“Pós-Abolição” em revistas brasileiras de História: revisão rápida da literatura (2005-2024) | Itamar Freitas (UFS)

Geraldo Magalhães e Alda Soares. Agentes do pós-abolição | Imagem: Fon-Fon, 20 de abril de 1912. p.36/Pereira (2023, p.260)

Resumo: Este artigo de revisão analisa títulos e resumos de artigos acadêmicos veiculados em revistas brasileiras de história, que tratam do “pós-abolição”, publicados no período 2005-2024. Empregando estratégias da análise do discurso e da Estatística descritiva, conclui que os autores priorizam as categorias “associativismo”, cidadania”, “trabalho” e “educação” em cominações binárias, com predominância da experiência sociocultural.

Palavras-chave: Pós-abolição; Revisão Rápida da Literatura (RRL); historiografia brasileira.


1. Introdução

Neste artigo, examinamos títulos e resumos de artigos acadêmicos publicados em revistas brasileiras com foco em História, veiculados entre 2005 e 2024. Nosso objetivo é dar a conhecer os objetos de pesquisa circunscritos ao domínio do “Pós-Abolição”, configurados na forma de categorias e agentes associados à expressão “pós-abolição” desde o título do trabalho.

Trata-se de uma “revisão rápida da literatura” (Rapid literature review – RLR) que “acelera o processo de condução de uma revisão sistemática tradicional por meio da simplificação ou omissão de uma variedade de métodos para produzir evidências de maneira eficiente em termos de recursos” (Smela et al, 2023, p.2). Este tipo de revisão nos auxilia a sugerir e a identificar tendências e pesquisas futuras (Zhao et al., 2022, p.16) no domínio acadêmico do Pós-Abolição. Aqui, a RLR de títulos e resumos de artigos acadêmicos apresenta um panorama da pesquisa secundária produzida sobre o citado domínio em pouco mais de uma centena de trabalhos, realizada em um reduzido lapso de 30 dias.

O artigo emerge como desdobramento do dossiê “Pós-Abolição e Relações Raciais no Brasil”, que reuniu resenhas de livros sobre racismo estrutural, branquitude e resistência histórica, publicadas na revista Crítica Historiográfica, em janeiro/fevereiro de 2024, organizadas por Petrônio Domingues. A iniciativa faz parte de uma série de levantamentos sistemáticos sobre a literatura produzida no campo, empreendida ao longo dos anos de 2024 e 2025.

Pensamos que as questões, perfis e respostas aqui oferecidas são úteis às correções de rota no coletivo de pesquisadores do referido domínio, bem como à formação de profissionais que atuam na construção de políticas públicas, no engajamento político e na preparação à docência da educação básica e superior.

Assim, além das protocolares “introduções”, “método” e “conclusão”, seis outras seções constituem este texto, enfocando: a identificação de fenômenos e agentes do pós-abolição, perfil dos fenômenos, perfil dos agentes, padrões de relação entre fenômenos e agentes, perfil das dimensões da experiência humana, indicadores de complexidade das dimensões da natureza humana envolvidas.

2. Método

Nesta revisão rápida, construímos um perfil da produção em revistas brasileiras de História, inventariadas no site Resenha Crítica, que totalizam 217 periódicos. Ele emerge da lacuna identificada na literatura produzida em termos de revisão sistemática, nos últimos dez anos. Consultadas bases de dados do Scielo, EBSCO, Google Acadêmico, e Portal de Periódicos da Capes, em maio de 2024, encontramos, respectivamente, 66, 70, 124 e 283 textos que incorporam o descritor “pós-abolição” nos metadados de artigos acadêmicos publicados em periódicos de vário escopo.

Os poucos trabalhos de revisão da literatura, na forma de “balanço de pesquisas”, “balanço historiográfico”, inventário e crítica da “historiografia” e “estado da arte” sobre o “pós-abolição” (experiências, contexto e período) se debruçam sobre específicos: o associativismo negro no pós-abolição (Silva; Xavier, 2019), a historiografia sobre cidadania no pós-abolição (Rocha, 2013), a historiografia sobre cidades, urbanização e relações étnico-raciais no pós-abolição (Oliveira; Oliveira; Vargas, 2023), a historiografia sobre o trabalho do negro (Silva, 2023), a historiografia “tradicional” que invisibiliza o negro (Lucindo; Rosa, 2023), e a história da historiografia atlântica do pós-abolição (Souza, 2020).

Os textos que se intitulam “balanço historiográfico” sobre o pós-abolição brasileiro (Rocha, 2013b) e “fundamentos do pensamento sociológico brasileiro” (Dias et al, 2024) não visam a exaustividade dos levantamentos que nos levem a uma compreensão geral do domínio (para além do interesse no objeto de ocasião), concentrando-se, principalmente, em livros, teses e dissertações.

Além disso, trabalhos significativos como “O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas” (Rios; Mattos, 2004) e História da escravidão e da liberdade no Brasil Meridional: guia bibliográfico (Xavier, 2007), apesar de estarem próximos da proposta ampla aqui empreendida referem-se, predominantemente, à literatura dos anos 70, 80, 90 do século passado e primeira metade dos anos 2000, incorporando diferentes gêneros textuais como fontes.

Fazendo movimento em outra direção, as nossas questões são mais gerais e abrangentes, concentradas em um único gênero textual. Elas focam no artigo de revista e interrogam: quantos e quais são os trabalhos que inserem “pós-abolição” no título ou subtítulo? Quantas e quais revistas de História publicam trabalhos selecionados sob este critério? Qual o perfil dos objetos de conhecimento em termos de categorias-fenômeno e nomes próprios-agentes? Qual é o perfil dos objetos do conhecimento no que se refere à topologia da experiência humana? Quais desdobramentos epistemológicos e políticos esses perfis podem sugerir para o domínio acadêmico “Pós-Abolição”?

O universo amostral da pesquisa é o conjunto de aproximadamente 30.000 artigos produzidos pelas 217 revistas de História ao longo dos últimos 40 anos. A amostra foi constituída a partir da seleção de artigos que apresentavam, em seu título ou subtítulo, os descritores “pós-abolição” e “pós-emancipação”. Ao todo, 107 textos foram recuperados, sendo três descartados por impossibilidade de acesso na internet. As unidades de leitura foram os títulos, subtítulos e resumos.

Em posse desse conjunto, submetemos os títulos, subtítulos e resumos a técnicas da Análise de Conteúdo “baseada em texto” (codificação, agrupamento e interpretação), que informa sobre a disponibilidade, a quantidade, tendências e gêneros dos textos para análises exploratórias de conhecimento das dimensões do domínio acadêmico (Krippendorff, 2029, p.384-385). Também empregamos estratégias da Estatística descritiva, que trata da identificação de frequências e correlações (Larson; Faber, 2015, p.36-47).

Para a estruturação dos dados, por fim, fizemos a transcrição de títulos e resumos na forma de registros (104 linhas), a transformação das questões e subquestões de pesquisa em campos (16 colunas) de planilha do software Access.

Uma última observação metodológica exige maior detalhe, aqui. Trata-se dos critérios que empregamos para selecionar focos, fenômenos e agentes na análise. De modo geral, seguindo a topologia clássica da experiência de ser humano, as coisas que o historiador manuseia como objetos do conhecimento (as que ele persegue como meta na pesquisa) estão circunscritas nos campos do pensamento, do sentimento e da ação. Dizendo de modo detalhado, as coisas são: 1. Conceitos – isolados ou relacionados na forma de expressões, pares ou princípios (pensamentos); 2. Conceitos isolados ou relacionados que expressam sentimentos na relação agir/sofrer; e 3. Conceitos isolados ou relacionados que expressam atos ou sofrimentos (nossos e dos outros) na forma de acontecimentos isolados ou articulados em sequência ou em paralelo, designados como processos.

