A temática indígena em pauta: uma revisão de teses e dissertações produzidas entre 2016 e 2022 | Ana Karina Alecrim Moitinho (PPGEAFIN-Uneb/Embasa)

Uma vez por ano, Xukurus do Ororubá caminham por aldeias de Pesqueira em direção à Igreja da Vila de Cimbres | Foto: Rinaldo Marques [2016]/Alepe
Resumo: Este artigo de revisão analisa a teses e dissertações produzidas entr 2016 e 2022, no Brasil, que abordam a relação ensino de História e povos indígenas. O objetivo é identificar principais interesses, problemas e soluções apresentadas aos desafios impostos pela Lei 11.645/2008.

Palavras-chave: Lei 11.645/2008, Povos indígenas, Ensino de História.


Introdução

Este texto reúne trabalhos publicados em forma de teses e dissertações que abordam o ensino da história dos povos indígenas na Educação Básica, a partir da publicação da Lei 11.645/2008. Dentre as definições propostas pela lei, a escola é considerada o cenário fundamental para o combate à intolerância e para a criação de uma sociedade na qual haja lugar para a diversidade étnica e cultural do Brasil. Quanto aos educadores, tem sido apresentada outra perspectiva que não a eurocêntrica, capaz de romper preconceitos e estereótipos.

Assim, o ponto de partida adotado para a busca de fontes bibliográficas de referência é a aplicabilidade da legislação no cotidiano escolar do Ensino Médio. O objetivo é conhecer os interesses e questões levantadas pelos pesquisadores a respeito da temática indígena e que desafios, e oportunidades foram apresentadas a partir de suas publicações. As consultas foram realizadas no primeiro trimestre de 2023 no banco da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), por meio da seleção de produções publicadas entre os anos de 2016 a 2022.

Abordagens da temática indígena nas pesquisas acadêmicas

Nos últimos anos, sobretudo a partir de 2018, quando se completa a primeira década da lei 11.645, houve um aumento na quantidade de publicações acadêmicas sobre o ensino da história e da cultura indígenas. Os vários trabalhos publicados questionam a visão estereotipada de que os indígenas são personagens do passado, primitivos e subjugados pelo colonizador, como foram descritos nas narrativas tradicionais. Discutem a necessidade de apresentar as versões omitidas ou negligenciadas em favor de um projeto assimilacionista de poder.

Os 19 trabalhos acadêmicos pesquisados nesse recorte abordam temas como a formação de professores, evidenciando que muitas universidades não conseguiram contemplar satisfatoriamente em seus currículos a diversidade cultural. Também são discutidas a disponibilização de materiais didáticos e paradidáticos pelas escolas, para oferecer subsídios que permitam aos professores desenvolverem planos de aula com metodologias transformadoras no combate a preconceitos solidificados.

Quanto aos objetivos das pesquisas, dos 19 trabalhos analisados, quatro autores se dedicam a compreender as representações que os indivíduos têm dos povos indígenas. Radanés Aurélio Lima Vale (2020) investiga as práticas pedagógicas dos professores de História e os avanços curriculares após a promulgação da Lei de 2008, segundo os educadores. Já os demais autores direcionam suas pesquisas para a percepção dos jovens estudantes sobre a figura indígena, inseridos em salas de aula que, teoricamente, já teriam adaptado seus conteúdos para uma abordagem atualizada e antirracista.

Em meio às pesquisas, dois autores se preocuparam especialmente com o papel de destaque do livro didático no fornecimento de informações e na proposição de atividades. Assim, Paulo César Camurça Melo (2021) e Missiane Moreira Silva (2020) entendem o livro didático como o recurso principal consultado em sala de aula e, na maioria das vezes, o único material de planejamento e orientação disponível para o professor.

Matheus Mendanha Cruz (2020) escreve sobre as representações dos indígenas para os alunos, e como esses percebem que a luta pelos direitos fundamentais é uma pauta contemporânea dos movimentos indígenas. Leandro Oliveira de Menezes (2021) cita a representação do indígena, mas de forma indireta, concentrando-se mais especificamente na identidade e na relação com o território.

A diversidade indígena na formação do professor e no livro didático

Os materiais didáticos são objeto da investigação de vários pesquisadores, uma vez que o livro é o recurso mais usado com os estudantes. Os relatos e as ilustrações sobre os povos africanos e indígenas no material didático contribuem para a formação de percepções, no desenho de personagens que quase nunca correspondem à realidade. E não se pode negar que existam interesses conflitantes nos campos social e político e, os livros, de certa forma, também são mecanismos de perpetuação de uma maneira de pensar capaz de apaziguar disputas e manter privilégios.

Há uma provocação quanto às mudanças necessárias no livro didático para a efetiva aplicação da Lei por meio de quatro estudos (Sá, 2019; Pereira, 2018; Nobre, 2017; Oliveira, 2021). Esses estudos examinam as diferenças entre as coleções indicadas pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e a qualidade das ferramentas e atividades propostas para tratar das diferenças culturais. Uma das teses, de Ana Paula dos Santos de Sá (2019) apresenta um relato histórico sobre a evolução da Lei e os diversos interesses envolvidos na seleção dos livros didáticos. A análise pode ser referência para outros trabalhos, principalmente ao problematizar a inexistência de neutralidade na construção de conteúdos.

