Versões contestadas – Ibarê Dantas (UFS) replica declarações de Andreza Maynard (UFS) Cerivaldo Pereira Filho (FSL) sobre o seu livro O Tenentismo.

Andreza Maynard | Imagem: ASCOM-UFS

Resumo: Nos 50 anos de O Tenentismo em Sergipe: da Revolta de 1924 à Revolução de 1930, seu autor, Ibarê Dantas, contesta proposições de Andreza Santos Cruz Maynard e Cerivaldo Pereira Filho, que sugerem, equivocadamente, inclusive, um vínculo com militares, deturpando a análise original de Dantas.

Palavras-chave: Historiografia sobre o Tenentismo; Ibarê Dantas; crítica historiográfica.


Neste mês de junho completa 50 anos o lançamento do meu livro O Tenentismo em Sergipe: da Revolta de 1924 à Revolução de 1930 (Petrópolis/RJ, Editora Vozes, 1974).

A publicação provocou numerosas resenhas, algumas com divergências pontuais de interpretação, algo que avalio como natural, considerando que todo tema comporta novas abordagens discordantes ou não.

Em 2010 tomei conhecimento da dissertação de Andreza Santos Cruz Maynard: A Caserna em polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe, defendida na UFPE, em 2008, e transformada em livro com o mesmo nome, em 2012, apresentando afirmações erradas. Andreza Maynard é pós-doutora em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFPR), doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Professora de História do Colégio de Aplicação e do Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e, tem atuado sobretudo nas áreas de História Contemporânea e História do Brasil República, investigando: Segunda Guerra Mundial, cinema, Estado Novo e Ensino de História.

À primeira vista, considerei as declarações direcionadas ao meu livro – O Tenentismo em Sergipe: da Revolta de 1924 à Revolução de 1930 – apenas um equívoco ocasional e exercitei a tolerância. Agora, no centenário da Revolta de 1924, ao reler o texto e saber que continuava difundindo falsidades junto aos alunos sobre meus escritos e minha postura diante do domínio militar, decidi mostrar algumas afirmações problemáticas emitidas por ela a respeito do meu livro O Tenentismo em Sergipe:A obra foi publicada com o auxílio do governo ´ocasionalmente`, como diz o autor, em 1974, cinqüenta anos depois da revolta de 13 de julho. E ´coincidentemente` Sergipe era governado sob a tutela militar.” (p. 12). Não é verdade, contudo, que a edição do livro em 1974 recebeu auxílio de governo, de órgão público ou privado. Naquela época, eu trabalhava no Banco do Brasil, sem vínculos com outras entidades, e financiei parte da edição com o meu salário, sem contar com patrocínio. A negociação com Mário Pontes do escritório da Editora Vozes à Rua México (RJ) foi rápida e objetiva. Pouco depois, assinei o contrato da edição que previa: “O autor adquire 500 exemplares mediante o pagamento de CR$ 10.000,00 em três prestações.” A afirmação de Andreza além de falsa é maldosa, porque sugere minha ligação com os militares durante a Tutela Militar.

Para os leitores que não acompanham minhas produções, informo que O Tenentismo em Sergipe foi divulgado em três edições. A primeira com minha contribuição financeira, pela Editora Vozes, 1974. A segunda, patrocinada pela Funcaju, a convite da presidência de Ivan Valença, na gestão do prefeito João Augusto Gama da Silva, pela J. Andrade, 1999. A terceira, em atenção ao convite da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEDUC) no bojo de um projeto que incluiu a publicação de mais de cem obras de autores sergipanos em 2022.