Sintaticamente, em uma declaração que comunica os resultados de uma pesquisa, objetos do conhecimento são todos os elementos situados após o verbo. Considerando que os títulos de artigo acadêmico raramente incluem verbos, em geral e em termos ideais, todo o título – elemento responsável por comunicar sinteticamente o conteúdo do artigo – anuncia o objeto do conhecimento ou a coisa que se está a pesquisar e/ou a comunicar.

Esse objeto do conhecimento é apresentado em dois movimentos: 1. Anúncio do núcleo temático (um substantivo, por exemplo); e 2. Anúncio dos detalhamentos do núcleo temático (um aposto, por exemplo). Em geral, o núcleo temático constitui o título propriamente dito e o detalhamento constitui o subtítulo, separado por sinais gráficos como: dois pontos, um ponto, hífen ou vírgula.

Não havendo regras explícitas para a construção de títulos, nas humanidades, em geral, encontramos diferentes práticas de comunicação, a exemplo de: títulos sem subtítulos; títulos metafóricos autônomos; títulos metafóricos complementados por subtítulos realistas: e títulos e subtítulos realistas. Como identificar, então, o foco do objeto do conhecimento em questão?

Na pesquisa resultou neste artigo, buscamos por “nomes próprios” e “categorias” anunciadas no título e/ou no subtítulo. Os nomes próprios designam “estados de coisas do passado em sua ocorrência singular” e as “categorias”, que “não se referem diretamente a nenhum estado de coisas”, são aquelas que “estabelecem a qualidade histórica da mudança temporal dos estados de coisas” (Rüsen, 2007, p. 92-94). Consideremos os títulos abaixo:

A. “Esses intimoratos homens de coro: associativismo negro em Rio Claro (SP) no pós-abolição” (Domingues, 2011),

B. “O jogo político das lideranças do associativismo negro: alianças, conflitos e redes de proteção em Salvador na segunda metade do século XIX” (Campos, 2020).

C. “Mano Eloy e a Deixa Malhar: escolas de samba, associativismo e resistência negra organizada no pós-abolição” (Tavares, 2020).

Nesses exemplos, temos dois casos distintos de titulação. Em A e B, o título é metafórico e o subtítulo é realista. Em C, o título e o subtítulo são realistas. Nos três, contudo, é possível identificar as categorias. Em A, o indício de que “associativismo” é o foco aparece no uso das partículas indiciárias de contexto: “em” (Rio Claro) e “no” (pós-abolição”. Em B, o indício de que as categorias são “jogo político”, “alianças”, “conflitos” e “redes de proteção” está também no uso do “em” (Salvador) e do “na” (segunda metade do século XI). Em C, da mesma forma, a significação das categorias “associativismo” e “resistência” como foco da pesquisa está no qualificativo “negra organizada” e no indicador de contexto “no” (pós-abolição).

Com esses esclarecimentos, porém, ainda não encerramos a classificação porque em B há quatro categorias. Qual delas seria considerada o objeto a ser registrado? Considerando o contexto comunicativo, optamos por selecionar o metafórico “jogo político”, convertido no realista “relações políticas” porque ele sintetiza as categorias “alianças”, “conflitos” e “redes de proteção”, empregadas (no contexto) como detalhamento da categoria “relações políticas”. Essa atitude não é incontroversa, mas possibilita maior segurança na análise e fidelidade à expressão dos autores dos artigos.

Os demais conceitos em destaque são os detalhamentos que, em geral, aparecem na forma de seres, espaços, tempos e outras circunstâncias. Considerando que os espaços e tempos são variáveis fundamentais nas pesquisas de humanidades e, considerando ainda que eles, em geral, podem examinados em separado, privilegiamos os detalhamentos que comunicam a existência dos seres animados: pessoas, grupos de pessoas, instituições. Assim, em A, os seres são os “homens…negros”; em B são as “lideranças…negras” e em C são “Mano Eloy” e a escola de samba “Deixa Malhar”.

Foi dessa maneira que constituímos os tópicos que se seguem, tratando dos veiculadores da produção, dos fenômenos, dos agentes, da relação entre e intra fenômenos e agentes e dos níveis da experiência humana referidos. Somados a outros perfis de objetos e abordagens, este texto reitera a ideia de “Pós-abolição” sintetizada como domínio de pesquisa histórico-social que integra contextos do final do século XIX ao XXI, a fim de examinar a complexa transição do trabalho escravo ao trabalho livre, as reconfigurações de identidades e representações sociais, as continuidades e transformações das hierarquias raciais, bem como as dinâmicas políticas, culturais, econômicas e educacionais que moldam a trajetória das populações negras no Brasil. Um domínio que interroga a persistência de estruturas de desigualdade e as múltiplas formas de resistência, criação cultural e reorganização social que emergiram e se recriaram ao longo das décadas posteriores ao fim formal da escravidão.

3. Resultados

3.1. Os veiculadores da produção

As análises dos dados dos títulos, subtítulos e resumos dos artigos em revistas científicas destacam alguns padrões que merecem a atenção do pesquisador da área. A revista Aedos lidera em volume de publicações, com um total de 8 artigos, consolidando-se como a mais prolífica da amostra. Em seguida, a Revista Brasileira de História aparece com 7 artigos, seguida pelas revistas Canoa do Tempo e Revista Mundos do Trabalho, com 5 artigos cada, e os periódicos Ofícios de Clio e Revista Ágora que publicaram 4 artigos cada.

Além das líderes, várias outras revistas contribuíram com 3 artigos, como AcervoAfro-ÁsiaTempos HistóricosCrítica HistóricaEscrita da HistóriaEstudos Feministas e Intellèctus. Outros periódicos publicaram de 1 a 2 artigos.[i] No total, 56 periódicos brasileiros de História reservaram espaço para artigos intitulados com a categoria pós-abolição.

Em relação às tendências de publicações ao longo dos anos, observamos uma ampliação clara. Entre 2005 e 2013, as iniciativas eram esparsas, com até 3 artigos por ano. No entanto, entre 2015 e 2017, o volume começou a crescer, atingindo 6 artigos em 2017. O período entre 2018 e 2020 registrou um aumento significativo, com o ano de 2019 liderando com 17 artigos publicados e 2020 mantendo um alto volume com 14 artigos. De 2021 a 2024, o número de publicações estabilizou-se em um nível elevado, com destaque para 2024, que registrou 16 artigos.

Em termos de capilaridade da divulgação, constatamos que a maioria das publicações está concentrada nos estados do Rio de Janeiro (RJ) e do Rio Grande do Sul (RS), cada um representando aproximadamente 20% do total listado. Estes estados têm uma forte tradição acadêmica e instituições reconhecidas no domínio do pós-abolição.

Apesar de algumas contribuições de outros estados, como São Paulo (SP) e Bahia (BA), verificamos a baixa presença de publicações nas regiões Norte e Centro-Oeste. Apenas um ou dois estados destas áreas aparecem na lista.

3.2. Um perfil dos fenômenos

Com base nos 104 artigos analisados, a distribuição das categorias revela diferentes níveis de recorrência, destacando objetos centrais e áreas de menor abordagem. As categorias “Associativismo e Sociabilidade” agrupa temas como associativismo, cidadania e sociabilidade, explorando as organizações coletivas e as interações sociais. Com 8 artigos (7,6%), esta categoria reflete a importância das redes coletivas e das práticas associativas no período pós-abolição.

