Thinking-doing e Doing-thinking – Resenha de Elizabeth de Souza Oliveira (UFS) sobre o livro “On decoloniality: concepts, analytics and praxis”, de Catherine Walsh e Walter Mignolo

Catherine Walsh e Walter Mignolo | Imagem: UASB/UNA

Resumo:Publicado pela Duke University Press Books em 2018, On decoloniality: concepts, analytics and praxis, de Catherine Walsh e Walter Mignolo, apresenta a decolonialidade como conceito, análise e prática contra a modernidade/colonialidade. Críticas apontam que os segmentos poderiam ser mais integrados para enriquecer o diálogo entre os autores.

Palavras-chave:  Decolonialidade; Modernidade/Colonialidade; práticas decoloniais.

Publicado pela Duke University Press Books em 2018, On decoloniality: concepts, analytics and praxis foi escrito por Catherine Walsh e Walter Mignolo. No livro, os autores propõem apresentar a decolonialidade como conceito, análise e prática contra a modernidade/colonialidade. Walsh e Mignolo veem o conceito de colonialidade de Aníbal Quijano como a intersecção de suas ideias, que permeia o debate sobre decolonialidade, servindo de base para teorias e entendimento das práticas decoloniais. A obra foi pensada em um momento necessário ao se propor apresentar pensamentos e práticas decoloniais, pois, como notam os autores no momento em que constroem a obra aqui resenhada, vê-se a eleição e os primeiros meses de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, a volta da extrema-direita na Argentina e Brasil, a guerra na Síria, a mudança do “globalismo neoliberal” para o “nacional americanismo”, o retorno dos nacionalismos de direita, entre outros. Todas ocorrências pontuadas são vistas como “The turmoil is now at once domestic,transnational, interstate, and global.” (p. 5).

Nascida nos Estados Unidos, Catherine Walsh é professora na Universidade Andina Simón Bolívar no Equador onde desenvolve trabalhos com os movimentos indígenas e afrodescendentes, bem como é participante do Grupo Modernidade/Colonialidade e desenvolve estudos que versam a partir de conceitos como Pedagogia Decolonial e Interculturalidade. O argentino Walter Mignolo, por seu turno, após terminar o PHD na França, atuou como docente na Universidade de Indiana, Toulouse e Michigan. É professor na universidade de Duke e, assim como Walsh, é participante do Grupo M/C em que teoriza sobre a tríade Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade, e, ainda, escreve sobre o que chama de Matriz Colonial do Poder, entre outros conceitos.

Como enfatizamos no título da resenha, a prática de escrita escolhida pelos dois autores foi chamada de Thinking-doing e Doing-Thinking (Pensar-Fazer e Fazer-Pensar) para que ambos pudessem escrever sem perder a conexão entre as duas partes que pertencem ao livro. Na primeira parte escrita por Catherine Walsh, o movimento se dá pelo Doing-Thinking, pois a autora apresenta a práxis decolonial a partir dos grupos que a tomam como opção, forma de viver. A segunda parte, é dedicada à teorização, delineando algumas práticas decoloniais no desenvolvimento. Como apontam os autores, a segunda parte é uma meditação sobre a colonialidade do poder.

Com esse movimento de fazer-pensar e pensar/fazer, Catherine Walsh, em seus quatro capítulos e conclusão, apresenta-nos a decolonialidade e para o quê é a decolonialidade a partir de exemplos de lutas, mudanças e movimentos dos povos marginalizados, subalternizados que se reuniram para ir contra as imposições da modernidade/colonialidade. Adicionalmente, a partir da postura nomeada como “Thinking with” (pensar com), a autora afirma que essa mudança do “estudando sobre” para “pensar com” exige a enunciação do pesquisador ou pesquisadora, assim como é necessário a sua presença nesse processo de pensamento. Com esta proposta, portanto, a autora construiu seus capítulos a partir da experiência dos povos, movimentos sociais e populares envolvidos nas lutas e das teorizações acadêmicas em diálogo com os exemplos de lutas decoloniais contra a ordem moderna/colonial, ou como nomeiam os Zapatistas “capitalist hydra”. Walsh trabalha conceitos como Decolonial Cracks, Decolonial Pedagogies, Decolonial Feminism, Shifts, Praxis, com destaques nossos para InsurgencyResurgence, Interculturality e Decoloniality.

