Ser brasileiro – Resenha de Amintas Henrique da Silva Ramos (UFS) sobre o livro “Identidade Nacional Brasileira: história e historiografia”, organizado por Luis Fernando Tosta Barbato
Resumo: A obra Identidade Nacional Brasileira: História e Historiografia reúne nove artigos sobre a identidade nacional, destacando sua complexidade e incompletude. Apesar de elogiada pela abordagem original, é criticada pela limitação teórico-conceitual. Os capítulos, embora diversos em temas e tempos, convergem na discussão sobre a questão identitária.
Palavras-chave: identidade nacional; historiografia; historiografia brasileira
Publicada em 2016, pela editora Paco Editorial, a obra Identidade Nacional Brasileira: história e historiografia é uma coletânea organizada por Luis Fernando Tosta Barbato que reúne textos de dez autores com a finalidade de contribuir para uma melhor compreensão da discussão que envolve a nação e a identidade nacional brasileiras.
Luis Fernando Tosta Barbato é historiador, com mestrado e doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Seus principais objetos de estudo são a questão da formação da identidade nacional brasileira, as relações entre homem e natureza na história do Brasil, e a historiografia brasileira do século XIX. Atualmente é professor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), onde desenvolve pesquisas sobre a integração da disciplina de História e das disciplinas do Ensino Técnico. O autor reuniu nove textos, e os organizou em nove capítulos. Os textos de cada um desses capítulos estão dispersos temporalmente entre si e possuem temáticas distintas, estando todos, contudo, ligados pelo tema da identidade nacional, que podem ser descritas por meio de duas questões que perpassam a obra: quando e sob qual instituição historiográfica essa identidade nacional foi abordada; e, qual(is) a(s) definição(ões) teórica(s) desta identidade nacional.
Tratando da relação historiografia e identidade nacional, o livro declara que, na primeira metade do século XIX, o projeto de construção de uma identidade nacional brasileira, segundo a obra, contou com a imprensa para desenvolver uma cultura própria (alinhada aos moldes europeus) e instruir os “homens de letras” para que estes contribuíssem para o progresso da nação.
Na segunda metade do século, apontou-se o papel de destaque desempenhado por Varnhagen no IHGB, em cuja revista publicou sua obra História Geral do Brasil que, sob a matriz civilizatória europeia, deu os contornos de uma identidade nacional afastada da contribuição efetiva dos índios e dos negros. As revistas do IHGB e a Revue des Deux Mondes também serviram ao propósito de construir essa identidade nacional brasileira a partir da centralidade dada aos portugueses e à sua superioridade civilizacional.
Ainda nesse período, a partir de 1865, o livro aduz como a criação dos corpos dos Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai serviu ao propósito de construção dessa identidadeque, baseada na oposição ao estrangeiro, era o inimigo comum, teve seu tom nacionalista, heroico e romântico.
Sobre o início da República, a obra discorre a respeito do negro como objeto de eugenia ou branqueamento, alvo de mestiçagem e de necropolítica por parte do Estado Brasileiro. Tal questão, também foi pontuada na obra O Presidente Negro, de Monteiro Lobato, que evidenciou a proposta de uma identidade brasileira civilizada aos moldes norte-americanos e europeus, segregando, para isso, os negros, caipiras, prostitutas e os pobres, responsáveis pelo atraso nacional. Apesar disso, em meados do século XX, o movimento negro pauta sua cultura como elemento da identidade nacional e consegue emplacar a lei 10.639.
Ainda sobre a Primeira República, a obra aborda como as doenças que acometiam o homem do interior do Brasil eram consideradas responsáveis por sua degeneração. Assim, a saúde do homem rural contribuiria para uma vida de vigor físico e capacidade produtiva, o que o transformaria, portanto, num homem civilizado e útil para o desenvolvimento e o progresso da nação brasileira e do grande projeto de construção nacional.
A partir da década de 1930, com a possibilidade do retorno do ensino religioso no Brasil (Decreto nº 19.941/31), o livro relata que a militância católica se organizou para retomar sua influência política e social. Nesse processo, difundiu valores morais e éticos católicos e conjuntos de costumes e práticas religiosas, apresentados como tradições nacionais, capazes de fortalecer a identidade brasileira e garantir a unidade nacional.