Adicionalmente ao que divulgou em sua dissertação, Andreza, na qualidade de profissional do magistério, orientou o trabalho A Revolta Tenentista em Aracaju: as Visões de Ibarê Dantas e Andreza Maynard, do acadêmico Cerivaldo Pereira Filho, do curso de Pós-Graduação em Ensino de História da Faculdade São Luís de França, Aracaju, em 2012. Em seu texto, o orientando, entre outros enganos, afirmou: “vivíamos ainda sob a coação da ditadura civil-militar naquele longínquo 1974 […] escrever nestas circunstâncias significava não só buscar o melindre que satisfizesse o âmago de tal regime sem ferir os brios ideológicos e mantenedores do sistema […]. Principalmente, quando essa produção fosse financiada com recursos estatais, como fora o caso de ‘O Tenentismo em Sergipe’ de Ibarê Dantas.” (p. 3-4)

Em minha contribuição à historiografia sergipana ao longo dos cinquenta anos, todos os meus treze livros mereceram comentários com elogios e críticas respeitosas, mas uma invenção dessa natureza jamais havia acontecido. Ademais, há outras afirmações questionáveis na citada dissertação da professora, sem a gravidade da anterior, que expressam alguma impropriedade ou imprecisão.

Para a autora, por exemplo, minha posição vincula-se à corrente que vê o tenentismo como expressão das classes médias, na linha de Virgílio Santa Rosa, N. W. Sodré, Jaguaribe, Carone, entre outros. Não sei de onde tirou essa falsa conclusão. Não seria grande demérito se assim o fosse. Mas minha posição está explicita nas conclusões: “Não se pode dizer que o tenentismo representava específicos interesses dos estratos médios urbanos.” (1. ed., p. 229; 2. ed., p. 264 e 3. ed., p. 217). Essa interpretação deturpada do meu texto levou-a a dizer que tratei as lideranças do movimento como “simples fantoches”. O meu texto analisa o movimento desde as origens, apresenta dados biográficos dos personagens e acompanha suas ações antes, durante e depois das duas revoltas.

A autora também  misturou a causa da Revolta com a receptividade da população e critica o espaço que dei aos precedentes (p. 12), quando minha posição a respeito é clara: a origem da Revolta foi a indisposição contra o presidente Bernardes. No caso de 1924, combina com a solidariedade ao levante de São Paulo.

A autora considerou que dei espaço demais aos precedentes e consequências. Então, como forma de superação ela limitou o marco temporal de 13.07.1924 a 02.08.1924 (ver p. 10), seguindo Ginzburg. Ocorre que a professora não observou que meu objeto de estudo foi o Tenentismo em Sergipe das origens até 1930. Aliás, empenhei-me muito em compreender o ambiente da sociedade sergipana nos anos 20. A imprensa, as manifestações divergentes e as origens do tenentismo no plano nacional e local. E esse lastro me beneficiou muito. Ao ponto de 50 anos depois não ter arrependimento do que escrevi. Ao fim dos precedentes simplesmente conclui: Há indicações que “alguns segmentos da população estavam predispostos para mudanças.” (p. 80).

Dentro do seu objeto de estudo, por fim, a autora revelou que o enfoque do seu trabalho é preencher a lacuna: “qual o envolvimento dos militares com a sociedade sergipana” (p.22) como se nada existisse sobre o assunto. Em contrapartida, no meu livro, mostrei a relação dos militares com a imprensa (p. 75-76, 2. ed). Adiante escrevi: “Nesta época, inícios da década de 1920, o Quartel do 28º BC estava situado na zona central da cidade. Os militares, especialmente os oficiais, eram bastante integrados no ambiente das ruas, participando das conversas de esquina e vivendo os problemas e as aspirações dos estratos médios. Nesse inter-relacionamento com os civis, as aproximações iam se amiudando conforme as identificações de cada grupo e as tendências, inclinações de seus elementos.” (p. 99 da 2. ed., a que Andreza consultou). Noticiei ainda a presença de oficiais nas campanhas cívicas, entre as quais a favor do Voto Secreto, na qual Maynard, Soarino e Manoel Xavier de Oliveira, participaram da diretoria. (p. 102, 2. ed.). O que a pesquisa da autora trouxe de novidade? Não percebi. Seria ao discutir sobre Aracaju, uma cidade moderna, no capítulo onde mencionou Baudelaire, Sevcenko, Benjamin e outros estudiosos da modernidade, abordou temas como publicidade de medicamentos, bondes, crises de epilepsia, condições de saneamento, competições de beleza e muitos outros? Onde estavam os militares nesses acontecimentos?