Outros três pesquisadores discutem, além dos materiais didáticos, a formação do docente para implementar de fato a temática indígena na Educação Básica. Essas pesquisas também analisam currículos e ementas dos cursos de licenciatura do ensino superior. A questão central é investigar se as faculdades oferecem os conhecimentos necessários para instrumentalizar essa mudança de paradigma. (Silva, 2020; Ribeiro, 2016; Bararua, 2020).

Entre os estudos inventariados, cinco deles concentram-se no ambiente escolar e no desenvolvimento da temática em sala de aula. Cunha (2021), Almeida (2018), Zanon (2021), Costa (2021) e Siqueira (2019) investigam a aplicação da Lei no cotidiano escolar, em diferentes componentes curriculares. Estes trabalhos têm como propósito da pesquisa identificar os desafios enfrentados pelos professores e os avanços após a obrigatoriedade estabelecida pelo marco legal. Segundo Fanelli, toda a sociedade, e não apenas a escola, precisa ser esclarecida sobre o jogo de poder e o movimento social que provocaram tantas mudanças nas últimas décadas (2018).[2]

As publicações acadêmicas sobre os grupos indígenas e suas culturas começaram a discutir direitos e denunciar os abusos, de maneira mais crítica, a partir da década de 1970. Na década seguinte, muitas contribuições são lançadas e subsidiam a articulação dos povos indígenas nas suas reivindicações. Parte delas foi atendida pela Constituição de 1988, a qual anunciou a abertura do Brasil no âmbito político, social e cultural, e a possibilidade legítima de que as minorias e todos os povos que não tinham espaço de representação pudessem fazer valer suas pautas, na construção de uma sociedade mais plural e cidadã.

Essas manifestações sociais dos movimentos indígena e negro tinham como uma de suas demandas a necessidade de recontar a história levando em consideração a multiplicidade de culturas e influências que criaram a identidade brasileira. A escola, como um local de formação e afirmação de saberes, precisava estar envolvida nessas mudanças. Em relação à história indígena, o movimento lutava pelo direito à escolaridade para os indígenas, garantindo uma série de outros direitos, mas também buscava que a presença indígena fosse retratada de maneira correta para os povos não-indígenas.

Contribuições teóricas da História e Antropologia

Algumas publicações das décadas de 1980 e 1990 são consideradas marcos teóricos que lançam um novo olhar sobre a questão indígena. Até esse período, mesmo autores renomados eram pessimistas quanto ao futuro dos indígenas no país, adotando a visão integracionista, acreditando que os indígenas seriam assimilados pela sociedade envolvente.

Porém, alguns pesquisadores dos campos da História e da Antropologia, grupo que ficou conhecido como Nova História Indígena, apresentaram o pensamento oposto a essa perspectiva, reforçando que o movimento indígena se fortalecia e lutava pelos seus direitos. Como reforça Manuela da Cunha, importante escritora e autora de obras fundamentais sobre o assunto,

a primeira observação é que, desde os anos 80, a previsão do desaparecimento dos povos indígenas cedeu lugar à constatação de uma retomada demográfica geral (1995, p. 129). E acrescenta: “os índios estão no Brasil para ficar.

Manuela Carneiro da CunhaImagem: MCT

Esses pesquisadores são referências teóricas da maioria dos trabalhos aqui catalogados. Sobre a diversidade dos povos indígenas, até então genericamente denominados como “índios”, nove pesquisadores mencionaram a obra de Manuela Carneiro da Cunha, intitulada “História dos índios no Brasil” (1992). Quatro basearam-se na obra de John Monteiro, “Os negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo” (1994), que questiona a ideia de imposição colonizadora e o relato do papel passivo do índio.

No contexto educacional, a obra mais citada, presente em quatro pesquisas, é “A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus” (1995), de Aracy Silva e Luís Grupioni. Essa obra reúne artigos sobre diferentes temas e pesquisas relacionadas aos indígenas, em todas as regiões do Brasil, contribuindo para a orientação de professores.

Parte dos trabalhos falam sobre a identidade e diversidade do ponto de vista de autores indígenas. Oito estudos citam argumentos de intelectuais de etnias diversas sobre suas culturas. Entre os mais citados estão Gersem Luciano Baniwa e Ailton Krenak, que participaram ativamente da construção das mudanças constitucionais.

Alguns autores também são citados nos trabalhos sobre a abordagem da temática indígena no livro didático. Os mais referenciados para embasar essas discussões foram Bittencourt (1998, 2005, 2008, 2013) e Gatti (2004). As principais indagações dizem respeito à quantidade de inserções, sua distribuição ao longo do conteúdo e as possibilidades de o material didático contribuir para qualificar o debate, à medida que desmistifica inverdades e equívocos históricos, abordando a multiplicidade de culturas.

As pesquisas destacam a percepção da sociedade em relação aos indígenas no Brasil contemporâneo. Para os autores que têm como objeto a ideia de representação, o conceito descrito por Roger Chartier é fundamental (Vale, 2020; Siqueira, 2019; Nobre, 2017). Sendo assim, todas as pesquisas do inventário trazem alusões às representações dos indígenas, baseadas no imaginário criado a partir dos relatos orais ou das ilustrações contidos no cânone da historiografia e da literatura, e ainda alimentado por discursos e pela mídia.