Decolonialidade é, principalmente, um termo que significa “resistance and refusal” (p. 17), ou seja, é uma luta contínua contra as colonialidades impostas aos grupos subalternos e marginalizados pela visão de mundo colonizadora. Decolonialidade é também teoria, conceito e categoria no desenvolvimento da experiência histórica que tem origem nos fins do século XX, quando um grupo de estudiosos percebeu que para estudar o colonialismo na América Latina e no Caribe seria necessário ter conceituações e categorias próprias. Isto porque se entendeu que as formas de colonização se deram de maneiras diferentes em determinados territórios. Este grupo (ou projeto de investigação) é nomeado como Modernidade/Colonialidade dos quais ambos os autores do livro aqui resenhado são membros.

Das experiências versadas pela autora na primeira parte da obra, vemos os povos que lutaram para a retomada do nome Abya Yala. Este foi o nome dado às terras da América Latina pelos povos Kuna-Tule antes da invasão colonial e a retomada de Abya Yala pelos povos indígenas ocorre como uma forma de combater as celebrações de “descoberta” na segunda metade do século XX. Assim, essa oposição, rompimento, renomeação é percebida como uma práxis decolonial que se dá pelo ressurgimento (resurgence) ao ser utilizado contra as concepções impostas por uma visão eurocêntrica que modifica toda uma organização social, política, econômica, territorial já existente, destruindo-as. Ressurgimento, segundo a autora é “as renewal, restoration, revival or a continuing after interruption—of knowledges, life, practices, and re-existences” (p. 19).

Além desta prática decolonial, a autora aborda sobre as lutas das mulheres negras e o significado de cimarronaje (ou marronage) e esta enquanto prática. Compreendido como modo de insurgência, de existência e reexistência em meio às imposições colonizadoras a partir da ideia de raça, gênero, trabalho, o cimmarronage é, segundo a autora em diálogo com Libia Grueso, “a way to rethink oneself against the form of colonialism which is structured on the denial and negation of the other—slave— and which determines a sense of gender as na imposed category.” (p. 42).

Esse modo de repensar é o que pautará as relações entre homens e mulheres negras a partir da negação da organização patriarcal imposta pela visão de mundo ocidental branca. Assim, essa prática é percebida como insurgente ao ser um ponto de vista que desobedece às imposições colonizadoras. Insurgência, para Walsh, não nega a “resurgence”, mas vai além dela no momento em que os povos buscam a decolonização do ser, saber, pensar. Aqui é preciso ressaltar, assim como faz a autora, a decolonialidade não é um termo que essas comunidades fazem uso.Adiante, ao dialogar acerca da Interculturalidade que, como a autora afirma é “proposition, process, and Project are to transform, reconceptualize, and refound structures and institutions” e dessa maneira espera-se que seja alcançada a equidade ao “relation diverse cultural logics, practices, and ways of knowing, thinking, acting, being, and living”, sem deixar de existir os aspectos conflitivos. (p. 59).

Walter Mignolo, por seu turno, dialoga a partir de noções que também são fundamentais para a compreensão da colonialidade do poder e como seus tentáculos destroem conhecimentos, saberes, práticas, línguas de povos e sociedades que são marginalizadas, subalternizadas. Em The Decolonial Option, composto por seis capítulos que delineiam sobre os vários conceitos por meio de suas definições e diferenciações, Mignolo assevera que a decolonialidade é o conceito que permite ver a colonialidade e percebê-la como o lado obscuro escamoteado pela ilusória modernidade. Por esse motivo, para entender a decolonialidade é necessário, primeiramente, compreender os outros dois termos.