Essas considerações, contudo, não me impedem de reconhecer que A caserna em polvorosa possui seus méritos. Eis alguns exemplos. No primeiro capítulo, ampliou as informações sobre o 28º BC como instituição. Inspirada em uma pesquisa de nível nacional, que José Murilo de Carvalho publicou, a autora ofereceu dados sobre recrutamento, fardamento, alimentação, disciplina, entre outros aspectos. Apresentou pequenas biografias dos líderes, quase tudo já divulgado, mas indispensável. Por fim, no plano da revolta, trouxe revelações interessantes, complementando minha narrativa.

No segundo capítulo, sobre os desdobramentos no cotidiano da cidade, baseada em matérias da imprensa, não deixou de ampliar o conjunto dos fatos já divulgados. O mesmo digo quando trata do êxodo para o interior e da insurreição em alguns municípios.

No terceiro capítulo, também ampliou informações em detalhes, mas sem novidades sobre a compreensão do quadro geral.

Em suma, a dissertação enriqueceu a narrativa sobre a Revolta de 1924 em Sergipe. Defendida em 2008, em pleno século XXI, mais de três décadas depois da primeira publicação existente, O Tenentismo em Sergipe, Andreza consultou documentos inacessíveis no início dos anos 70, tais como os produzidos pelo 28º BC, além dos numerosos livros editados em décadas posteriores. Andreza elencou uma grande bibliografia com obras diversificadas, inclusive teóricos da guerra, tais como Clausewitz e Sun Tzu. Todavia, deixou de fora a síntese mais importante da história do tenentismo no âmbito nacional, o livro de José Augusto Drummond. O Movimento Tenentista: A Intervenção Política dos Oficiais Jovens(1922-1935), Graal, 1986. Um clássico amplamente divulgado que analisou as revoltas e a relação dos militares com a política. José Murilo de Carvalho tratou da instituição, do ativismo político, mas não estudou as revoltas como fez Drummond.

Em termos factuais, o trabalho da professora Andreza agregou mais informações ao estudo do tema. Entretanto, comprometeu bastante sua dissertação a partir da revisão da literatura existente. No afã de inflar a importância de seu texto, leu sem atenção o que escrevi, deturpou minhas posições, inventou estórias improcedentes e divulgou-as sem observar a veracidade dos fatos, um critério básico de todo historiador responsável. Por fim, ainda orientou pelo menos um aluno, induzindo-o a reiterar narrativas falsas e maldosas. Lamentável.

Esta contestação serve de esclarecimento sobre o genuíno teor das minhas proposições em O Tenentismo. Sua principal função, contudo, é pedagógica. Em um mundo de produção acadêmica em rápida expansão, o exercício da crítica é necessário, mesmo que a atribuição de valor à obra leve uma ou duas décadas para ser comunicada publicamente. Aliás, é o que mais fazem os historiadores da historiografia.

Referências

CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. São Paulo: Todavia, 2021.

DANTAS, José Ibarê Costa. O Tenentismo em Sergipe (Da Revolta de 1924 à Revolução de 1930)Petrópolis: Vozes, 1974. 252p. 1ed; Aracaju: J. Andrade/FUNCAJU, 1999. 295p. 2ed; Aracaju: SEDUC, 2022. 247p. 3ed..

DRUMMOND, José Augusto. A Intervenção Política dos Oficiais Jovens. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

MAYNARD, Andreza Santos Cruz: A caserna em polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe. Recife, 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. Orientação Profa. Dra. Sílvia Cortez Silva.

PEREIRA FILHO, Cerivaldo. A Revolta Tenentista em Aracaju: as Visões de Ibarê Dantas e Andreza MaynardAracaju, 2012. Monografia (Especialização em Ensino de História) – Curso de Pós-Graduação em Ensino de História, Faculdade São Luís de França. Orientação da Profa. Msc. Andreza Santos Cruz Maynard. Aracaju, outubro de 2012.