A categoria “Cidadania e Liberdade”, presente em 6 artigos (5,7%), engloba questões relacionadas à conquista de direitos, práticas de cidadania e experiências de liberdade. Ela destaca como os sujeitos históricos articularam suas vidas no contexto do pós-abolição. “Educação e Conhecimento” também está representada em 6 artigos (5,7%) e aborda a escolarização, as práticas educacionais e um meta-objeto: as metodologias de pesquisa. Isso reforça a centralidade da educação na mobilidade social e na construção de narrativas históricas.

“Trabalho e Condições Sociais”, outra categoria de destaque, aparece em 8 artigos (7,6%). Ela explora disputas laborais, condições de trabalho e as relações sociais no contexto do pós-abolição, indicando o peso das dinâmicas econômicas e sociais na formação das novas configurações sociais. Já “Hierarquias e Desigualdades”, com 4 artigos (3,8%), aborda as estruturas sociais e econômicas herdadas do sistema escravista, incluindo segregação racial e hierarquias no trabalho.

“Representações e Narrativas”, presente em 5 artigos (5%), discute as formas como os negros foram vistos em diferentes contextos, explorando narrativas culturais, educacionais e históricas. “Gênero e Raça” abrange as interseções entre gênero e raça, com ênfase na atuação e nas experiências das mulheres negras. Esta categoria aparece em 6 artigos (5,7%), sublinhando as dinâmicas de opressão e resistência.

“Mobilidade e Migração”, abordada em 2 artigos (2%), relaciona-se a deslocamentos geográficos e à mudança social das populações negras no pós-abolição, destacando as dinâmicas de integração e resistência em novos espaços. “Memória e Historiografia”, com 3 artigos (3%), focam na reconstrução e interpretação das narrativas históricas, destacando o papel da memória coletiva e das abordagens historiográficas.

A categoria “Violência e Repressão”, presente em 3 artigos (2,9%), explora práticas de controle social, repressão e violência que marcaram o período pós-abolição. Por fim, “Religião e Cultura”, abordada em 2 artigos (2%), analisa as práticas religiosas de matrizes africanas e as expressões culturais, enfatizando seu papel na construção de identidades e na resistência cultural.

Em síntese, as categorias mais representadas, como “Associativismo e Sociabilidade” e “Trabalho e Condições Sociais”, demonstram o peso das organizações coletivas e das relações laborais no contexto analisado. Por outro lado, categorias como “Mobilidade e Migração” e “Religião e Cultura” apresentam menor recorrência, indicando lacunas em áreas que poderiam ser mais exploradas. Esse panorama reflete um foco predominante nas dimensões sociais e políticas, mas aponta oportunidades para aprofundar outras temáticas ainda pouco estudadas.

3.3. Os padrões de relação entre fenômenos

Não apenas a substância dos fenômenos, mas também as formas como são relacionados podem oferecer traços diferenciadores do domínio, em termos epistemológicos. Os fenômenos associados com a partícula “e” podem ser classificados em três categorias principais, de acordo com o número de elementos conectados: dois, três ou quatro. Essa classificação reflete, assim, diferentes níveis de complexidade analítica e a abrangência temática dos estudos.

Os fenômenos compostos por dois elementos representam a maior proporção dos casos, estando presentes em 22 artigos (21%). Exemplos dessa categoria incluem “associativismo e cidadania”, “associativismo e resistência negra” e “hierarquias sociais e escravidão”. Esses fenômenos conectam dois aspectos, como práticas sociais (associativismo e cidadania) a estruturas institucionais ou culturais (hierarquias e escravidão). Sua frequência sugere, provavelmente, que análises binárias são preferidas devido à sua simplicidade e clareza, permitindo explorar conexões diretas entre os temas.

Já os fenômenos com três elementos aparecem em 5 artigos (4,8%). Exemplos incluem “concepções de cidadania, sociabilidade e formas de trabalho” e “educação, sociabilidade e mobilidade social”. Esses fenômenos refletem abordagens mais integradoras, que buscam compreender interseções entre múltiplas dimensões analíticas. A inclusão de um terceiro elemento permite maior complexidade nas análises, mas sua menor frequência indica que, provavelmente, essas abordagens podem demandar maior esforço metodológico ou ter menor aplicabilidade em estudos específicos.

Os fenômenos com quatro elementos são os mais raros, aparecendo em apenas um artigo. Um exemplo é “sociabilidade, mobilidade, inserção social e associativismo negro”, que demonstra uma análise abrangente e interseccional de múltiplas dimensões sociais e culturais. Esse fenômeno raro reflete um esforço significativo para integrar várias perspectivas em uma única análise, mas sua baixa frequência pode estar relacionada à especificidade do tema ou à dificuldade em abordar tantas dimensões de forma equilibrada. Pode, inclusive ser resultado de equívocos no planejamento da pesquisa.

É importante esclarecer que eventuais distanciamentos entre título comunicado e o desenvolvimento do corpo textual do artigo, podem anular essa complexidade indicada. Mesmo assim, a predominância de fenômenos binários não impede a conclusão de que análises mais focadas e diretas são preferidas na maioria dos estudos, em detrimento dos fenômenos mais complexos, com três ou quatro elementos.

Em termos substantivos, os fenômenos mais frequentes combinam dimensões práticas, como associativismo e cidadania, com dimensões estruturais, como hierarquias sociais. Já os fenômenos mais raros, de três ou quatro elementos, destacam interseções entre práticas sociais, mobilidade e representações culturais, oferecendo perspectivas que podem resultar em algum tipo de inovação. Esses padrões demonstram como diferentes níveis de complexidade são utilizados para abordar as questões sociais e políticas do período analisado.

3.4. Um perfil dos agentes

A análise revisada dos objetos do conhecimento revela uma forte predominância de estudos voltados para pessoas, com foco em experiências individuais e coletivas no contexto do pós-abolição.

Dentre os textos analisados, 16 artigos (15,5%) abordam figuras individuais, como o cantor negro Geraldo de Magalhães, o médico Diógenes Batista e professoras atuantes, destacando a importância de personalidades na reconstrução das narrativas históricas.

Ao centro, João Baptista da Silva (1858-1937). Membro de uma família de afrodescendentes em Porto Alegre, no pós-abolição | Imagem: Acervo particular de Cláudio batista de Souza/Zubaran; Costa (2018, p.599)

Ao centro, João Baptista da Silva (1858-1937). Membro de uma família de afrodescendentes em Porto Alegre, no pós-abolição | Imagem: Acervo particular de Cláudio batista de Souza/Zubaran; Costa (2018, p..599)

Além disso, 13 artigos (12,5%) analisam coletividades, como famílias negras, trabalhadores, irmandades e comunidades organizadas, ressaltando a atuação em redes de solidariedade e resistência.

Quanto ao gênero, os artigos voltados para mulheres somam 12 textos (11,5%), evidenciando a centralidade das experiências femininas, como trabalhadoras domésticas, mulheres libertas e lideranças negras. Por outro lado, apenas 4 artigos (3,8%) mencionam diretamente homens, como o vereador negro Gaspar José Soares e outros sujeitos atuantes em espaços políticos e de imprensa. A grande maioria dos registros, 88 artigos (84%), não especifica gênero, indicando um foco em temas mais amplos ou coletivos.