Essa necessidade advém da ideia de que a modernidade e a colonialidade são interdependentes, pois sem a modernidade, a colonialidade não existiria, e sem a colonialidade, nada sustentaria a modernidade. Portanto, sem a existência e manutenção mútua entre a modernidade/colonialidade não se faria necessária a decolonialidade. Como o autor pontua ao tratar sobre a tríade conceitual, há uma simultaneidade na existência não só da modernidade/colonialidade, mas da tríade modernidade/colonialidade/decolonialidade.

A narrativa ilusória da modernidade se faz presente em discursos que se pautam principalmente em modernização e desenvolvimento, mas também, em outros momentos, essa modernidade foi nomeada como “renaissance, progress, and the civilizing mission” (p. 110). A colonialidade é constitutiva da modernidade como o seu lado obscuro ao manter o discurso da modernidade por meio das suas várias formas de marginalizar, subalternizar, seja pela ideia de raça, gênero, pela episteme e religião. É nesse entremeio de delinear tais conceitos que o autor explica o porquê que emerge o termo “thinking and doing otherwise”.

Para o autor, é na necessidade de pensar as experiências negadas, escamoteadas, escondidas, reprimidas pela modernidade, e o fazer se fará pela apresentação de que a modernidade é a metade da história por não caber ou ser benéfica para “the imaginary and desires of storytellers that legitimize themselves in the name of science, politics, and economy that provides a warranty for the well-being and interests of storytellers.” (p. 113). Como parte reprimida, a colonialidade é contínua e marca a economia e política.

Mignolo entende que os termos colonialidade e colonialidade do poder são abreviações do termo padrão colonial de poder (difundido por Aníbal Quijano) que, para ele, inscreve-se como Matriz Colonial de Poder, correlata à tese do filme The Matrix. Assim o traduz, pois considera que a matriz “is a set of structural relations and flows constitutive of an entity (conceptual and mechanic, like in the film The Matrix.” (p. 114). A matriz é a organização de um sistema em que a minoria detém o poder e controla a vida da maioria.

Trailer de Matrix ressurections | Imagem: Fãs de Cinema

A decolonialidade, por fim, é o processo e a prática de desfazer e refazer os condicionantes que possibilitam a existência das colonialidades e isso, para o autor, é reexistir conforme concebido por Walsh. Essa prática não é realizada pelo estado, mas sim pelos grupos subalternizados, marginalizados, racializados que se organizam para se desvincular da matrix colonial e, como assevera o autor, a decolonialidade é uma opção que em seu processo visa se desvincular de todas as formas de colonialidade, do ser, saber, natureza, entre outras. No entanto, essa opção torna-se um imperativo, de acordo com a compreensão Kantiana, para “whoever engages with the decolonial option, but cannot be a missionary imperative to control and dominate. And above all, it is neither a claim that decoloniality is the option where the final truth without parentheses is housed.” (p. 225).

É importante destacar que a prática da decolonialidade enfrenta desafios significativos quando pensamos em seu desenvolvimento em uma escala maior, visando a transformação social e econômica no combate à Matriz Colonial do Poder. Mignolo afirma que a decolonialidade não é uma missão, mas sim uma opção. Com esta afirmativa o autor indica que a decolonialidade é um dos muitos processos/caminhos e é uma escolha praticar a “Decolonial liberation”. No entanto, o autor constrói seu argumento na perspectiva de que a escolha é individual, com base nas próprias experiências. Essa abordagem descoletivizada limita o potencial da decolonialidade como uma força política e eficaz na luta contra os tentáculos da Modernidade/Colonialidade. Dessa forma, a posição de Mignolo torna a aplicação prática da decolonialidade menos convincente em termos de alcançar resultados tangíveis e transformadores em nível sistêmico.

Finalmente, ao se comprometerem em discutir a decolonialidade a partir de uma proposta de escrita Thinking-doing e Doing-Thinking, os dois segmentos do livro poderiam estar em livros separados por não existir um diálogo direto entre os autores, que caso existisse poderia inclusive enriquecer ainda mais a primeira obra da série On Decoloniality.