Sumário de A caserna em polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe

  • Introdução
  • 1. Sonhando com o mundo real: antecedentes da Revolta de 13 de julho
  • 2. Um mundo ao alcance das mãos: desdobramentos do levante militar em Aracaju e no interior
  • 3. “Dois mil cangaceiros de mentira”: os últimos dias da revolta em Sergipe
  • Conclusão
  • Referências e bibliografia

Resenhista

José Ibarê Costa Dantas é mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe de 2003 a 2010, foi agraciado com os títulos de Professor Emérito (2002) e de Doutor Honoris Causa (2010). Foi professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Ciências Sociais da UFS e possui mais de uma dezena de livros publicados, entre os quais destacam-se: O Tenentismo em Sergipe, A Tutela Militar em Sergipe (1964/1984): Partidos e Eleições num Estado Autoritário, e História de Sergipe: República (1889/2000). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/7744681582778233; ID ORCID: https://orcid.org/0009-0009-2839-8886; E-mail: ibaredantas@gmail.com.

 


Para citar esta resenha

MAYNARD, Andreza Santos Cruz: A caserna em polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe. Recife, 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. (Orientação Profa. Dra. Sílvia Cortez Silva); PEREIRA FILHO, Cerivaldo. A Revolta Tenentista em Aracaju: as Visões de Ibarê Dantas e Andreza MaynardAracaju, 2012. Monografia (Especialização em Ensino de História) – Curso de Pós-Graduação em Ensino de História, Faculdade São Luís de França. (Orientação da Profª. Msc. Andreza Santos Cruz Maynard). Resenha de: DANTAS, Ibarê. Versões contestadas. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.18, jul./ago., 2024. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/versoes-contestadas-ibare-dantas-ufs-replica-declaracoes-de-andreza-maynard-ufs-cerivaldo-pereira-filho-fsl-sobre-o-seu-livro-o-tenentismo/>.

 


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n. 18, jul./ago., 2023 | ISSN 2764-2666

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Versões contestadas – Ibarê Dantas (UFS) replica declarações de Andreza Maynard (UFS) Cerivaldo Pereira Filho (FSL) sobre o seu livro O Tenentismo.

Andreza Maynard | Imagem: ASCOM-UFS

Resumo: Nos 50 anos de O Tenentismo em Sergipe: da Revolta de 1924 à Revolução de 1930, seu autor, Ibarê Dantas, contesta proposições de Andreza Santos Cruz Maynard e Cerivaldo Pereira Filho, que sugerem, equivocadamente, inclusive, um vínculo com militares, deturpando a análise original de Dantas.

Palavras-chave: Historiografia sobre o Tenentismo; Ibarê Dantas; crítica historiográfica.


Neste mês de junho completa 50 anos o lançamento do meu livro O Tenentismo em Sergipe: da Revolta de 1924 à Revolução de 1930 (Petrópolis/RJ, Editora Vozes, 1974).

A publicação provocou numerosas resenhas, algumas com divergências pontuais de interpretação, algo que avalio como natural, considerando que todo tema comporta novas abordagens discordantes ou não.

Em 2010 tomei conhecimento da dissertação de Andreza Santos Cruz Maynard: A Caserna em polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe, defendida na UFPE, em 2008, e transformada em livro com o mesmo nome, em 2012, apresentando afirmações erradas. Andreza Maynard é pós-doutora em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFPR), doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Professora de História do Colégio de Aplicação e do Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e, tem atuado sobretudo nas áreas de História Contemporânea e História do Brasil República, investigando: Segunda Guerra Mundial, cinema, Estado Novo e Ensino de História.