A categoria “Instituições, Documentos e Espaços” – outro termo para os incômodos “coisa” ou “seres inanimados” – contempla 7 artigos (6,7%) sobre instituições, como a imprensa negra e sociedades recreativas, destacando seu papel na organização social. Além disso, um artigo foca em fontes históricas, como registros civis. Temas mais amplos, como espaços e contextos sociais, aparecem em 3 artigos (2,9%), incluindo o campo do pós-abolição e políticas públicas.

No que se refere à identidade étnico-racial, os sujeitos negros dominam a análise, sendo mencionados em 23 artigos (22%). Exemplos incluem negros libertos, trabalhadores e populações afrodescendentes. Em contraste, apenas 1 artigo aborda os mestiços, evidenciando, talvez, a escassez de estudos sobre essa categoria. A grande maioria, 80 artigos (76,9%), não especifica características étnico-raciais, o que aponta, ao menos em títulos, para uma abordagem mais generalista.

A condição social e jurídica dos sujeitos analisados revela que 8 artigos (7,7%) abordam escravizados, como africanos escravizados e famílias escravas. Outros 4 artigos (3,8%) focam em libertos, como ex-escravizados e libertos organizados em coletividades. A maior parte dos artigos, 92 artigos (88,5%), menciona temas gerais, como trabalhadores negros e populações afrodescendentes, sem aprofundar a representação jurídica dos sujeitos.

Na dimensão de geração e ancestralidade, apenas 2 artigos (1,9%) mencionam diretamente nascidos na África, como os africanos orientais, enquanto 8 artigos (7,7%) tratam de descendentes de africanos, como afro-paranaenses e descendentes de escravos. Outros 2 artigos (1,9%) discutem escravizados, mostrando que a abordagem geracional ainda é limitada, com a ausência de registros sobre descendentes diretos de escravizados.

A análise por faixa etária e ciclo de vida mostra que as crianças são mencionadas em 2 artigos (1,9%), com foco em órfãos e alunos negros. Os adultos aparecem em 5 artigos (4,8%), especialmente como trabalhadores, professores e lideranças comunitárias. Não há menção direta a idosos, enquanto 97 artigos (93,3%) não especificam a faixa etária.

Em síntese, a análise dos agentes demonstra que os estudos têm um forte foco em pessoas, especialmente grupos negros, mulheres e figuras coletivas, com destaque para suas experiências sociais e culturais. Instituições e documentos surgem como elementos complementares, com uma contribuição mais restrita em comparação com os sujeitos humanos. Considerando títulos e resumos (é importante reiterar), a predominância de referências aos negros e a pouca ênfase em mestiços, idosos e crianças indicam lacunas importantes, sugerindo que futuras pesquisas podem ampliar o escopo geracional e jurídico, além de explorar novas dimensões da experiência humana.

3.5. Padrões de relação entre fenômenos e agentes

Conhecidos os perfis de fenômenos (focos-fenômeno) e de agentes (detalhamentos-agentes), constatamos padrões que refletem a interação entre os temas centrais dos estudos e os grupos, indivíduos ou coletividades envolvidas. Os fenômenos ligados ao associativismo e à sociabilidade, por exemplo, estão fortemente associados a agentes como negros, irmandades negras e figuras individuais. Casos como “Mano Eloy e a escola de samba Deixa Malhar” em “associativismo e resistência negra” (Tavares, 2020) ou negros barbadianos em “luta por moradia e trabalho” (Rocha, 2019) destacam o papel das redes sociais e culturais na organização coletiva pós-abolição.

Os fenômenos relacionados à educação e ao conhecimento estão conectados a agentes como alunos negros, professores e pobres urbanos. Um exemplo é “dos negros por meio da imprensa negra” em “escolarização” (Perussatto, 2022), que demonstra como práticas educacionais eram direcionadas para grupos marginalizados. Outro exemplo é “pobres urbanos de Salvador” em “escolarização e línguas” (Souza, 2017), indicando o impacto das desigualdades socioeconômicas na difusão do conhecimento. Essas relações mostram a centralidade da educação na mobilidade social e na construção de narrativas históricas.

Os fenômenos ligados ao trabalho e às condições sociais envolvem diversos agentes, como trabalhadores, trabalhadoras domésticas e órfãos, refletindo as condições materiais e hierarquias persistentes no pós-abolição. Exemplos incluem “escravos e libertos” em “trabalho, sociabilidade e liberdade” (Souza Martins, 2020) e “senhores brancos e descendentes de ex-escravizados” em “relações de trabalho” (Gonçalves, 2023). Esses exemplos destacam a exploração contínua e as relações de poder herdadas do sistema escravista.

No campo de gênero e raça, os fenômenos frequentemente se associam a mulheres negras, revelando dinâmicas interseccionais de opressão e resistência. Casos como “mulheres negras” em “trabalho doméstico e estupro” (Silveira, 2024) e “mulheres libertas, livres pobres” em “violência de gênero” (Santos, 2017) sublinham a importância de compreender a atuação dessas mulheres no contexto pós-abolição.

Os fenômenos relacionados a representações culturais e narrativas históricas conectam-se a grupos ou coletividades específicas, como “mestiços no romance de Jorge Amado” em “representações de dependência pessoal” (Machado; Barreiros, 2024) e “população preta e parda, livre e liberta” em “representações/cotidiano na imprensa” (Balhego, 2024). Essas associações refletem como narrativas históricas moldaram as percepções sociais sobre as populações negras e suas trajetórias.

Fenômenos de mobilidade e migração estão associados a agentes como ex-escravizados e descendentes e trabalhadores do açúcar, destacando os deslocamentos geográficos e as reorganizações sociais no período pós-abolição. Por outro lado, os fenômenos relacionados à violência e repressão frequentemente envolvem agentes como polícia, órfãos e trabalhadores, ilustrando as estratégias de controle social e exploração contínua.

No campo da memória e historiografia, os fenômenos destacam agentes como famílias e historiadores, evidenciando o esforço de reconstrução de narrativas históricas que preservem a memória das populações negras. Esses padrões gerais mostram que os agentes coletivos, como os negros e suas organizações, são centrais na interpretação dos fenômenos históricos. Além disso, figuras individuais simbolizam esforços mais amplos de resistência e organização.

As hierarquias sociais persistem como tema dominante em fenômenos relacionados ao trabalho e às condições sociais, frequentemente contrastando agentes marginalizados com elites ou mecanismos de repressão. Já os fenômenos de gênero e raça reforçam a interseção de opressões, destacando o papel das mulheres negras na luta contra múltiplas formas de exclusão. Esses padrões evidenciam a centralidade das relações sociais e culturais na reconstrução do período pós-abolição.

3.6. Um perfil das dimensões da experiência humana

Quando agrupamos as categorias-fenômenos por afinidades semânticas e as tipificamos entre as três topologias da experiência humana (pensar, sentir e agir), a análise dos padrões revelou a predominância de dimensões isoladas, com frequências significativas em relação às combinações de múltiplas dimensões. Entre as dimensões isoladas, a sociocultural aparece em 39 artigos (37,5%), tornando-se a mais explorada. Essa alta frequência sugere que os estudos têm grande interesse em práticas culturais, sociais e relações simbólicas no período pós-abolição. A dimensão sociopolítica surge em 16 artigos (15,4%), refletindo análises voltadas para dinâmicas de poder, cidadania e organização política. Já a dimensão socioeconômica, presente em 12 artigos (11,5%), indica interesse em condições materiais e econômicas das populações analisadas.

