mail: enesianeta@gmail.com.

 


Para citar esta resenha

MELLO, Patrícia Campos. A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital. São Paulo: Companhia das letras, 2020. 296p. Resenha de: NOBRE, Bárbara Viana Bezerra; SILVA NETA, Maria Enesia. Censura Moderna e Tecnopopulismo. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.13, set./out., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/censura-moderna-e-tecnopopulismo-resenha-de-barbara-viana-bezerra-nobre-ufpe-e-maria-enesia-da-silva-neta-ufc-sobre-o-livro-a-maquina-do-odio-notas-de-uma-reporter-so/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 13, set./out., 2023 | ISSN 2764-2666

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Censura Moderna e Tecnopopulismo — Resenha de Bárbara Viana Bezerra Nobre (UFPE) e Maria Enesia da Silva Neta (UFC) sobre o livro “A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”, de Patrícia Campos Mello

Patrícia Campos Mello | Imagem: CPJ

Resumo: A Máquina do Ódio, de Patrícia Campos Mello, discute a manipulação de informações nas redes sociais e seus impactos nas eleições globais. A obra mescla experiências pessoais da autora com análises de técnicas como firehosing e microtargeting, destacando a ameaça à liberdade de imprensa e à democracia.

Palavras-chave: Ódio, Redes Sociais, Fake News.


O livro A máquina do ódio, da jornalista Patrícia Campos Mello retrata a utilização das redes sociais na manipulação de informações sensíveis a eleições ao redor do mundo. Com caráter jornalístico e publicado em 2020 pela Companhia das Letras, o livro contém notas sobre a experiência pessoal da repórter e os bastidores de algumas de suas reportagens, objetivando destacar um cenário alarmante de ataques à liberdade de imprensa e ameaças à democracia.

Patrícia Toledo de Campos Mello é uma jornalista brasileira premiada, comentarista e escritora. É repórter e colunista da Folha de S. Paulo, tendo iniciado a carreira em 1993 como repórter no extinto Jornal da Tarde. Em 2018, publicou reportagem denunciando abuso de poder econômico nos disparos massivos de mensagens no WhatsApp a favor do então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro. Uma de suas fontes, ex-funcionário da empresa Yacows, mentiu em depoimento na CPMI das Fake News, realizada em fevereiro de 2020, ao afirmar que a repórter teria se insinuado sexualmente em troca de informações. Além disso, o próprio candidato eleito, Bolsonaro, e seu filho deputado, Eduardo Bolsonaro, emitiram uma série de ofensas e ataques públicos, alimentando seu exército alucinado de seguidores em campanhas de difamação, ameaças e mentiras contra Patrícia. A jornalista ganhou indenização por danos morais em 2021 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. A obra é estruturada em introdução, quatro capítulos, conclusão e epílogo.

Partindo de uma perspectiva histórica, com menção à rádio popular Volksempfänger como ferramenta publicitária da Alemanha nazista, no primeiro capítulo da obra, a autora destaca o Brasil como sendo um dos maiores mercados do mundo para aplicativos como Facebook, WhatsApp e Instagram e como esses aplicativos são utilizados para disseminação de notícias falsas em pleitos em países como Índia, Hungria, Estados Unidos e Brasil. Analisando técnicas como a do firehosing (enxurrada de notícias manipuladas), microtargeting (mensagens construídas especificamente para certos segmentos populacionais) e astroturfing (disseminação de conteúdos hiperpartidários utilizando-se de terceiros), a jornalista narra os bastidores de sua reportagem sobre contratação de disparos ilegais em massa pelo WhatsApp nas eleições de 2018 por empresários simpatizantes de Jair Bolsonaro e do funcionamento interno de agências de marketing que utilizam ilegalmente dados (como CPFs) de cidadãos brasileiros, sobretudo de idosos, realizando uma espécie de terceirização do caixa dois.