Por fim, tomou-se dois momentos distintos em que se buscou acessar os “sentidos identitários” do público. Em 1960, a nova capital do Brasil foi, tratada pela mídia (Revista O Cruzeiro) como sendo a representação do ser brasileiro: forte, moderno e futurista. Depois, em 2009/2010, durante a participação brasileira no cenário internacional na questão da crise política de Honduras, mostra como foram mobilizados aspectos da emocionalidade da identidade nacional pela Revista Veja para desacreditar posições sociais discordantes da participação brasileira nessas questões.
No que diz respeito aos atributos e à definição de identidade nacional, o livro emprega categoria (identidade nacional) de Edgar Decca, traduzida como “um conjunto de símbolos e valores a partir dos quais se opera a identificação” (p. 6-7) de um determinado povo com sua nação.
Um outro conceito utilizado foi o de identidade nacional católica de Flávio Ruckstadter e Oriomar Skalinski Junior, consistindo em elementos culturais católicos potencialmente comuns à sociedade brasileira capazes de gerar identificação entre os diferentes setores da população.
Expendidos os principais traços estruturais da obra, resta-nos destacar que a obra apresenta certas limitações que afetam sua profundidade e alcance. É deficiente ao formular próprio objetivo de modo claro e especificado. A obra falha por não delinear de maneira precisa e concisa seu propósito. Diz apenas que o que se busca é ajudar os interessados a compreender melhor a questão da identidade nacional e contribuir para ficar mais clara (p.8) sem, contudo, evidenciar o que significa “compreender melhor” ou tornar “mais clara” a questão. Neste ponto a obra nega sua natureza acadêmica. Sem um objetivo bem definido, escamoteia-se a verificação do seu atendimento enquanto a obra perde sua direção e sua capacidade de fornecer contribuições relevantes para o pesquisador do tema.
Outro destaque negativo diz respeito à sua pobreza teórico-conceitual. A ausência de um fundamento sólido e a falta de um conceito de identidade nacional que fosse válido para toda a obra ou mesmo de conceitos distintos a serem usados em cada artigo, comprometem a credibilidade e a relevância da obra. Um dos conceitos foi anunciado no prefácio (p. 6-7), não sendo utilizado por nenhum dos nove artigos do livro; o outro conceito foi apresentado no capítulo 7 (p. 169/170), mas sem qualquer sustentação teórica e nem reflexo nos demais textos.
Essa pobreza conceitual se expressa no fato da obra não abordar diretamente o que significa ser brasileiro, não fazer qualquer menção a quais seriam as características compartilhadas coletivamente, e, nem destacar quais elementos confeririam um sentimento de pertencimento de seus integrantes. Essas omissões limitam a capacidade do leitor de obter uma compreensão completa e coerente do tema, deixando lacunas importantes na discussão sobre a identidade nacional. A ausência de uma definição clara e de exemplos concretos das características comuns dos brasileiros enfraquece a obra, prejudicando seu potencial de fornecer análises mais profícuas e abrangentes sobre a temática.
Macula a obra também o fato de não explorar adequadamente um dos projetos de identidade nacional por ela introduzido. No capítulo 1, o autor apresentou a disputa havida no seio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) entre o projeto identitário nacional liderado por Varnhagen e o projeto defendido por Gonçalves de Magalhães, que se sagrou vencedor. Aconteceu que o projeto vencedor não foi explorado pelo autor. Tal lacuna compromete o próprio desenvolvimento textual e a compreensão de sua proposta. Além disso, ao não abordar o projeto romântico, essencial para uma reflexão mais ampla do tema, arrisca-se a qualidade acadêmica do texto.
É fator limitante da obra, ainda, o fato de no capítulo 2, o autor apresentar o projeto de identidade nacional que destacava o branco português e omitir o projeto identitário vencedor que destacava o indígena, ambos debatidos no IHGB. Tal silêncio sugere uma possível tendenciosidade na narrativa, deixando transparecer uma preferência ou inclinação do autor pelo projeto ideológico apresentado. Isso compromete a objetividade, imparcialidade e integridade esperadas do texto, podendo servir à desinformação ou a uma compreensão distorcida da realidade.
A apresentação de informações soltas é outro elemento negativo. No capítulo 3, o autor afirma que a imprensa (Revista Nitheroy e outros periódicos) serviria para europeizar o Brasil de modo que a civilização do país respeitasse as “peculiaridades brasileiras”, desenvolvesse uma “cultura própria” e reinterpretasse o modelo europeu de acordo com o “sistema cultural” e as “práticas sociais vigentes no Brasil” (p. 78), sem identificar quais são elas e nem fornecer exemplos concretos ou elementos tangíveis que as caracterizem. A ausência dessa identificação torna difícil para o leitor compreender e avaliar a validade desse argumento, além de limitar a consistência da argumentação.