No caso das combinações entre duas dimensões, as iniciativas são quantitativamente equilibradas. Propostas que conectam sociocultural/sociocultural, por exemplo, aparecem em 4 artigos (3,8%) e a sociocultural/sociopolítico está presente em 5 artigos (4,8%). A combinação sociopolítico/sociocultural aparece em 6 artigos (5,7%), enquanto sociopolítico/socioeconômico, é frequente em 4 artigos (3,8%). As combinações entre socioeconômico/sociocultural e socioeconômico/sociopolítico, cada uma com 2 artigos (1,92%) são apresentadas. Essas combinações binárias permitem uma análise mais rica e integrada, sem perder a clareza investigativa.

Os artigos que combinam três dimensões são significativamente mais raros, refletindo abordagens possivelmente inovadoras, mas metodologicamente exigentes. As combinações sociocultural/sociocultural/sociopolítico, socioeconômico/sociopolítico/sociocultural, sociopolítico/sociopolítico/socioeconômico e sociopolítico/sociopolítico/sociopolítico também aparecem com 1 artigo cada. Esses artigos sugerem que análises interseccionais mais abrangentes, embora menos frequentes, estão sendo desenvolvidas.

Esses dados indicam que a maioria dos estudos adota abordagens de complexidade moderada, focando em relações entre duas dimensões para explorar interseções importantes sem perder o foco investigativo. As análises que integram três dimensões, embora raras, representam um esforço para capturar a interseção de práticas culturais, dinâmicas de poder e condições econômicas. Isso reflete, em tese, uma tentativa de abordar fenômenos mais amplos e interseccionais, com maior profundidade analítica.

A predominância das dimensões sociocultural e sociopolítico, tanto nas relações duplas quanto triplas, revela a ênfase dos estudos em práticas culturais e cidadania. Contudo, a dimensão socioeconômica é menos integrada, sugerindo que as condições materiais ainda ocupam um papel secundário em muitas análises ou que deixaram de ocupar um possível papel principal. Esses padrões apontam para a necessidade de expandir o uso de abordagens interseccionais que integrem mais consistentemente dimensões econômicas, culturais e políticas, enriquecendo a compreensão de fenômenos complexos no período pós-abolição.

Conclusões

Neste texto, tentamos contribuir para a compreensão do foco e do escopo do campo de estudos do pós-abolição. Na análise, de mais de 100 artigos publicados ao longo de duas décadas, evidenciamos padrões, lacunas e tendências e oferecemos percepções tanto para a academia quanto para aplicações práticas.

Em primeiro lugar, informamos que as revistas Aedos e a Revista Brasileira de História destacaram-se como veículos centrais, enquanto outras, como a Canoa do Tempo e a Revista Mundos do Trabalho, também tiveram participações relevantes.tes. A diversificação editorial e a estabilização de publicações a partir de 2018, entre outras razões que merecem aprofundamento, refletem um crescente interesse acadêmico. Este aumento sugere não apenas o amadurecimento do tema, mas também mudanças estruturais, como a ampliação de chamadas editoriais e redes de colaboração acadêmica.

Também declaramos que os artigos analisados revelam um foco significativo em categorias como “associativismo”, “cidadania”, “trabalho” e “educação”, indicando que os pesquisadores priorizam explorar experiências sociais e práticas coletivas, alinhadas, inclusive, com demandas dos movimentos sociais. As categorias mais representadas incluem “associativismo e sociabilidade” e “trabalho e condições sociais”, refletindo como o pós-abolição foi estruturado em torno de redes coletivas e relações laborais. Quanto aos agentes, há predominância de coletividades e grupos negros, enquanto instituições, espaços e documentos surgem como elementos de apoio, destacando a centralidade das ações humanas na narrativa histórica.

As relações entre fenômenos utilizam frequentemente a partícula “e”, conectando aspectos como associativismo e cidadania ou trabalho e repressão policial, com maior prevalência de análises binárias. As combinações de dois fenômenos são as mais frequentes (21%), refletindo análises focadas e diretas, enquanto combinações de três e quatro fenômenos são mais raras, sugerindo maior complexidade metodológica. As análises que incluem múltiplas dimensões revelam maior profundidade ao explorar interseções entre práticas culturais, condições materiais e dinâmicas de poder, principalmente quando o gênero perseguido é a síntese histórica de públicos mais abrangentes.

Verificamos também que a dimensão sociocultural aparece em quase 40% dos títulos de artigos, destacando a centralidade das práticas culturais e das narrativas simbólicas. Em seguida, as dimensões sociopolítica e socioeconômica demonstram interesse em cidadania e condições materiais, embora com menor frequência. Combinações de dimensões, como sociocultural/sociopolítica, são comuns em análises interseccionais, enquanto as que incluem três dimensões são mais raras, mas oferecem um olhar inovador sobre fenômenos amplos e interconectados.

Em termos de complexidade, percebemos que a maioria dos padrões identificados indicam abordagens de complexidade moderada, concentrando-se em relações entre duas dimensões. No entanto, artigos que exploram três dimensões, como sociocultural/sociopolítica/socioeconômico, refletem um esforço crescente para capturar a interseção entre práticas culturais, dinâmicas de poder e condições materiais.

As análises demonstram que os estudos sobre o pós-abolição têm uma forte ênfase em coletividades negras, mulheres e práticas associativas, com menor atenção a indivíduos mestiços, idosos e crianças. A lacuna na exploração de dimensões socioeconômicas, em comparação com as socioculturais e sociopolíticas, sugere a necessidade de ampliar o escopo analítico para integrar mais consistentemente aspectos materiais das experiências humanas.

Essas constatações sobre perfis e relações entre perfis sugerem que as mudanças recentes na prática historiográfica nacional – o avanço do viés culturalista e o recuo economicista –, associadas em graus diversos às demandas e vitórias políticas dos movimentos sociais – negros e mulheres – e à ampliação do número de pesquisadores negros nas universidades públicas, nos últimos 20 anos podem explicar esses padrões em pesquisas futuras.

Uma limitação importante desta revisão rápida é a dependência exclusiva de títulos e resumos como unidades de leitura e análise. Embora títulos e resumos sejam elaborados para sintetizar os principais conteúdos e objetivos de um artigo acadêmico, é possível que eles não capturem de modo efetivo a complexidade ou o alcance das discussões presentes no corpo do texto. Essa abordagem pode levar a interpretações incompletas ou enviesadas, especialmente nos casos em que os títulos empregam metáforas, que estão acompanhados de subtítulos ambíguos, e em resumos que priorizam determinados aspectos em detrimento de outros..

Além disso, as distâncias entre o conteúdo do resumo e o corpo do artigo podem ser significativas, dependendo da intencionalidade dos autores e das diretrizes editoriais das revistas. Por exemplo, enquanto os resumos tendem a destacar resultados principais e contribuições centrais, eles frequentemente omitem nuances metodológicas ou detalhes contextuais básicos para uma compreensão mais profunda. Essa lacuna é ainda mais desafiadora em estudos complexos, que integram múltiplas dimensões analíticas ou interseccionais.

Ainda assim, não obstante as possíveis distâncias já flagradas neste texto, entre títulos e resumos, e as eventuais lacunas detectáveis entre resumos e elementos do corpo textual dos artigos, este trabalho oferece um panorama útil para pesquisadores, professores e formuladores de políticas públicas. Ele fornece um mapeamento inicial do estado da arte no campo do pós-abolição, identifica tendências e lacunas temáticas, e aponta caminhos para futuras investigações no domínio do pós-abolição, quando observada a produção no gênero textual artigo, veiculada em revistas focadas na ciência da História.