Vários trabalhos também destacam outras categorias, mencionadas em pelo menos quatro pesquisas. Entre elas estão a interculturalidade, abordada por Catherine Walsh (Cruz, 2020; Almeida, 2018; Silva, 2020; Bararua, 2020); identidade e história pós-colonial, com base na obra de Stuart Hall (Sá, 2019; Siqueira, 2019; Almeida, 2018; Zanon, 2021; Menezes, 2021) e decolonialismo, segundo Aníbal Quijano (Almeida, 2018; Silva, 2020; Bararua, 2020; Fanelli, 2018).

Os estudos que falam da formação do professor e do currículo da formação acadêmica têm como base teórica Gimeno Sacristán. (VALE, 2020; SILVA, 2020; ZANON, 2021). Para estes pesquisadores, a transformação social proposta pela legislação depende de mudanças na estrutura dos currículos de graduação, para que os professores tenham uma formação abrangente. Algumas pesquisas citam também Vera Maria Candau, que defende que a interculturalidade nos processos educativos. (Melo, 2021; Vale, 2020; Ribeiro, 2016)

As considerações e argumentações dos autores pesquisados contribuem de forma significativa na compreensão das dificuldades presentes no ambiente educacional para a efetiva implementação do dispositivo legal. Alguns aspectos levantados pelos pesquisadores são imprescindíveis e carecem de aprofundamento para que sirvam como orientadores em outros trabalhos que também se disponham a indagar sobre as dificuldades enfrentadas na busca de espaços escolares com respeito à pluralidade dos sujeitos.

Primeiros resultados: limites e possibilidades

Existem pontos convergentes e divergentes no histórico da luta e nos contextos de publicações das leis 10.639 de 2003 e 11.645, de 2008. Reafirmamos porque as leis são complementares e, embora partam de enfrentamentos distintos, somam esforços por uma educação antirracista, que fale de todas as diversidades, e não de uma em detrimento da outra. Fanelli (2018) destaca essa observação em sua pesquisa, considerando que muitos autores têm dificuldade de perceber a relação aditiva de ambas em relação à Lei de Diretrizes.

Os pontos que apresentam diferenças referem-se ao momento de organização política dos dois movimentos sociais, e aos objetivos finais em relação à educação. A inserção da cultura afro-brasileira na escola foi pautada pelo movimento negro no Brasil, organizado desde as primeiras décadas do século XX, que incluía o reconhecimento da diversidade na sala de aula, a partir da necessidade de que os jovens afrodescendentes não sofressem a intolerância e a segregação.

Quanto à temática indígena, seu surgimento veio para complementar a pauta principal, que era a garantia de uma educação escolar indígena, quando educadores e lideranças das diversas etnias perceberam que a sociedade brasileira também precisava de informações que contribuíssem para o combate dos estereótipos sobre os povos originários difundidos nas escolas há séculos. Ou seja, são duas pautas que necessariamente estão interligadas para que exista um diálogo sobre diversidade.

No entanto, embora partam de pontos de largada diferentes, o que é essencial nessa ponderação diz respeito aos aspectos convergentes das duas temáticas que dão sentido às alterações propostas à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 2003 e 2008. O projeto de poder que determinou como a história do país seria contada nos livros, sempre teve uma clara influência europeia e uma perspectiva da homogeneidade cultural, que minimizou as diferenças e invisibilizou outros povos.

Alguns autores destacam aspectos que são claramente observáveis na educação após pouco mais de uma década da legislação sobre história indígena. Siqueira (2019) e Sá (2019) enfatizam que o jogo de forças políticas e a disputa por espaços curriculares teve avanços no que diz respeito a uma educação decolonial, ainda que tenha havido deficiências e obstáculos; mas, sem a lei, a situação seria ainda mais crítica. A sociedade reconhece hoje que a pretensa identidade cultural única não existe e a pluralidade não pode ser negada. Em outras palavras, segundo os autores, esses nichos sequer eram questionados décadas atrás.

Siqueira (2019) acredita que, apesar da diversidade ocupar um pequeno nicho dentro da proposta curricular, houve resultados visíveis. Contudo, muitos pontos precisam ser alcançados, inclusive a reescrita de materiais sobre as representações tradicionais dos indígenas, deixando para traz o conhecimento arraigado de índio como personagem do passado, parte da negativa de toda e qualquer proposta educacional que supere o viés colonial. Reforçando a argumentação, Zanon (2021) destaca que a legislação atendeu às demandas sociais e à pressão de movimentos organizados, sendo uma resposta ao momento culminante da discussão sobre multiculturalismo.

Para alguns autores desta pesquisa, a temática indígena tem sua aplicação fragmentada e pontual, como afirma Ribeiro (2016), apontando que isso se deve às fragilidades do currículo acadêmico na formação de professores, pois as discussões dessa natureza ainda são secundárias no ensino superior. Vale (2020) também questiona, na mesma linha de argumentação, que o currículo acadêmico segue o percurso da história tradicional e dá lugar a lacunas no processo formativo, as quais, portanto, são reproduzidas pelo docente na educação básica.

Costa (2021) ressalta a necessidade de rompimento com a metodologia tradicional, tanto na formação quanto na prática do professor, considerando que a história linear e o formato quadripartite, tão comuns nos materiais didáticos atualmente, levam ao apagamento dos povos que possuem formatos de sociedade divergentes do europeu. Isso não se limita apenas ao conceito de civilização, pois mesmo sociedades antigas letradas e desenvolvidas foram marginalizados por não se enquadrarem no modelo colonial imposto, a exemplo dos povos andinos.