Compreendemos, contudo, que a obra é crucial para os estudos decoloniais. Ela permite conhecer práticas de movimentos populares, sociais e povos indígenas, além de conceitos dos autores. A obra é uma resistência contra ocorrências que buscam negar, apagar, subalternizar, marginalizar o povo por meio de discursos colonizadores. Estes, portanto, destroem conhecimentos e saberes dos povos colonizados. Como os autores se posicionam “With this book we intend to open up a global conversation that the series will build upon, broaden, and extend.” (p. 11).

Os autores, portanto, nos apresentam práticas decoloniais como insurgência, ressurgência, a interculturalidade que podem ser observadas na prática dos povos indígenas, dos Zapatistas, da própria prática de insurgência Cimarronaje, entre outras, devendo ser lido, inclusive, por não especialistas que se engajam em movimento ideologicamente marcados por esses fenômenos e que se assumem como pertencentes ao domínio da pedagogia decolonial ou da história decolonial. Contudo, como anunciamos acima, o livro cumpre o seu objetivo, na medida em que apresentam a decolonialidade como conceito, análise e prática contra a modernidade/colonialidade.

Sumário de On decoloniality: Concepts, analytics, praxis

  • Introduction
    • I. Decoloniality In/As Praxis | Catherine E. Walsh
    • 1. The Decolonial For: Resurgences, Shifts, and Movements
    • 2. Insurgency and Decolonial Prospect, Praxis, and Project
    • 3. Interculturality and Decoloniality
    • 4. On Decolonial Dangers, Decolonial Cracks, and Decolonial Pedagogies Rising
    • Conclusion: Sowing and Growing Decoloniality in/as Praxis: Some Final Thoughts
  • II. What Does It Mean to Decolonize? | Walter D. Mignolo
    • 1. The Conceptual Triad: Modernity/Coloniality/Decoloniality 6
    • 2. The Invention of the Human and the Three Pillars of the 7
    • 3. Colonial Matrix of Power: Racism, Sexism, and Nature
    • 4. Colonial/Imperial Differences: Classifying and Inventing Global Orders of Lands, Seas, and Living Organisms
    • 5. Eurocentrism and Coloniality: The Question of the Totality of Knowledge
    • Decoloniality Is an Option, Not a Mission
  • Closing Remarks
  • After-Word(s)
  • Bibliography
  • Index

Resenhista

Elizabeth Souza Oliveira é graduada em História Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Entre outros trabalhos, publicou: O Pensamento Decolonial:  Conceitos para Pensar uma Prática de Pesquisa de Resistência. ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/4043480788411718; ID: ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8948-7382; E-mail: eliza.oliveira.58@gmail.com.


Para citar esta resenha

MIGNOLO, Walter D.; WALSH, Catherine E. On decoloniality: Concepts, analytics, praxis. Duke University Press, 2018. 291p. Resenha de: OLIVEIRA, Elizabeth Souza. Thinking-doing e Doing-thinking. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.16, mar./abr., 2024. Disponível em <Thinking-doing e Doing-thinking – Resenha de Elizabeth de Souza Oliveira (UFS) sobre o livro “On decoloniality: concepts, analytics and praxis” Catherine Walsh e Walter Mignolo – Crítica Historiografica (criticahistoriografica.com.br) >.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.16, mar./abr., 2024 | ISSN 2764-2666

Pesquisa/Search

Alertas/Alerts

Thinking-doing e Doing-thinking – Resenha de Elizabeth de Souza Oliveira (UFS) sobre o livro “On decoloniality: concepts, analytics and praxis”, de Catherine Walsh e Walter Mignolo

Catherine Walsh e Walter Mignolo | Imagem: UASB/UNA

Resumo:Publicado pela Duke University Press Books em 2018, On decoloniality: concepts, analytics and praxis, de Catherine Walsh e Walter Mignolo, apresenta a decolonialidade como conceito, análise e prática contra a modernidade/colonialidade. Críticas apontam que os segmentos poderiam ser mais integrados para enriquecer o diálogo entre os autores.