À primeira vista, considerei as declarações direcionadas ao meu livro – O Tenentismo em Sergipe: da Revolta de 1924 à Revolução de 1930 – apenas um equívoco ocasional e exercitei a tolerância. Agora, no centenário da Revolta de 1924, ao reler o texto e saber que continuava difundindo falsidades junto aos alunos sobre meus escritos e minha postura diante do domínio militar, decidi mostrar algumas afirmações problemáticas emitidas por ela a respeito do meu livro O Tenentismo em Sergipe:A obra foi publicada com o auxílio do governo ´ocasionalmente`, como diz o autor, em 1974, cinqüenta anos depois da revolta de 13 de julho. E ´coincidentemente` Sergipe era governado sob a tutela militar.” (p. 12). Não é verdade, contudo, que a edição do livro em 1974 recebeu auxílio de governo, de órgão público ou privado. Naquela época, eu trabalhava no Banco do Brasil, sem vínculos com outras entidades, e financiei parte da edição com o meu salário, sem contar com patrocínio. A negociação com Mário Pontes do escritório da Editora Vozes à Rua México (RJ) foi rápida e objetiva. Pouco depois, assinei o contrato da edição que previa: “O autor adquire 500 exemplares mediante o pagamento de CR$ 10.000,00 em três prestações.” A afirmação de Andreza além de falsa é maldosa, porque sugere minha ligação com os militares durante a Tutela Militar.

Para os leitores que não acompanham minhas produções, informo que O Tenentismo em Sergipe foi divulgado em três edições. A primeira com minha contribuição financeira, pela Editora Vozes, 1974. A segunda, patrocinada pela Funcaju, a convite da presidência de Ivan Valença, na gestão do prefeito João Augusto Gama da Silva, pela J. Andrade, 1999. A terceira, em atenção ao convite da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEDUC) no bojo de um projeto que incluiu a publicação de mais de cem obras de autores sergipanos em 2022.

Adicionalmente ao que divulgou em sua dissertação, Andreza, na qualidade de profissional do magistério, orientou o trabalho A Revolta Tenentista em Aracaju: as Visões de Ibarê Dantas e Andreza Maynard, do acadêmico Cerivaldo Pereira Filho, do curso de Pós-Graduação em Ensino de História da Faculdade São Luís de França, Aracaju, em 2012. Em seu texto, o orientando, entre outros enganos, afirmou: “vivíamos ainda sob a coação da ditadura civil-militar naquele longínquo 1974 […] escrever nestas circunstâncias significava não só buscar o melindre que satisfizesse o âmago de tal regime sem ferir os brios ideológicos e mantenedores do sistema […]. Principalmente, quando essa produção fosse financiada com recursos estatais, como fora o caso de ‘O Tenentismo em Sergipe’ de Ibarê Dantas.” (p. 3-4)

Em minha contribuição à historiografia sergipana ao longo dos cinquenta anos, todos os meus treze livros mereceram comentários com elogios e críticas respeitosas, mas uma invenção dessa natureza jamais havia acontecido. Ademais, há outras afirmações questionáveis na citada dissertação da professora, sem a gravidade da anterior, que expressam alguma impropriedade ou imprecisão.

Para a autora, por exemplo, minha posição vincula-se à corrente que vê o tenentismo como expressão das classes médias, na linha de Virgílio Santa Rosa, N. W. Sodré, Jaguaribe, Carone, entre outros. Não sei de onde tirou essa falsa conclusão. Não seria grande demérito se assim o fosse. Mas minha posição está explicita nas conclusões: “Não se pode dizer que o tenentismo representava específicos interesses dos estratos médios urbanos.” (1. ed., p. 229; 2. ed., p. 264 e 3. ed., p. 217). Essa interpretação deturpada do meu texto levou-a a dizer que tratei as lideranças do movimento como “simples fantoches”. O meu texto analisa o movimento desde as origens, apresenta dados biográficos dos personagens e acompanha suas ações antes, durante e depois das duas revoltas.

A autora também  misturou a causa da Revolta com a receptividade da população e critica o espaço que dei aos precedentes (p. 12), quando minha posição a respeito é clara: a origem da Revolta foi a indisposição contra o presidente Bernardes. No caso de 1924, combina com a solidariedade ao levante de São Paulo.