Esse argumento da imposição cultural também está presente na escrita de outros pesquisadores, por meio da referência às metodologias e currículos que priorizam a visão eurocêntrica e desconsideram uma história pré-colonial. Para esses, os desafios a serem enfrentados são promover o aumento de publicações com destaque para essa ruptura e a implementação de um currículo intercultural. (Bararua, 2020; Silva, 2020; Cunha, 2021; Costa, 2021).

Dessa forma, mesmo com a existência da lei, é importante que haja a publicação de materiais antirracistas que deem igual espaço às diversas culturas e povos, de forma que os estudantes tenham acesso a informações que promovam a formação crítica e reconheçam que a sociedade é um ambiente de tensões por interesses, tratamentos e acesso diferenciado aos direitos, com privilégio de alguns e silenciamento para muitos (Menezes, 2021; Melo, 2021; Costa, 2020.

Nesse sentido, algumas pesquisas concluem que a Lei 11.645/08 gerou uma maior visibilidade à questão indígena, mas não abriu caminhos para a superação das formas tradicionais (Nobre, 2017). Ou seja, continua em curso a proposição ditada pela lei, da busca de representações das minorias e de um projeto social que rompa com o racismo, as hierarquias e desigualdades sociais (Cruz, 2020).

As críticas em relação ao cumprimento da lei no ambiente escolar consideram que sua efetivação está sujeita a vontades políticas, ao conhecimento ou não da base legal da educação pelos gestores, e até mesmo à escolha do livro didático, que diversas vezes é imposta e não atende à necessidade do professor. No caso dessas menções ao livro didático, são apontadas a partir de duas ressalvas: por um lado, o livro didático é o material priorizado na sala de aula, e muitas vezes é o único material de estudo; por outro lado, ele está repleto de interesses divergentes e muitos são limitados no reconhecimento do multiculturalismo. (Silva, 2020; Pereira, 2018; Almeida, 2018).

Conclusões

Ao final desse texto, é possível ter nitidez quanto aos caminhos que seguem as investigações acerca da efetivação da Lei 11.645 no que diz respeito à cultura e diversidade étnica no Brasil. As sondagens iniciais nos apontam que, de fato, houve mudanças na educação a partir de 2008, mas essas mudanças são permeadas por inconsistências, intermitências e falta de informação, variando de escola para escola, de município para município. O que significa que muitos passos foram dados, mas também que existem grandes desafios para que se compreenda uma educação com potencial para combater o racismo, os estereótipos e a negação de divergências na sociedade.

As licenciaturas ainda refletem a insuficiência de debate crítico, de rompimento com o discurso homogeneizador sobre a cultura, perpetuando a ausência de formação acadêmica que prepare os educadores para inserirem no cotidiano de seus planos de aula a pluralidade cultural e o rompimento de preconceitos. Nesse caso, o educador não pode ser responsabilizado pela aplicabilidade ou não da lei, mas compreendido como uma chave fundamental para se abrir novas perspectivas sobre a mesma.

É possível ainda que o tempo entre a publicação das leis e o material de referência que orientou a aplicabilidade seja uma causa da compreensão errônea de que é facultado à escola definir se haverá ou não a inclusão das temáticas, ou mesmo que caiba apenas a alguns componentes curriculares promoverem esse diálogo, de maneira descontextualizada e pontual.

Assim, fortalecendo o otimismo quanto aos avanços garantidos pela lei, o debate é continuamente qualificado por publicações que questionam de maneira crítica os aspectos que tornam inviáveis uma mudança mais perceptível na educação. E, embora aos poucos, os educadores, os estudantes, os gestores escolares vão tendo acesso a bibliotecas e bancos de dados que oferecem materiais capazes de despertar a crítica aos discursos tradicionais e fomentarem a vontade de dar voz a novos sujeitos.

Diante da realidade incontestável de que o Brasil é um país de pluralidades, contrastes e diferenças de povos desde o primeiro momento da colonização, qualquer vislumbre de equidade necessita ser antecedido por uma desconstrução de saberes. O diálogo sobre a diversidade não tem o poder necessário para mudar comportamentos discriminatórios num espaço escolar que ainda repercuta privilégios e soberania.

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Ana Karina Alecrim Moitinho é assistente social, educadora ambiental com experiência em educação para o saneamento, atuando na Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa). É professora de língua portuguesa, redação e literatura e mestranda em História, junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Africanos, Povos Indígenas E Culturas Negras (PPGEAFIN) Redes sociais: @anakarinamoitinho; @anak_moitinho. ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/8028907070232176 ; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0429-3299. E-mail: anak.moitinho@gmail.com.

 


Para citar este texto

MOITINHO, Ana Karina Alecrim. A temática indígena em pauta: uma revisão de teses e dissertações produzidas entre 2016 e 2022. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.12, jul./ago., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/a-tematica-indigena-em-pauta-uma-revisao-de-teses-e-dissertacoes-produzidas-entre-2016-e-2022-ana-karina-alecrim-moitinho-ppgeafin-uneb-embasa/>.