Palavras-chave:  Decolonialidade; Modernidade/Colonialidade; práticas decoloniais.

Publicado pela Duke University Press Books em 2018, On decoloniality: concepts, analytics and praxis foi escrito por Catherine Walsh e Walter Mignolo. No livro, os autores propõem apresentar a decolonialidade como conceito, análise e prática contra a modernidade/colonialidade. Walsh e Mignolo veem o conceito de colonialidade de Aníbal Quijano como a intersecção de suas ideias, que permeia o debate sobre decolonialidade, servindo de base para teorias e entendimento das práticas decoloniais. A obra foi pensada em um momento necessário ao se propor apresentar pensamentos e práticas decoloniais, pois, como notam os autores no momento em que constroem a obra aqui resenhada, vê-se a eleição e os primeiros meses de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, a volta da extrema-direita na Argentina e Brasil, a guerra na Síria, a mudança do “globalismo neoliberal” para o “nacional americanismo”, o retorno dos nacionalismos de direita, entre outros. Todas ocorrências pontuadas são vistas como “The turmoil is now at once domestic,transnational, interstate, and global.” (p. 5).

Nascida nos Estados Unidos, Catherine Walsh é professora na Universidade Andina Simón Bolívar no Equador onde desenvolve trabalhos com os movimentos indígenas e afrodescendentes, bem como é participante do Grupo Modernidade/Colonialidade e desenvolve estudos que versam a partir de conceitos como Pedagogia Decolonial e Interculturalidade. O argentino Walter Mignolo, por seu turno, após terminar o PHD na França, atuou como docente na Universidade de Indiana, Toulouse e Michigan. É professor na universidade de Duke e, assim como Walsh, é participante do Grupo M/C em que teoriza sobre a tríade Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade, e, ainda, escreve sobre o que chama de Matriz Colonial do Poder, entre outros conceitos.

Como enfatizamos no título da resenha, a prática de escrita escolhida pelos dois autores foi chamada de Thinking-doing e Doing-Thinking (Pensar-Fazer e Fazer-Pensar) para que ambos pudessem escrever sem perder a conexão entre as duas partes que pertencem ao livro. Na primeira parte escrita por Catherine Walsh, o movimento se dá pelo Doing-Thinking, pois a autora apresenta a práxis decolonial a partir dos grupos que a tomam como opção, forma de viver. A segunda parte, é dedicada à teorização, delineando algumas práticas decoloniais no desenvolvimento. Como apontam os autores, a segunda parte é uma meditação sobre a colonialidade do poder.

Com esse movimento de fazer-pensar e pensar/fazer, Catherine Walsh, em seus quatro capítulos e conclusão, apresenta-nos a decolonialidade e para o quê é a decolonialidade a partir de exemplos de lutas, mudanças e movimentos dos povos marginalizados, subalternizados que se reuniram para ir contra as imposições da modernidade/colonialidade. Adicionalmente, a partir da postura nomeada como “Thinking with” (pensar com), a autora afirma que essa mudança do “estudando sobre” para “pensar com” exige a enunciação do pesquisador ou pesquisadora, assim como é necessário a sua presença nesse processo de pensamento. Com esta proposta, portanto, a autora construiu seus capítulos a partir da experiência dos povos, movimentos sociais e populares envolvidos nas lutas e das teorizações acadêmicas em diálogo com os exemplos de lutas decoloniais contra a ordem moderna/colonial, ou como nomeiam os Zapatistas “capitalist hydra”. Walsh trabalha conceitos como Decolonial Cracks, Decolonial Pedagogies, Decolonial Feminism, Shifts, Praxis, com destaques nossos para InsurgencyResurgence, Interculturality e Decoloniality.