A autora considerou que dei espaço demais aos precedentes e consequências. Então, como forma de superação ela limitou o marco temporal de 13.07.1924 a 02.08.1924 (ver p. 10), seguindo Ginzburg. Ocorre que a professora não observou que meu objeto de estudo foi o Tenentismo em Sergipe das origens até 1930. Aliás, empenhei-me muito em compreender o ambiente da sociedade sergipana nos anos 20. A imprensa, as manifestações divergentes e as origens do tenentismo no plano nacional e local. E esse lastro me beneficiou muito. Ao ponto de 50 anos depois não ter arrependimento do que escrevi. Ao fim dos precedentes simplesmente conclui: Há indicações que “alguns segmentos da população estavam predispostos para mudanças.” (p. 80).

Dentro do seu objeto de estudo, por fim, a autora revelou que o enfoque do seu trabalho é preencher a lacuna: “qual o envolvimento dos militares com a sociedade sergipana” (p.22) como se nada existisse sobre o assunto. Em contrapartida, no meu livro, mostrei a relação dos militares com a imprensa (p. 75-76, 2. ed). Adiante escrevi: “Nesta época, inícios da década de 1920, o Quartel do 28º BC estava situado na zona central da cidade. Os militares, especialmente os oficiais, eram bastante integrados no ambiente das ruas, participando das conversas de esquina e vivendo os problemas e as aspirações dos estratos médios. Nesse inter-relacionamento com os civis, as aproximações iam se amiudando conforme as identificações de cada grupo e as tendências, inclinações de seus elementos.” (p. 99 da 2. ed., a que Andreza consultou). Noticiei ainda a presença de oficiais nas campanhas cívicas, entre as quais a favor do Voto Secreto, na qual Maynard, Soarino e Manoel Xavier de Oliveira, participaram da diretoria. (p. 102, 2. ed.). O que a pesquisa da autora trouxe de novidade? Não percebi. Seria ao discutir sobre Aracaju, uma cidade moderna, no capítulo onde mencionou Baudelaire, Sevcenko, Benjamin e outros estudiosos da modernidade, abordou temas como publicidade de medicamentos, bondes, crises de epilepsia, condições de saneamento, competições de beleza e muitos outros? Onde estavam os militares nesses acontecimentos?

Essas considerações, contudo, não me impedem de reconhecer que A caserna em polvorosa possui seus méritos. Eis alguns exemplos. No primeiro capítulo, ampliou as informações sobre o 28º BC como instituição. Inspirada em uma pesquisa de nível nacional, que José Murilo de Carvalho publicou, a autora ofereceu dados sobre recrutamento, fardamento, alimentação, disciplina, entre outros aspectos. Apresentou pequenas biografias dos líderes, quase tudo já divulgado, mas indispensável. Por fim, no plano da revolta, trouxe revelações interessantes, complementando minha narrativa.

No segundo capítulo, sobre os desdobramentos no cotidiano da cidade, baseada em matérias da imprensa, não deixou de ampliar o conjunto dos fatos já divulgados. O mesmo digo quando trata do êxodo para o interior e da insurreição em alguns municípios.

No terceiro capítulo, também ampliou informações em detalhes, mas sem novidades sobre a compreensão do quadro geral.

Em suma, a dissertação enriqueceu a narrativa sobre a Revolta de 1924 em Sergipe. Defendida em 2008, em pleno século XXI, mais de três décadas depois da primeira publicação existente, O Tenentismo em Sergipe, Andreza consultou documentos inacessíveis no início dos anos 70, tais como os produzidos pelo 28º BC, além dos numerosos livros editados em décadas posteriores. Andreza elencou uma grande bibliografia com obras diversificadas, inclusive teóricos da guerra, tais como Clausewitz e Sun Tzu. Todavia, deixou de fora a síntese mais importante da história do tenentismo no âmbito nacional, o livro de José Augusto Drummond. O Movimento Tenentista: A Intervenção Política dos Oficiais Jovens(1922-1935), Graal, 1986. Um clássico amplamente divulgado que analisou as revoltas e a relação dos militares com a política. José Murilo de Carvalho tratou da instituição, do ativismo político, mas não estudou as revoltas como fez Drummond.