Há deficiências de revisão também. A obra encerra erros gramaticais e/ou ortográficos, a exemplo do que se avista à página 41, comprometendo a seriedade e a credibilidade de uma obra pela falta de profissionalismo.
Não obstante estas imperfeições, a obra tem linguagem acessível e a estrutura de seus artigos permitem uma leitura fluida e esparsada, facilitando a compreensão do conteúdo.
A obra se agiganta em promover uma discussão da temática sob o viés pouco abordado. Ao tratar a temática da identidade nacional brasileira relacionando-a com a saúde do homem rural e a educação religiosa, por exemplo, a obra se destaca ao trilhar por territórios pouco explorados, contribuindo, por conseguinte, para o avanço do conhecimento e o estímulo da reflexão crítica sobre a temática.
Seu valor vai ainda mais além quando se propõe a abordar o tema sob múltiplas perspectivas. Ao explorar um mesmo tema sob nove perspectivas, a obra respeita a complexidade do assunto e incentiva o leitor a considerar diferentes aspectos e a explorar as nuances e interações entre os diversos elementos constituintes da identidade nacional brasileira.
Em síntese, considerando a ausência de objetivos claros, não podemos afirmar que ele os tenha cumprido a rigor. Contudo, consideramos que a obra é altamente recomendada tanto para acadêmicos, que podem extrair dela as diversas perspectivas sobre o tema e entrar em contato com aspectos pouco explorados, abrindo campo para novas pesquisas e interpretações, quanto para leitores não acadêmicos, que desejam obter uma visão geral e segura sobre a complexidade e as nuances da identidade nacional brasileira.
Sumár de Identidade Nacional Brasileira: história e historiografia
- Prefácio | Luís Fernando Tosta Barbato
- 1. “O operoso iniciador da historiografia brasileira”: as escritas de Francisco Adolfo de Varnhagen e o dilema da identidade na história da História do Brasil nas páginas da Revista do IHGB (1840-1878) | Renilson Rosa Ribeiro
- 2. Os portugueses no projeto de construção da nação do Rio de Janeiro imperial | Luís Fernando Tosta Barbato
- 3. A construção da nacionalidade: a primeira fase dos Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai | Vinícios Cranek Gagliardo
- 4. A saúde do homem rural e sua integração à identidade nacional na Primeira República | Ana Beatriz Ramos de Souza
- 5. Monteiro Lobato e Identidade Nacional: contrassensos | Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik
- 6. Alceu Amoroso Lima e a defesa da identidade nacional católica: a educação religiosa como marco e plataforma na década de 1930 | Débora Souza do Nascimento Morais
- 7. A população negra no projeto da identidade nacional brasileira: um olhar para sua história e sua educação | Oriomar Skalinsk Junior e Flávio Massami Martins Ruckstadter
- 8. Identidade nacional brasileira no jornalismo: quem somos e quem queremos ser? | Delton Aparecido Felipe
- 9. Identidade nacional brasileira no jornalismo: quem somos e quem queremos ser? | Ivan Bomfim
- Autores
Resenhista
Amintas Henrique da Silva Ramos é mestrando e licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, especialista em Didática do Ensino Superior, pela Faculdade Pio X, e professor de História na Rede Municipal de Tobias Barreto-SE. Publicou, entre outros trabalhos, Alfabetização estética e Ensino de História – Uma revisão da literatura em teses e dissertações. ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/5099861105221689; ID ORCID: https://orcid.org/0009-0005-9195-7725; E-mail: aminthashenrique@gmail.com.
Para citar esta resenha
BARBATO, Luis Fernando Tosta (org). Identidade Nacional Brasileira, história e historiografia. Jundiaí, Paco Editorial: 2016. 228p. Resenha de: RAMOS, Amintas Henrique da Silva. Ser brasileiro. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.18, jul./ago., 2024. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/ser-brasileiro-resenha-de-amintas-henrique-da-silva-ramos-ufs-sobre-o-livro-identidade-nacional-brasileira-historia-e-historiografia-organizado-por-luis-fernando-tosta-barbato/>.
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