Notas

[1] Almanack, Anos 90, APCBH, Dimensões, Escritas do Tempo, Estudos Históricos, Faces da História, Faces de Clio, História e Diversidade, História em Reflexão, História em Revista, História Oral, História Social, História Unisinos, História, Histórias, Historiador, Horizontes Históricos, Maracanan, Passagens, Politeia – História e Sociedade, Revista Brasileira de História da Educação, Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica, Revista de Fontes, Revista de História, Revista de História e Historiografia da Educação, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Revista Eletrônica da ANPHLAC, Revista Escrita da História, Revista História e Culturas, Revista Historiar, Revista Hydra, Revista Latino-Americana de História, Revista Maracanan, Revista Outrora, Revista Perspectiva Histórica, Revista Santa Catarina em História, Revista TEL, Revista TransVersos, Sankofa, Temporalidades, Topoi, TransVersos, e Veredas da História.

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Autor

Itamar FreitasItamar Freitas é doutor em História (UFRGS) e em Educação (PUC-SP), professor do Departamento de Educação e do Mestrado Profissional em História, da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e editor do blog Resenha Crítica. Publicou, entre outros trabalhos, Uma introdução ao método histórico (2021) e “Objetividade histórica no Manual de Teoria da História de Roberto Pirgibe da Fonseca” (1903-1986) (2021). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/5606084251637102. ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0605-7214. Email: itamarfreitasufs@gmail.com.


Para citar este artigo

FREITAS, Itamar. “Pós-Abolição” em revistas brasileiras de História: revisão rápida da literatura (2005-2024). Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.18, jul./ago, 2024. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/pos-abolicao-em-revistas-brasileiras-de-historia-revisao-rapida-da-literatura-2005-2024-itamar-freitas-ufs/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n. 16, mar./abr., 2024 | ISSN 2764-2666

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“Pós-Abolição” em revistas brasileiras de História: revisão rápida da literatura (2005-2024) | Itamar Freitas (UFS)

Geraldo Magalhães e Alda Soares. Agentes do pós-abolição | Imagem: Fon-Fon, 20 de abril de 1912. p.36/Pereira (2023, p.260)

Resumo: Este artigo de revisão analisa títulos e resumos de artigos acadêmicos veiculados em revistas brasileiras de história, que tratam do “pós-abolição”, publicados no período 2005-2024. Empregando estratégias da análise do discurso e da Estatística descritiva, conclui que os autores priorizam as categorias “associativismo”, cidadania”, “trabalho” e “educação” em cominações binárias, com predominância da experiência sociocultural.

Palavras-chave: Pós-abolição; Revisão Rápida da Literatura (RRL); historiografia brasileira.


1. Introdução

Neste artigo, examinamos títulos e resumos de artigos acadêmicos publicados em revistas brasileiras com foco em História, veiculados entre 2005 e 2024. Nosso objetivo é dar a conhecer os objetos de pesquisa circunscritos ao domínio do “Pós-Abolição”, configurados na forma de categorias e agentes associados à expressão “pós-abolição” desde o título do trabalho.

Trata-se de uma “revisão rápida da literatura” (Rapid literature review – RLR) que “acelera o processo de condução de uma revisão sistemática tradicional por meio da simplificação ou omissão de uma variedade de métodos para produzir evidências de maneira eficiente em termos de recursos” (Smela et al, 2023, p.2). Este tipo de revisão nos auxilia a sugerir e a identificar tendências e pesquisas futuras (Zhao et al., 2022, p.16) no domínio acadêmico do Pós-Abolição. Aqui, a RLR de títulos e resumos de artigos acadêmicos apresenta um panorama da pesquisa secundária produzida sobre o citado domínio em pouco mais de uma centena de trabalhos, realizada em um reduzido lapso de 30 dias.

O artigo emerge como desdobramento do dossiê “Pós-Abolição e Relações Raciais no Brasil”, que reuniu resenhas de livros sobre racismo estrutural, branquitude e resistência histórica, publicadas na revista Crítica Historiográfica, em janeiro/fevereiro de 2024, organizadas por Petrônio Domingues. A iniciativa faz parte de uma série de levantamentos sistemáticos sobre a literatura produzida no campo, empreendida ao longo dos anos de 2024 e 2025.

Pensamos que as questões, perfis e respostas aqui oferecidas são úteis às correções de rota no coletivo de pesquisadores do referido domínio, bem como à formação de profissionais que atuam na construção de políticas públicas, no engajamento político e na preparação à docência da educação básica e superior.

Assim, além das protocolares “introduções”, “método” e “conclusão”, seis outras seções constituem este texto, enfocando: a identificação de fenômenos e agentes do pós-abolição, perfil dos fenômenos, perfil dos agentes, padrões de relação entre fenômenos e agentes, perfil das dimensões da experiência humana, indicadores de complexidade das dimensões da natureza humana envolvidas.

2. Método

Nesta revisão rápida, construímos um perfil da produção em revistas brasileiras de História, inventariadas no site Resenha Crítica, que totalizam 217 periódicos. Ele emerge da lacuna identificada na literatura produzida em termos de revisão sistemática, nos últimos dez anos. Consultadas bases de dados do Scielo, EBSCO, Google Acadêmico, e Portal de Periódicos da Capes, em maio de 2024, encontramos, respectivamente, 66, 70, 124 e 283 textos que incorporam o descritor “pós-abolição” nos metadados de artigos acadêmicos publicados em periódicos de vário escopo.

Os poucos trabalhos de revisão da literatura, na forma de “balanço de pesquisas”, “balanço historiográfico”, inventário e crítica da “historiografia” e “estado da arte” sobre o “pós-abolição” (experiências, contexto e período) se debruçam sobre específicos: o associativismo negro no pós-abolição (Silva; Xavier, 2019), a historiografia sobre cidadania no pós-abolição (Rocha, 2013), a historiografia sobre cidades, urbanização e relações étnico-raciais no pós-abolição (Oliveira; Oliveira; Vargas, 2023), a historiografia sobre o trabalho do negro (Silva, 2023), a historiografia “tradicional” que invisibiliza o negro (Lucindo; Rosa, 2023), e a história da historiografia atlântica do pós-abolição (Souza, 2020).

Os textos que se intitulam “balanço historiográfico” sobre o pós-abolição brasileiro (Rocha, 2013b) e “fundamentos do pensamento sociológico brasileiro” (Dias et al, 2024) não visam a exaustividade dos levantamentos que nos levem a uma compreensão geral do domínio (para além do interesse no objeto de ocasião), concentrando-se, principalmente, em livros, teses e dissertações.

Além disso, trabalhos significativos como “O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas” (Rios; Mattos, 2004) e História da escravidão e da liberdade no Brasil Meridional: guia bibliográfico (Xavier, 2007), apesar de estarem próximos da proposta ampla aqui empreendida referem-se, predominantemente, à literatura dos anos 70, 80, 90 do século passado e primeira metade dos anos 2000, incorporando diferentes gêneros textuais como fontes.

Fazendo movimento em outra direção, as nossas questões são mais gerais e abrangentes, concentradas em um único gênero textual. Elas focam no artigo de revista e interrogam: quantos e quais são os trabalhos que inserem “pós-abolição” no título ou subtítulo? Quantas e quais revistas de História publicam trabalhos selecionados sob este critério? Qual o perfil dos objetos de conhecimento em termos de categorias-fenômeno e nomes próprios-agentes? Qual é o perfil dos objetos do conhecimento no que se refere à topologia da experiência humana? Quais desdobramentos epistemológicos e políticos esses perfis podem sugerir para o domínio acadêmico “Pós-Abolição”?