No segundo capítulo, ao narrar ataques voltados a jornalistas mulheres como ela própria, Talita Fernandes e Marina Dias da Folha de São Paulo, Vera Magalhães do Estadão, Juliana Dal Piva e Costança Resende do UOL, além de Míriam Leitão da Globo News, todas responsáveis por matérias revelando ilegalidades e crimes envolvendo a família Bolsonaro, a autora descreve uma nova forma de censura contra a imprensa direcionada a jornalistas do gênero feminino, diferente da praticada por governos totalitários de cunho militar, mas oriunda de governos democraticamente eleitos, com uso de trolls, robôs cibernéticos, redes sociais e milícias digitais. Ela aponta que um aspecto dessa dinâmica é a ascensão de um machismo e primitivismo ancestrais libertados momentaneamente. Gera, igualmente, uma forma de autocensura pelo terror psicológico provocado nessas profissionais, uma máquina do ódio que as “encara como meros factoides úteis” (p.103).

O terceiro capítulo trata da ascensão marcada pela era da pós-verdade de líderes populistas pelo mundo, como Donald Trump em 2016 nos Estados Unidos. A jornalista narra seu encontro com o ideólogo de direita, Steve Bannon, criador do The Movement, grupo que promove discursos de ódio em vários países e que foi um dos assessores da campanha de Bolsonaro à Presidência. Segundo a jornalista, para esse movimento, comunismo é toda postura política à esquerda do fascismo e que precisa ser violentamente combatida. A ascensão tecno populista contou fortemente com a ação e omissão de redes sociais, como a coleta ilegal e uso imoral de dados de usuários que serviam de base para manipulação midiática, exposto no escândalo envolvendo a empresa Cambridge Analytica.

No quarto e último capítulo, são expostas formas de sufocamento de veículos de comunicação tradicionais, como a impossibilidade de competição com o universo digital e dificuldades de financiamento, o que os faz reféns de caprichos governamentais e empresariais. Ademais, a construção de fontes de informação direta através de canais ligados a políticos ou partidos, sem passar pelo crivo jornalístico, tem o propósito de blindá-los contra críticas ou questionamentos, além de corroer a credibilidade na mídia tradicional e “atiçar a militância contra o ‘inimigo’ comum” (p. 159). Técnicas colocadas em marcha por populistas como Orbán, Modi, Trump, Duterte e Putin são copiadas em outros lugares, como no Brasil. Com Bolsonaro, os ataques à imprensa e a jornalistas de forma pessoal dispararam como nunca antes na história do país.

Neste capítulo, a autora menciona ainda tentativas de grupos de imprensa de reconquistar a confiança perdida no decorrer das transformações ocorridas na indústria da comunicação como o Trust Project, levada a cabo por jornais como EconomistEl PaísWashington PostLa RepublicaFolha de S. PauloO PovoPoder 360 e Nexo. A autora explora as iniciativas desses veículos na perspectiva de se estabelecer mecanismos de avaliação de credibilidade de artigos e veículos juntamente a algoritmos de plataformas como Google, Facebook e Twitter, para que seja informado ao usuário uma série de características que os tornam mais ou menos confiáveis.

Em sua conclusão, a jornalista constata uma espécie de ressurgimento da importância de uma imprensa livre e democrática no contexto da pandemia de covid-19. Ao mesmo tempo que jornais e outros veículos passaram por graves dificuldades financeiras, tendo que cortar parte relevante de seu quadro de pessoal e financiamento de produções jornalísticas, houve crescimento de assinantes em meio à avalanche de notícias falsas produzidas, incrivelmente, e não só, pelo próprio governo brasileiro, com ataques à ciência e às políticas de distanciamento social, negacionismo, propaganda de remédios ineficazes e perigosos, ligação do vírus com a China e um tal de comunismo globalista.

Em um “recuo da onda de aversão a expertise” (p. 213), seria necessário promover essa redescoberta do jornalismo e do combate à manipulação global da opinião pública.