Em termos factuais, o trabalho da professora Andreza agregou mais informações ao estudo do tema. Entretanto, comprometeu bastante sua dissertação a partir da revisão da literatura existente. No afã de inflar a importância de seu texto, leu sem atenção o que escrevi, deturpou minhas posições, inventou estórias improcedentes e divulgou-as sem observar a veracidade dos fatos, um critério básico de todo historiador responsável. Por fim, ainda orientou pelo menos um aluno, induzindo-o a reiterar narrativas falsas e maldosas. Lamentável.

Esta contestação serve de esclarecimento sobre o genuíno teor das minhas proposições em O Tenentismo. Sua principal função, contudo, é pedagógica. Em um mundo de produção acadêmica em rápida expansão, o exercício da crítica é necessário, mesmo que a atribuição de valor à obra leve uma ou duas décadas para ser comunicada publicamente. Aliás, é o que mais fazem os historiadores da historiografia.

Referências

CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. São Paulo: Todavia, 2021.

DANTAS, José Ibarê Costa. O Tenentismo em Sergipe (Da Revolta de 1924 à Revolução de 1930)Petrópolis: Vozes, 1974. 252p. 1ed; Aracaju: J. Andrade/FUNCAJU, 1999. 295p. 2ed; Aracaju: SEDUC, 2022. 247p. 3ed..

DRUMMOND, José Augusto. A Intervenção Política dos Oficiais Jovens. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

MAYNARD, Andreza Santos Cruz: A caserna em polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe. Recife, 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. Orientação Profa. Dra. Sílvia Cortez Silva.

PEREIRA FILHO, Cerivaldo. A Revolta Tenentista em Aracaju: as Visões de Ibarê Dantas e Andreza MaynardAracaju, 2012. Monografia (Especialização em Ensino de História) – Curso de Pós-Graduação em Ensino de História, Faculdade São Luís de França. Orientação da Profa. Msc. Andreza Santos Cruz Maynard. Aracaju, outubro de 2012.

Sumário de A caserna em polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe

  • Introdução
  • 1. Sonhando com o mundo real: antecedentes da Revolta de 13 de julho
  • 2. Um mundo ao alcance das mãos: desdobramentos do levante militar em Aracaju e no interior
  • 3. “Dois mil cangaceiros de mentira”: os últimos dias da revolta em Sergipe
  • Conclusão
  • Referências e bibliografia

Resenhista

José Ibarê Costa Dantas é mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe de 2003 a 2010, foi agraciado com os títulos de Professor Emérito (2002) e de Doutor Honoris Causa (2010). Foi professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Ciências Sociais da UFS e possui mais de uma dezena de livros publicados, entre os quais destacam-se: O Tenentismo em Sergipe, A Tutela Militar em Sergipe (1964/1984): Partidos e Eleições num Estado Autoritário, e História de Sergipe: República (1889/2000). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/7744681582778233; ID ORCID: https://orcid.org/0009-0009-2839-8886; E-mail: ibaredantas@gmail.com.

 


Para citar esta resenha

MAYNARD, Andreza Santos Cruz: A caserna em polvorosa: A Revolta de 1924 em Sergipe. Recife, 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. (Orientação Profa. Dra. Sílvia Cortez Silva); PEREIRA FILHO, Cerivaldo. A Revolta Tenentista em Aracaju: as Visões de Ibarê Dantas e Andreza MaynardAracaju, 2012. Monografia (Especialização em Ensino de História) – Curso de Pós-Graduação em Ensino de História, Faculdade São Luís de França. (Orientação da Profª. Msc. Andreza Santos Cruz Maynard). Resenha de: DANTAS, Ibarê. Versões contestadas. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.18, jul./ago., 2024. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/versoes-contestadas-ibare-dantas-ufs-replica-declaracoes-de-andreza-maynard-ufs-cerivaldo-pereira-filho-fsl-sobre-o-seu-livro-o-tenentismo/>.

 


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n. 18, jul./ago., 2023 | ISSN 2764-2666

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