O universo amostral da pesquisa é o conjunto de aproximadamente 30.000 artigos produzidos pelas 217 revistas de História ao longo dos últimos 40 anos. A amostra foi constituída a partir da seleção de artigos que apresentavam, em seu título ou subtítulo, os descritores “pós-abolição” e “pós-emancipação”. Ao todo, 107 textos foram recuperados, sendo três descartados por impossibilidade de acesso na internet. As unidades de leitura foram os títulos, subtítulos e resumos.

Em posse desse conjunto, submetemos os títulos, subtítulos e resumos a técnicas da Análise de Conteúdo “baseada em texto” (codificação, agrupamento e interpretação), que informa sobre a disponibilidade, a quantidade, tendências e gêneros dos textos para análises exploratórias de conhecimento das dimensões do domínio acadêmico (Krippendorff, 2029, p.384-385). Também empregamos estratégias da Estatística descritiva, que trata da identificação de frequências e correlações (Larson; Faber, 2015, p.36-47).

Para a estruturação dos dados, por fim, fizemos a transcrição de títulos e resumos na forma de registros (104 linhas), a transformação das questões e subquestões de pesquisa em campos (16 colunas) de planilha do software Access.

Uma última observação metodológica exige maior detalhe, aqui. Trata-se dos critérios que empregamos para selecionar focos, fenômenos e agentes na análise. De modo geral, seguindo a topologia clássica da experiência de ser humano, as coisas que o historiador manuseia como objetos do conhecimento (as que ele persegue como meta na pesquisa) estão circunscritas nos campos do pensamento, do sentimento e da ação. Dizendo de modo detalhado, as coisas são: 1. Conceitos – isolados ou relacionados na forma de expressões, pares ou princípios (pensamentos); 2. Conceitos isolados ou relacionados que expressam sentimentos na relação agir/sofrer; e 3. Conceitos isolados ou relacionados que expressam atos ou sofrimentos (nossos e dos outros) na forma de acontecimentos isolados ou articulados em sequência ou em paralelo, designados como processos.

Sintaticamente, em uma declaração que comunica os resultados de uma pesquisa, objetos do conhecimento são todos os elementos situados após o verbo. Considerando que os títulos de artigo acadêmico raramente incluem verbos, em geral e em termos ideais, todo o título – elemento responsável por comunicar sinteticamente o conteúdo do artigo – anuncia o objeto do conhecimento ou a coisa que se está a pesquisar e/ou a comunicar.

Esse objeto do conhecimento é apresentado em dois movimentos: 1. Anúncio do núcleo temático (um substantivo, por exemplo); e 2. Anúncio dos detalhamentos do núcleo temático (um aposto, por exemplo). Em geral, o núcleo temático constitui o título propriamente dito e o detalhamento constitui o subtítulo, separado por sinais gráficos como: dois pontos, um ponto, hífen ou vírgula.

Não havendo regras explícitas para a construção de títulos, nas humanidades, em geral, encontramos diferentes práticas de comunicação, a exemplo de: títulos sem subtítulos; títulos metafóricos autônomos; títulos metafóricos complementados por subtítulos realistas: e títulos e subtítulos realistas. Como identificar, então, o foco do objeto do conhecimento em questão?

Na pesquisa resultou neste artigo, buscamos por “nomes próprios” e “categorias” anunciadas no título e/ou no subtítulo. Os nomes próprios designam “estados de coisas do passado em sua ocorrência singular” e as “categorias”, que “não se referem diretamente a nenhum estado de coisas”, são aquelas que “estabelecem a qualidade histórica da mudança temporal dos estados de coisas” (Rüsen, 2007, p. 92-94). Consideremos os títulos abaixo:

A. “Esses intimoratos homens de coro: associativismo negro em Rio Claro (SP) no pós-abolição” (Domingues, 2011),

B. “O jogo político das lideranças do associativismo negro: alianças, conflitos e redes de proteção em Salvador na segunda metade do século XIX” (Campos, 2020).

C. “Mano Eloy e a Deixa Malhar: escolas de samba, associativismo e resistência negra organizada no pós-abolição” (Tavares, 2020).

Nesses exemplos, temos dois casos distintos de titulação. Em A e B, o título é metafórico e o subtítulo é realista. Em C, o título e o subtítulo são realistas. Nos três, contudo, é possível identificar as categorias. Em A, o indício de que “associativismo” é o foco aparece no uso das partículas indiciárias de contexto: “em” (Rio Claro) e “no” (pós-abolição”. Em B, o indício de que as categorias são “jogo político”, “alianças”, “conflitos” e “redes de proteção” está também no uso do “em” (Salvador) e do “na” (segunda metade do século XI). Em C, da mesma forma, a significação das categorias “associativismo” e “resistência” como foco da pesquisa está no qualificativo “negra organizada” e no indicador de contexto “no” (pós-abolição).

Com esses esclarecimentos, porém, ainda não encerramos a classificação porque em B há quatro categorias. Qual delas seria considerada o objeto a ser registrado? Considerando o contexto comunicativo, optamos por selecionar o metafórico “jogo político”, convertido no realista “relações políticas” porque ele sintetiza as categorias “alianças”, “conflitos” e “redes de proteção”, empregadas (no contexto) como detalhamento da categoria “relações políticas”. Essa atitude não é incontroversa, mas possibilita maior segurança na análise e fidelidade à expressão dos autores dos artigos.

Os demais conceitos em destaque são os detalhamentos que, em geral, aparecem na forma de seres, espaços, tempos e outras circunstâncias. Considerando que os espaços e tempos são variáveis fundamentais nas pesquisas de humanidades e, considerando ainda que eles, em geral, podem examinados em separado, privilegiamos os detalhamentos que comunicam a existência dos seres animados: pessoas, grupos de pessoas, instituições. Assim, em A, os seres são os “homens…negros”; em B são as “lideranças…negras” e em C são “Mano Eloy” e a escola de samba “Deixa Malhar”.

Foi dessa maneira que constituímos os tópicos que se seguem, tratando dos veiculadores da produção, dos fenômenos, dos agentes, da relação entre e intra fenômenos e agentes e dos níveis da experiência humana referidos. Somados a outros perfis de objetos e abordagens, este texto reitera a ideia de “Pós-abolição” sintetizada como domínio de pesquisa histórico-social que integra contextos do final do século XIX ao XXI, a fim de examinar a complexa transição do trabalho escravo ao trabalho livre, as reconfigurações de identidades e representações sociais, as continuidades e transformações das hierarquias raciais, bem como as dinâmicas políticas, culturais, econômicas e educacionais que moldam a trajetória das populações negras no Brasil. Um domínio que interroga a persistência de estruturas de desigualdade e as múltiplas formas de resistência, criação cultural e reorganização social que emergiram e se recriaram ao longo das décadas posteriores ao fim formal da escravidão.

3. Resultados

3.1. Os veiculadores da produção

As análises dos dados dos títulos, subtítulos e resumos dos artigos em revistas científicas destacam alguns padrões que merecem a atenção do pesquisador da área. A revista Aedos lidera em volume de publicações, com um total de 8 artigos, consolidando-se como a mais prolífica da amostra. Em seguida, a Revista Brasileira de História aparece com 7 artigos, seguida pelas revistas Canoa do Tempo e Revista Mundos do Trabalho, com 5 artigos cada, e os periódicos Ofícios de Clio e Revista Ágora que publicaram 4 artigos cada.

Além das líderes, várias outras revistas contribuíram com 3 artigos, como AcervoAfro-ÁsiaTempos HistóricosCrítica HistóricaEscrita da HistóriaEstudos Feministas e Intellèctus. Outros periódicos publicaram de 1 a 2 artigos.[i] No total, 56 periódicos brasileiros de História reservaram espaço para artigos intitulados com a categoria pós-abolição.