Pesquisadores da USP de São Carlos criaram um site de checagem de fake news — Foto: Reprodução EPTV/G1

Pode-se observar a multidisciplinaridade da obra no embasamento em contextualizações históricas e em ferramentas de análise sociológica e de comunicação social, buscando descrever elementos modernos de manipulação de narrativas midiáticas e políticas, com uso de plataformas digitais e complexos sistemas de coleta e segmentação de dados de usuários ao redor do mundo. Por exemplo, é possível concluir que o domínio do WhatsApp nas eleições brasileiras e indianas de 2018, em detrimento do uso do Facebook nas eleições americanas de 2016, aponta a migração desses elementos para uma plataforma criptografada, cuja detecção de notícias falsas e discursos de ódio mostra-se ser mais penosa, o que revela algumas das maneiras de aperfeiçoamento dessas técnicas de manipulação. A jornalista perpassa essa temática transitando por áreas como Sociologia, Comunicação, História, Psicologia e Economia.

A obra reflete a ultrapassada crença de que sociedades possuidoras de maior acesso à informação e aos meios de comunicação seriam mais avançadas. Percepção que cai por terra quando se analisa cenários obscurantistas, negacionistas, extremistas e a intensa polarização gerada através do uso de plataformas digitais, cujos algoritmos isolam ideias e concepções de mundo semelhantes e criam uma blindagem à divergência, questionamentos e pensamento crítico. Esses cenários replicam discursos de ódio em várias esferas, como a científica, histórica, social, cultural e econômica, com técnicas sistemáticas, financiamento e organização política.

Sem atribuir poderes sobrenaturais de capacidade de lavagem cerebral das big techs, a jornalista aponta para essa enorme polarização ideológica resultante da inflamação de ideias mais extremistas que geram maior engajamento nas redes e que buscam aterrorizar, chocar e desinformar grande parcela da população. Nada mais atual que o crescente debate em torno da necessidade de mapeamento das redes sociais e da busca das fontes de discursos de ódio. Contudo, o livro não tece uma análise mais sistemática de práticas da própria mídia tradicional que se ancoram em ligações com interesses econômicos escusos e que, de forma mais sutil, também influenciam o rumo de decisões políticas e econômicas. Apesar da concentração do monopólio midiático dever ser encarada por diferentes prismas, a obra descreve bem as entranhas dessa complexa máquina do ódio que vem pautando o debate público e direcionando eleições ao redor do mundo.

Sumário de A máquina do ódio

  • Introdução. Como as redes sociais me transformaram em uma “jornalistinha” comunista
  • 1. A eleição do WhatsApp no Brasil
  • 2. Assassinato de reputações. Uma nova forma de censura
  • 3. Fatos alternativos e a ascensão de populistas no mundo
  • 4. Bolsonaro e o manual de Viktor Orbán para acabar com a mídia crítica
  • Conclusão. Será que uma pandemia pode salvar o jornalismo?
  • Epílogo

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Bárbara Viana Bezerra Nobre é mestre em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (PRODEMA/UFC). ID LATTES: https://lattes.cnpq.br/6686605653346916. ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7516-5067; E-mail: babi.ifce@gmail.com.

 

Maria Enesia da Silva Neta é mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (PRODEMA/UFC). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/5898091065972854; ID ORCID: https://orcid.org/0009-0005-4682-0797; E-mail: enesianeta@gmail.com.

 


Para citar esta resenha

MELLO, Patrícia Campos. A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital. São Paulo: Companhia das letras, 2020. 296p. Resenha de: NOBRE, Bárbara Viana Bezerra; SILVA NETA, Maria Enesia. Censura Moderna e Tecnopopulismo. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.13, set./out., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/censura-moderna-e-tecnopopulismo-resenha-de-barbara-viana-bezerra-nobre-ufpe-e-maria-enesia-da-silva-neta-ufc-sobre-o-livro-a-maquina-do-odio-notas-de-uma-reporter-so/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 13, set./out., 2023 | ISSN 2764-2666

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