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Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 13, jul./ago., 2023 | ISSN 2764-2666

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A temática indígena em pauta: uma revisão de teses e dissertações produzidas entre 2016 e 2022 | Ana Karina Alecrim Moitinho (PPGEAFIN-Uneb/Embasa)

Uma vez por ano, Xukurus do Ororubá caminham por aldeias de Pesqueira em direção à Igreja da Vila de Cimbres | Foto: Rinaldo Marques [2016]/Alepe
Resumo: Este artigo de revisão analisa a teses e dissertações produzidas entr 2016 e 2022, no Brasil, que abordam a relação ensino de História e povos indígenas. O objetivo é identificar principais interesses, problemas e soluções apresentadas aos desafios impostos pela Lei 11.645/2008.

Palavras-chave: Lei 11.645/2008, Povos indígenas, Ensino de História.


Introdução

Este texto reúne trabalhos publicados em forma de teses e dissertações que abordam o ensino da história dos povos indígenas na Educação Básica, a partir da publicação da Lei 11.645/2008. Dentre as definições propostas pela lei, a escola é considerada o cenário fundamental para o combate à intolerância e para a criação de uma sociedade na qual haja lugar para a diversidade étnica e cultural do Brasil. Quanto aos educadores, tem sido apresentada outra perspectiva que não a eurocêntrica, capaz de romper preconceitos e estereótipos.

Assim, o ponto de partida adotado para a busca de fontes bibliográficas de referência é a aplicabilidade da legislação no cotidiano escolar do Ensino Médio. O objetivo é conhecer os interesses e questões levantadas pelos pesquisadores a respeito da temática indígena e que desafios, e oportunidades foram apresentadas a partir de suas publicações. As consultas foram realizadas no primeiro trimestre de 2023 no banco da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), por meio da seleção de produções publicadas entre os anos de 2016 a 2022.

Abordagens da temática indígena nas pesquisas acadêmicas

Nos últimos anos, sobretudo a partir de 2018, quando se completa a primeira década da lei 11.645, houve um aumento na quantidade de publicações acadêmicas sobre o ensino da história e da cultura indígenas. Os vários trabalhos publicados questionam a visão estereotipada de que os indígenas são personagens do passado, primitivos e subjugados pelo colonizador, como foram descritos nas narrativas tradicionais. Discutem a necessidade de apresentar as versões omitidas ou negligenciadas em favor de um projeto assimilacionista de poder.

Os 19 trabalhos acadêmicos pesquisados nesse recorte abordam temas como a formação de professores, evidenciando que muitas universidades não conseguiram contemplar satisfatoriamente em seus currículos a diversidade cultural. Também são discutidas a disponibilização de materiais didáticos e paradidáticos pelas escolas, para oferecer subsídios que permitam aos professores desenvolverem planos de aula com metodologias transformadoras no combate a preconceitos solidificados.

Quanto aos objetivos das pesquisas, dos 19 trabalhos analisados, quatro autores se dedicam a compreender as representações que os indivíduos têm dos povos indígenas. Radanés Aurélio Lima Vale (2020) investiga as práticas pedagógicas dos professores de História e os avanços curriculares após a promulgação da Lei de 2008, segundo os educadores. Já os demais autores direcionam suas pesquisas para a percepção dos jovens estudantes sobre a figura indígena, inseridos em salas de aula que, teoricamente, já teriam adaptado seus conteúdos para uma abordagem atualizada e antirracista.

Em meio às pesquisas, dois autores se preocuparam especialmente com o papel de destaque do livro didático no fornecimento de informações e na proposição de atividades. Assim, Paulo César Camurça Melo (2021) e Missiane Moreira Silva (2020) entendem o livro didático como o recurso principal consultado em sala de aula e, na maioria das vezes, o único material de planejamento e orientação disponível para o professor.

Matheus Mendanha Cruz (2020) escreve sobre as representações dos indígenas para os alunos, e como esses percebem que a luta pelos direitos fundamentais é uma pauta contemporânea dos movimentos indígenas. Leandro Oliveira de Menezes (2021) cita a representação do indígena, mas de forma indireta, concentrando-se mais especificamente na identidade e na relação com o território.

A diversidade indígena na formação do professor e no livro didático

Os materiais didáticos são objeto da investigação de vários pesquisadores, uma vez que o livro é o recurso mais usado com os estudantes. Os relatos e as ilustrações sobre os povos africanos e indígenas no material didático contribuem para a formação de percepções, no desenho de personagens que quase nunca correspondem à realidade. E não se pode negar que existam interesses conflitantes nos campos social e político e, os livros, de certa forma, também são mecanismos de perpetuação de uma maneira de pensar capaz de apaziguar disputas e manter privilégios.

Há uma provocação quanto às mudanças necessárias no livro didático para a efetiva aplicação da Lei por meio de quatro estudos (Sá, 2019; Pereira, 2018; Nobre, 2017; Oliveira, 2021). Esses estudos examinam as diferenças entre as coleções indicadas pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e a qualidade das ferramentas e atividades propostas para tratar das diferenças culturais. Uma das teses, de Ana Paula dos Santos de Sá (2019) apresenta um relato histórico sobre a evolução da Lei e os diversos interesses envolvidos na seleção dos livros didáticos. A análise pode ser referência para outros trabalhos, principalmente ao problematizar a inexistência de neutralidade na construção de conteúdos.