Decolonialidade é, principalmente, um termo que significa “resistance and refusal” (p. 17), ou seja, é uma luta contínua contra as colonialidades impostas aos grupos subalternos e marginalizados pela visão de mundo colonizadora. Decolonialidade é também teoria, conceito e categoria no desenvolvimento da experiência histórica que tem origem nos fins do século XX, quando um grupo de estudiosos percebeu que para estudar o colonialismo na América Latina e no Caribe seria necessário ter conceituações e categorias próprias. Isto porque se entendeu que as formas de colonização se deram de maneiras diferentes em determinados territórios. Este grupo (ou projeto de investigação) é nomeado como Modernidade/Colonialidade dos quais ambos os autores do livro aqui resenhado são membros.

Das experiências versadas pela autora na primeira parte da obra, vemos os povos que lutaram para a retomada do nome Abya Yala. Este foi o nome dado às terras da América Latina pelos povos Kuna-Tule antes da invasão colonial e a retomada de Abya Yala pelos povos indígenas ocorre como uma forma de combater as celebrações de “descoberta” na segunda metade do século XX. Assim, essa oposição, rompimento, renomeação é percebida como uma práxis decolonial que se dá pelo ressurgimento (resurgence) ao ser utilizado contra as concepções impostas por uma visão eurocêntrica que modifica toda uma organização social, política, econômica, territorial já existente, destruindo-as. Ressurgimento, segundo a autora é “as renewal, restoration, revival or a continuing after interruption—of knowledges, life, practices, and re-existences” (p. 19).

Além desta prática decolonial, a autora aborda sobre as lutas das mulheres negras e o significado de cimarronaje (ou marronage) e esta enquanto prática. Compreendido como modo de insurgência, de existência e reexistência em meio às imposições colonizadoras a partir da ideia de raça, gênero, trabalho, o cimmarronage é, segundo a autora em diálogo com Libia Grueso, “a way to rethink oneself against the form of colonialism which is structured on the denial and negation of the other—slave— and which determines a sense of gender as na imposed category.” (p. 42).

Esse modo de repensar é o que pautará as relações entre homens e mulheres negras a partir da negação da organização patriarcal imposta pela visão de mundo ocidental branca. Assim, essa prática é percebida como insurgente ao ser um ponto de vista que desobedece às imposições colonizadoras. Insurgência, para Walsh, não nega a “resurgence”, mas vai além dela no momento em que os povos buscam a decolonização do ser, saber, pensar. Aqui é preciso ressaltar, assim como faz a autora, a decolonialidade não é um termo que essas comunidades fazem uso.Adiante, ao dialogar acerca da Interculturalidade que, como a autora afirma é “proposition, process, and Project are to transform, reconceptualize, and refound structures and institutions” e dessa maneira espera-se que seja alcançada a equidade ao “relation diverse cultural logics, practices, and ways of knowing, thinking, acting, being, and living”, sem deixar de existir os aspectos conflitivos. (p. 59).

Walter Mignolo, por seu turno, dialoga a partir de noções que também são fundamentais para a compreensão da colonialidade do poder e como seus tentáculos destroem conhecimentos, saberes, práticas, línguas de povos e sociedades que são marginalizadas, subalternizadas. Em The Decolonial Option, composto por seis capítulos que delineiam sobre os vários conceitos por meio de suas definições e diferenciações, Mignolo assevera que a decolonialidade é o conceito que permite ver a colonialidade e percebê-la como o lado obscuro escamoteado pela ilusória modernidade. Por esse motivo, para entender a decolonialidade é necessário, primeiramente, compreender os outros dois termos.

Essa necessidade advém da ideia de que a modernidade e a colonialidade são interdependentes, pois sem a modernidade, a colonialidade não existiria, e sem a colonialidade, nada sustentaria a modernidade. Portanto, sem a existência e manutenção mútua entre a modernidade/colonialidade não se faria necessária a decolonialidade. Como o autor pontua ao tratar sobre a tríade conceitual, há uma simultaneidade na existência não só da modernidade/colonialidade, mas da tríade modernidade/colonialidade/decolonialidade.