Outros três pesquisadores discutem, além dos materiais didáticos, a formação do docente para implementar de fato a temática indígena na Educação Básica. Essas pesquisas também analisam currículos e ementas dos cursos de licenciatura do ensino superior. A questão central é investigar se as faculdades oferecem os conhecimentos necessários para instrumentalizar essa mudança de paradigma. (Silva, 2020; Ribeiro, 2016; Bararua, 2020).

Entre os estudos inventariados, cinco deles concentram-se no ambiente escolar e no desenvolvimento da temática em sala de aula. Cunha (2021), Almeida (2018), Zanon (2021), Costa (2021) e Siqueira (2019) investigam a aplicação da Lei no cotidiano escolar, em diferentes componentes curriculares. Estes trabalhos têm como propósito da pesquisa identificar os desafios enfrentados pelos professores e os avanços após a obrigatoriedade estabelecida pelo marco legal. Segundo Fanelli, toda a sociedade, e não apenas a escola, precisa ser esclarecida sobre o jogo de poder e o movimento social que provocaram tantas mudanças nas últimas décadas (2018).[2]

As publicações acadêmicas sobre os grupos indígenas e suas culturas começaram a discutir direitos e denunciar os abusos, de maneira mais crítica, a partir da década de 1970. Na década seguinte, muitas contribuições são lançadas e subsidiam a articulação dos povos indígenas nas suas reivindicações. Parte delas foi atendida pela Constituição de 1988, a qual anunciou a abertura do Brasil no âmbito político, social e cultural, e a possibilidade legítima de que as minorias e todos os povos que não tinham espaço de representação pudessem fazer valer suas pautas, na construção de uma sociedade mais plural e cidadã.

Essas manifestações sociais dos movimentos indígena e negro tinham como uma de suas demandas a necessidade de recontar a história levando em consideração a multiplicidade de culturas e influências que criaram a identidade brasileira. A escola, como um local de formação e afirmação de saberes, precisava estar envolvida nessas mudanças. Em relação à história indígena, o movimento lutava pelo direito à escolaridade para os indígenas, garantindo uma série de outros direitos, mas também buscava que a presença indígena fosse retratada de maneira correta para os povos não-indígenas.

Contribuições teóricas da História e Antropologia

Algumas publicações das décadas de 1980 e 1990 são consideradas marcos teóricos que lançam um novo olhar sobre a questão indígena. Até esse período, mesmo autores renomados eram pessimistas quanto ao futuro dos indígenas no país, adotando a visão integracionista, acreditando que os indígenas seriam assimilados pela sociedade envolvente.

Porém, alguns pesquisadores dos campos da História e da Antropologia, grupo que ficou conhecido como Nova História Indígena, apresentaram o pensamento oposto a essa perspectiva, reforçando que o movimento indígena se fortalecia e lutava pelos seus direitos. Como reforça Manuela da Cunha, importante escritora e autora de obras fundamentais sobre o assunto,

a primeira observação é que, desde os anos 80, a previsão do desaparecimento dos povos indígenas cedeu lugar à constatação de uma retomada demográfica geral (1995, p. 129). E acrescenta: “os índios estão no Brasil para ficar.

Manuela Carneiro da CunhaImagem: MCT

Esses pesquisadores são referências teóricas da maioria dos trabalhos aqui catalogados. Sobre a diversidade dos povos indígenas, até então genericamente denominados como “índios”, nove pesquisadores mencionaram a obra de Manuela Carneiro da Cunha, intitulada “História dos índios no Brasil” (1992). Quatro basearam-se na obra de John Monteiro, “Os negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo” (1994), que questiona a ideia de imposição colonizadora e o relato do papel passivo do índio.

No contexto educacional, a obra mais citada, presente em quatro pesquisas, é “A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus” (1995), de Aracy Silva e Luís Grupioni. Essa obra reúne artigos sobre diferentes temas e pesquisas relacionadas aos indígenas, em todas as regiões do Brasil, contribuindo para a orientação de professores.

Parte dos trabalhos falam sobre a identidade e diversidade do ponto de vista de autores indígenas. Oito estudos citam argumentos de intelectuais de etnias diversas sobre suas culturas. Entre os mais citados estão Gersem Luciano Baniwa e Ailton Krenak, que participaram ativamente da construção das mudanças constitucionais.

Alguns autores também são citados nos trabalhos sobre a abordagem da temática indígena no livro didático. Os mais referenciados para embasar essas discussões foram Bittencourt (1998, 2005, 2008, 2013) e Gatti (2004). As principais indagações dizem respeito à quantidade de inserções, sua distribuição ao longo do conteúdo e as possibilidades de o material didático contribuir para qualificar o debate, à medida que desmistifica inverdades e equívocos históricos, abordando a multiplicidade de culturas.

As pesquisas destacam a percepção da sociedade em relação aos indígenas no Brasil contemporâneo. Para os autores que têm como objeto a ideia de representação, o conceito descrito por Roger Chartier é fundamental (Vale, 2020; Siqueira, 2019; Nobre, 2017). Sendo assim, todas as pesquisas do inventário trazem alusões às representações dos indígenas, baseadas no imaginário criado a partir dos relatos orais ou das ilustrações contidos no cânone da historiografia e da literatura, e ainda alimentado por discursos e pela mídia.