A narrativa ilusória da modernidade se faz presente em discursos que se pautam principalmente em modernização e desenvolvimento, mas também, em outros momentos, essa modernidade foi nomeada como “renaissance, progress, and the civilizing mission” (p. 110). A colonialidade é constitutiva da modernidade como o seu lado obscuro ao manter o discurso da modernidade por meio das suas várias formas de marginalizar, subalternizar, seja pela ideia de raça, gênero, pela episteme e religião. É nesse entremeio de delinear tais conceitos que o autor explica o porquê que emerge o termo “thinking and doing otherwise”.

Para o autor, é na necessidade de pensar as experiências negadas, escamoteadas, escondidas, reprimidas pela modernidade, e o fazer se fará pela apresentação de que a modernidade é a metade da história por não caber ou ser benéfica para “the imaginary and desires of storytellers that legitimize themselves in the name of science, politics, and economy that provides a warranty for the well-being and interests of storytellers.” (p. 113). Como parte reprimida, a colonialidade é contínua e marca a economia e política.

Mignolo entende que os termos colonialidade e colonialidade do poder são abreviações do termo padrão colonial de poder (difundido por Aníbal Quijano) que, para ele, inscreve-se como Matriz Colonial de Poder, correlata à tese do filme The Matrix. Assim o traduz, pois considera que a matriz “is a set of structural relations and flows constitutive of an entity (conceptual and mechanic, like in the film The Matrix.” (p. 114). A matriz é a organização de um sistema em que a minoria detém o poder e controla a vida da maioria.

Trailer de Matrix ressurections | Imagem: Fãs de Cinema

A decolonialidade, por fim, é o processo e a prática de desfazer e refazer os condicionantes que possibilitam a existência das colonialidades e isso, para o autor, é reexistir conforme concebido por Walsh. Essa prática não é realizada pelo estado, mas sim pelos grupos subalternizados, marginalizados, racializados que se organizam para se desvincular da matrix colonial e, como assevera o autor, a decolonialidade é uma opção que em seu processo visa se desvincular de todas as formas de colonialidade, do ser, saber, natureza, entre outras. No entanto, essa opção torna-se um imperativo, de acordo com a compreensão Kantiana, para “whoever engages with the decolonial option, but cannot be a missionary imperative to control and dominate. And above all, it is neither a claim that decoloniality is the option where the final truth without parentheses is housed.” (p. 225).

É importante destacar que a prática da decolonialidade enfrenta desafios significativos quando pensamos em seu desenvolvimento em uma escala maior, visando a transformação social e econômica no combate à Matriz Colonial do Poder. Mignolo afirma que a decolonialidade não é uma missão, mas sim uma opção. Com esta afirmativa o autor indica que a decolonialidade é um dos muitos processos/caminhos e é uma escolha praticar a “Decolonial liberation”. No entanto, o autor constrói seu argumento na perspectiva de que a escolha é individual, com base nas próprias experiências. Essa abordagem descoletivizada limita o potencial da decolonialidade como uma força política e eficaz na luta contra os tentáculos da Modernidade/Colonialidade. Dessa forma, a posição de Mignolo torna a aplicação prática da decolonialidade menos convincente em termos de alcançar resultados tangíveis e transformadores em nível sistêmico.

Finalmente, ao se comprometerem em discutir a decolonialidade a partir de uma proposta de escrita Thinking-doing e Doing-Thinking, os dois segmentos do livro poderiam estar em livros separados por não existir um diálogo direto entre os autores, que caso existisse poderia inclusive enriquecer ainda mais a primeira obra da série On Decoloniality.

Compreendemos, contudo, que a obra é crucial para os estudos decoloniais. Ela permite conhecer práticas de movimentos populares, sociais e povos indígenas, além de conceitos dos autores. A obra é uma resistência contra ocorrências que buscam negar, apagar, subalternizar, marginalizar o povo por meio de discursos colonizadores. Estes, portanto, destroem conhecimentos e saberes dos povos colonizados. Como os autores se posicionam “With this book we intend to open up a global conversation that the series will build upon, broaden, and extend.” (p. 11).