Vários trabalhos também destacam outras categorias, mencionadas em pelo menos quatro pesquisas. Entre elas estão a interculturalidade, abordada por Catherine Walsh (Cruz, 2020; Almeida, 2018; Silva, 2020; Bararua, 2020); identidade e história pós-colonial, com base na obra de Stuart Hall (Sá, 2019; Siqueira, 2019; Almeida, 2018; Zanon, 2021; Menezes, 2021) e decolonialismo, segundo Aníbal Quijano (Almeida, 2018; Silva, 2020; Bararua, 2020; Fanelli, 2018).

Os estudos que falam da formação do professor e do currículo da formação acadêmica têm como base teórica Gimeno Sacristán. (VALE, 2020; SILVA, 2020; ZANON, 2021). Para estes pesquisadores, a transformação social proposta pela legislação depende de mudanças na estrutura dos currículos de graduação, para que os professores tenham uma formação abrangente. Algumas pesquisas citam também Vera Maria Candau, que defende que a interculturalidade nos processos educativos. (Melo, 2021; Vale, 2020; Ribeiro, 2016)

As considerações e argumentações dos autores pesquisados contribuem de forma significativa na compreensão das dificuldades presentes no ambiente educacional para a efetiva implementação do dispositivo legal. Alguns aspectos levantados pelos pesquisadores são imprescindíveis e carecem de aprofundamento para que sirvam como orientadores em outros trabalhos que também se disponham a indagar sobre as dificuldades enfrentadas na busca de espaços escolares com respeito à pluralidade dos sujeitos.

Primeiros resultados: limites e possibilidades

Existem pontos convergentes e divergentes no histórico da luta e nos contextos de publicações das leis 10.639 de 2003 e 11.645, de 2008. Reafirmamos porque as leis são complementares e, embora partam de enfrentamentos distintos, somam esforços por uma educação antirracista, que fale de todas as diversidades, e não de uma em detrimento da outra. Fanelli (2018) destaca essa observação em sua pesquisa, considerando que muitos autores têm dificuldade de perceber a relação aditiva de ambas em relação à Lei de Diretrizes.

Os pontos que apresentam diferenças referem-se ao momento de organização política dos dois movimentos sociais, e aos objetivos finais em relação à educação. A inserção da cultura afro-brasileira na escola foi pautada pelo movimento negro no Brasil, organizado desde as primeiras décadas do século XX, que incluía o reconhecimento da diversidade na sala de aula, a partir da necessidade de que os jovens afrodescendentes não sofressem a intolerância e a segregação.

Quanto à temática indígena, seu surgimento veio para complementar a pauta principal, que era a garantia de uma educação escolar indígena, quando educadores e lideranças das diversas etnias perceberam que a sociedade brasileira também precisava de informações que contribuíssem para o combate dos estereótipos sobre os povos originários difundidos nas escolas há séculos. Ou seja, são duas pautas que necessariamente estão interligadas para que exista um diálogo sobre diversidade.

No entanto, embora partam de pontos de largada diferentes, o que é essencial nessa ponderação diz respeito aos aspectos convergentes das duas temáticas que dão sentido às alterações propostas à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 2003 e 2008. O projeto de poder que determinou como a história do país seria contada nos livros, sempre teve uma clara influência europeia e uma perspectiva da homogeneidade cultural, que minimizou as diferenças e invisibilizou outros povos.

Alguns autores destacam aspectos que são claramente observáveis na educação após pouco mais de uma década da legislação sobre história indígena. Siqueira (2019) e Sá (2019) enfatizam que o jogo de forças políticas e a disputa por espaços curriculares teve avanços no que diz respeito a uma educação decolonial, ainda que tenha havido deficiências e obstáculos; mas, sem a lei, a situação seria ainda mais crítica. A sociedade reconhece hoje que a pretensa identidade cultural única não existe e a pluralidade não pode ser negada. Em outras palavras, segundo os autores, esses nichos sequer eram questionados décadas atrás.

Siqueira (2019) acredita que, apesar da diversidade ocupar um pequeno nicho dentro da proposta curricular, houve resultados visíveis. Contudo, muitos pontos precisam ser alcançados, inclusive a reescrita de materiais sobre as representações tradicionais dos indígenas, deixando para traz o conhecimento arraigado de índio como personagem do passado, parte da negativa de toda e qualquer proposta educacional que supere o viés colonial. Reforçando a argumentação, Zanon (2021) destaca que a legislação atendeu às demandas sociais e à pressão de movimentos organizados, sendo uma resposta ao momento culminante da discussão sobre multiculturalismo.

Para alguns autores desta pesquisa, a temática indígena tem sua aplicação fragmentada e pontual, como afirma Ribeiro (2016), apontando que isso se deve às fragilidades do currículo acadêmico na formação de professores, pois as discussões dessa natureza ainda são secundárias no ensino superior. Vale (2020) também questiona, na mesma linha de argumentação, que o currículo acadêmico segue o percurso da história tradicional e dá lugar a lacunas no processo formativo, as quais, portanto, são reproduzidas pelo docente na educação básica.

Costa (2021) ressalta a necessidade de rompimento com a metodologia tradicional, tanto na formação quanto na prática do professor, considerando que a história linear e o formato quadripartite, tão comuns nos materiais didáticos atualmente, levam ao apagamento dos povos que possuem formatos de sociedade divergentes do europeu. Isso não se limita apenas ao conceito de civilização, pois mesmo sociedades antigas letradas e desenvolvidas foram marginalizados por não se enquadrarem no modelo colonial imposto, a exemplo dos povos andinos.

Esse argumento da imposição cultural também está presente na escrita de outros pesquisadores, por meio da referência às metodologias e currículos que priorizam a visão eurocêntrica e desconsideram uma história pré-colonial. Para esses, os desafios a serem enfrentados são promover o aumento de publicações com destaque para essa ruptura e a implementação de um currículo intercultural. (Bararua, 2020; Silva, 2020; Cunha, 2021; Costa, 2021).

Dessa forma, mesmo com a existência da lei, é importante que haja a publicação de materiais antirracistas que deem igual espaço às diversas culturas e povos, de forma que os estudantes tenham acesso a informações que promovam a formação crítica e reconheçam que a sociedade é um ambiente de tensões por interesses, tratamentos e acesso diferenciado aos direitos, com privilégio de alguns e silenciamento para muitos (Menezes, 2021; Melo, 2021; Costa, 2020.

Nesse sentido, algumas pesquisas concluem que a Lei 11.645/08 gerou uma maior visibilidade à questão indígena, mas não abriu caminhos para a superação das formas tradicionais (Nobre, 2017). Ou seja, continua em curso a proposição ditada pela lei, da busca de representações das minorias e de um projeto social que rompa com o racismo, as hierarquias e desigualdades sociais (Cruz, 2020).

As críticas em relação ao cumprimento da lei no ambiente escolar consideram que sua efetivação está sujeita a vontades políticas, ao conhecimento ou não da base legal da educação pelos gestores, e até mesmo à escolha do livro didático, que diversas vezes é imposta e não atende à necessidade do professor. No caso dessas menções ao livro didático, são apontadas a partir de duas ressalvas: por um lado, o livro didático é o material priorizado na sala de aula, e muitas vezes é o único material de estudo; por outro lado, ele está repleto de interesses divergentes e muitos são limitados no reconhecimento do multiculturalismo. (Silva, 2020; Pereira, 2018; Almeida, 2018).

Conclusões

Ao final desse texto, é possível ter nitidez quanto aos caminhos que seguem as investigações acerca da efetivação da Lei 11.645 no que diz respeito à cultura e diversidade étnica no Brasil. As sondagens iniciais nos apontam que, de fato, houve mudanças na educação a partir de 2008, mas essas mudanças são permeadas por inconsistências, intermitências e falta de informação, variando de escola para escola, de município para município. O que significa que muitos passos foram dados, mas também que existem grandes desafios para que se compreenda uma educação com potencial para combater o racismo, os estereótipos e a negação de divergências na sociedade.

As licenciaturas ainda refletem a insuficiência de debate crítico, de rompimento com o discurso homogeneizador sobre a cultura, perpetuando a ausência de formação acadêmica que prepare os educadores para inserirem no cotidiano de seus planos de aula a pluralidade cultural e o rompimento de preconceitos. Nesse caso, o educador não pode ser responsabilizado pela aplicabilidade ou não da lei, mas compreendido como uma chave fundamental para se abrir novas perspectivas sobre a mesma.

É possível ainda que o tempo entre a publicação das leis e o material de referência que orientou a aplicabilidade seja uma causa da compreensão errônea de que é facultado à escola definir se haverá ou não a inclusão das temáticas, ou mesmo que caiba apenas a alguns componentes curriculares promoverem esse diálogo, de maneira descontextualizada e pontual.

Assim, fortalecendo o otimismo quanto aos avanços garantidos pela lei, o debate é continuamente qualificado por publicações que questionam de maneira crítica os aspectos que tornam inviáveis uma mudança mais perceptível na educação. E, embora aos poucos, os educadores, os estudantes, os gestores escolares vão tendo acesso a bibliotecas e bancos de dados que oferecem materiais capazes de despertar a crítica aos discursos tradicionais e fomentarem a vontade de dar voz a novos sujeitos.

Diante da realidade incontestável de que o Brasil é um país de pluralidades, contrastes e diferenças de povos desde o primeiro momento da colonização, qualquer vislumbre de equidade necessita ser antecedido por uma desconstrução de saberes. O diálogo sobre a diversidade não tem o poder necessário para mudar comportamentos discriminatórios num espaço escolar que ainda repercuta privilégios e soberania.

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Para ampliar a sua revisão da literatura


Autora

Ana Karina Alecrim Moitinho é assistente social, educadora ambiental com experiência em educação para o saneamento, atuando na Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa). É professora de língua portuguesa, redação e literatura e mestranda em História, junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Africanos, Povos Indígenas E Culturas Negras (PPGEAFIN) Redes sociais: @anakarinamoitinho; @anak_moitinho. ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/8028907070232176 ; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0429-3299. E-mail: anak.moitinho@gmail.com.

 


Para citar este texto

MOITINHO, Ana Karina Alecrim. A temática indígena em pauta: uma revisão de teses e dissertações produzidas entre 2016 e 2022. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.12, jul./ago., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/a-tematica-indigena-em-pauta-uma-revisao-de-teses-e-dissertacoes-produzidas-entre-2016-e-2022-ana-karina-alecrim-moitinho-ppgeafin-uneb-embasa/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 13, jul./ago., 2023 | ISSN 2764-2666

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