Os autores, portanto, nos apresentam práticas decoloniais como insurgência, ressurgência, a interculturalidade que podem ser observadas na prática dos povos indígenas, dos Zapatistas, da própria prática de insurgência Cimarronaje, entre outras, devendo ser lido, inclusive, por não especialistas que se engajam em movimento ideologicamente marcados por esses fenômenos e que se assumem como pertencentes ao domínio da pedagogia decolonial ou da história decolonial. Contudo, como anunciamos acima, o livro cumpre o seu objetivo, na medida em que apresentam a decolonialidade como conceito, análise e prática contra a modernidade/colonialidade.

Sumário de On decoloniality: Concepts, analytics, praxis

  • Introduction
    • I. Decoloniality In/As Praxis | Catherine E. Walsh
    • 1. The Decolonial For: Resurgences, Shifts, and Movements
    • 2. Insurgency and Decolonial Prospect, Praxis, and Project
    • 3. Interculturality and Decoloniality
    • 4. On Decolonial Dangers, Decolonial Cracks, and Decolonial Pedagogies Rising
    • Conclusion: Sowing and Growing Decoloniality in/as Praxis: Some Final Thoughts
  • II. What Does It Mean to Decolonize? | Walter D. Mignolo
    • 1. The Conceptual Triad: Modernity/Coloniality/Decoloniality 6
    • 2. The Invention of the Human and the Three Pillars of the 7
    • 3. Colonial Matrix of Power: Racism, Sexism, and Nature
    • 4. Colonial/Imperial Differences: Classifying and Inventing Global Orders of Lands, Seas, and Living Organisms
    • 5. Eurocentrism and Coloniality: The Question of the Totality of Knowledge
    • Decoloniality Is an Option, Not a Mission
  • Closing Remarks
  • After-Word(s)
  • Bibliography
  • Index

Resenhista

Elizabeth Souza Oliveira é graduada em História Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Entre outros trabalhos, publicou: O Pensamento Decolonial:  Conceitos para Pensar uma Prática de Pesquisa de Resistência. ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/4043480788411718; ID: ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8948-7382; E-mail: eliza.oliveira.58@gmail.com.


Para citar esta resenha

MIGNOLO, Walter D.; WALSH, Catherine E. On decoloniality: Concepts, analytics, praxis. Duke University Press, 2018. 291p. Resenha de: OLIVEIRA, Elizabeth Souza. Thinking-doing e Doing-thinking. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.16, mar./abr., 2024. Disponível em <Thinking-doing e Doing-thinking – Resenha de Elizabeth de Souza Oliveira (UFS) sobre o livro “On decoloniality: concepts, analytics and praxis” Catherine Walsh e Walter Mignolo – Crítica Historiografica (criticahistoriografica.com.br) >.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.16, mar./abr., 2024 | ISSN 2764-2666

Resenhistas

Privacidade

Ao se inscrever nesta lista de e-mails, você estará sujeito à nossa política de privacidade.

Acesso livre

Crítica Historiográfica não cobra taxas para submissão, publicação ou uso dos artigos. Os leitores podem baixar, copiar, distribuir, imprimir os textos para fins não comerciais, desde que citem a fonte.

Foco e escopo

Publicamos resenhas de livros e de dossiês de artigos de revistas acadêmicas que tratem da reflexão, investigação, comunicação e/ou consumo da escrita da História. Saiba mais sobre o único periódico de História inteiramente dedicado à Crítica em formato resenha.

Corpo editorial

Somos professore(a)s do ensino superior brasileiro, especializado(a)s em mais de duas dezenas de áreas relacionadas à reflexão, produção e usos da História. Faça parte dessa equipe.

Submissões

As resenhas devem expressar avaliações de livros ou de dossiês de revistas acadêmicas autodesignadas como "de História". Conheça as normas e envie-nos o seu texto.

Pesquisa


Enviar mensagem de WhatsApp