Em relação às tendências de publicações ao longo dos anos, observamos uma ampliação clara. Entre 2005 e 2013, as iniciativas eram esparsas, com até 3 artigos por ano. No entanto, entre 2015 e 2017, o volume começou a crescer, atingindo 6 artigos em 2017. O período entre 2018 e 2020 registrou um aumento significativo, com o ano de 2019 liderando com 17 artigos publicados e 2020 mantendo um alto volume com 14 artigos. De 2021 a 2024, o número de publicações estabilizou-se em um nível elevado, com destaque para 2024, que registrou 16 artigos.

Em termos de capilaridade da divulgação, constatamos que a maioria das publicações está concentrada nos estados do Rio de Janeiro (RJ) e do Rio Grande do Sul (RS), cada um representando aproximadamente 20% do total listado. Estes estados têm uma forte tradição acadêmica e instituições reconhecidas no domínio do pós-abolição.

Apesar de algumas contribuições de outros estados, como São Paulo (SP) e Bahia (BA), verificamos a baixa presença de publicações nas regiões Norte e Centro-Oeste. Apenas um ou dois estados destas áreas aparecem na lista.

3.2. Um perfil dos fenômenos

Com base nos 104 artigos analisados, a distribuição das categorias revela diferentes níveis de recorrência, destacando objetos centrais e áreas de menor abordagem. As categorias “Associativismo e Sociabilidade” agrupa temas como associativismo, cidadania e sociabilidade, explorando as organizações coletivas e as interações sociais. Com 8 artigos (7,6%), esta categoria reflete a importância das redes coletivas e das práticas associativas no período pós-abolição.

A categoria “Cidadania e Liberdade”, presente em 6 artigos (5,7%), engloba questões relacionadas à conquista de direitos, práticas de cidadania e experiências de liberdade. Ela destaca como os sujeitos históricos articularam suas vidas no contexto do pós-abolição. “Educação e Conhecimento” também está representada em 6 artigos (5,7%) e aborda a escolarização, as práticas educacionais e um meta-objeto: as metodologias de pesquisa. Isso reforça a centralidade da educação na mobilidade social e na construção de narrativas históricas.

“Trabalho e Condições Sociais”, outra categoria de destaque, aparece em 8 artigos (7,6%). Ela explora disputas laborais, condições de trabalho e as relações sociais no contexto do pós-abolição, indicando o peso das dinâmicas econômicas e sociais na formação das novas configurações sociais. Já “Hierarquias e Desigualdades”, com 4 artigos (3,8%), aborda as estruturas sociais e econômicas herdadas do sistema escravista, incluindo segregação racial e hierarquias no trabalho.

“Representações e Narrativas”, presente em 5 artigos (5%), discute as formas como os negros foram vistos em diferentes contextos, explorando narrativas culturais, educacionais e históricas. “Gênero e Raça” abrange as interseções entre gênero e raça, com ênfase na atuação e nas experiências das mulheres negras. Esta categoria aparece em 6 artigos (5,7%), sublinhando as dinâmicas de opressão e resistência.

“Mobilidade e Migração”, abordada em 2 artigos (2%), relaciona-se a deslocamentos geográficos e à mudança social das populações negras no pós-abolição, destacando as dinâmicas de integração e resistência em novos espaços. “Memória e Historiografia”, com 3 artigos (3%), focam na reconstrução e interpretação das narrativas históricas, destacando o papel da memória coletiva e das abordagens historiográficas.

A categoria “Violência e Repressão”, presente em 3 artigos (2,9%), explora práticas de controle social, repressão e violência que marcaram o período pós-abolição. Por fim, “Religião e Cultura”, abordada em 2 artigos (2%), analisa as práticas religiosas de matrizes africanas e as expressões culturais, enfatizando seu papel na construção de identidades e na resistência cultural.

Em síntese, as categorias mais representadas, como “Associativismo e Sociabilidade” e “Trabalho e Condições Sociais”, demonstram o peso das organizações coletivas e das relações laborais no contexto analisado. Por outro lado, categorias como “Mobilidade e Migração” e “Religião e Cultura” apresentam menor recorrência, indicando lacunas em áreas que poderiam ser mais exploradas. Esse panorama reflete um foco predominante nas dimensões sociais e políticas, mas aponta oportunidades para aprofundar outras temáticas ainda pouco estudadas.

3.3. Os padrões de relação entre fenômenos

Não apenas a substância dos fenômenos, mas também as formas como são relacionados podem oferecer traços diferenciadores do domínio, em termos epistemológicos. Os fenômenos associados com a partícula “e” podem ser classificados em três categorias principais, de acordo com o número de elementos conectados: dois, três ou quatro. Essa classificação reflete, assim, diferentes níveis de complexidade analítica e a abrangência temática dos estudos.

Os fenômenos compostos por dois elementos representam a maior proporção dos casos, estando presentes em 22 artigos (21%). Exemplos dessa categoria incluem “associativismo e cidadania”, “associativismo e resistência negra” e “hierarquias sociais e escravidão”. Esses fenômenos conectam dois aspectos, como práticas sociais (associativismo e cidadania) a estruturas institucionais ou culturais (hierarquias e escravidão). Sua frequência sugere, provavelmente, que análises binárias são preferidas devido à sua simplicidade e clareza, permitindo explorar conexões diretas entre os temas.

Já os fenômenos com três elementos aparecem em 5 artigos (4,8%). Exemplos incluem “concepções de cidadania, sociabilidade e formas de trabalho” e “educação, sociabilidade e mobilidade social”. Esses fenômenos refletem abordagens mais integradoras, que buscam compreender interseções entre múltiplas dimensões analíticas. A inclusão de um terceiro elemento permite maior complexidade nas análises, mas sua menor frequência indica que, provavelmente, essas abordagens podem demandar maior esforço metodológico ou ter menor aplicabilidade em estudos específicos.

Os fenômenos com quatro elementos são os mais raros, aparecendo em apenas um artigo. Um exemplo é “sociabilidade, mobilidade, inserção social e associativismo negro”, que demonstra uma análise abrangente e interseccional de múltiplas dimensões sociais e culturais. Esse fenômeno raro reflete um esforço significativo para integrar várias perspectivas em uma única análise, mas sua baixa frequência pode estar relacionada à especificidade do tema ou à dificuldade em abordar tantas dimensões de forma equilibrada. Pode, inclusive ser resultado de equívocos no planejamento da pesquisa.

É importante esclarecer que eventuais distanciamentos entre título comunicado e o desenvolvimento do corpo textual do artigo, podem anular essa complexidade indicada. Mesmo assim, a predominância de fenômenos binários não impede a conclusão de que análises mais focadas e diretas são preferidas na maioria dos estudos, em detrimento dos fenômenos mais complexos, com três ou quatro elementos.

Em termos substantivos, os fenômenos mais frequentes combinam dimensões práticas, como associativismo e cidadania, com dimensões estruturais, como hierarquias sociais. Já os fenômenos mais raros, de três ou quatro elementos, destacam interseções entre práticas sociais, mobilidade e representações culturais, oferecendo perspectivas que podem resultar em algum tipo de inovação. Esses padrões demonstram como diferentes níveis de complexidade são utilizados para abordar as questões sociais e políticas do período analisado.

3.4. Um perfil dos agentes

A análise revisada dos objetos do conhecimento revela uma forte predominância de estudos voltados para pessoas, com foco em experiências individuais e coletivas no contexto do pós-abolição.

Dentre os textos analisados, 16 artigos (15,5%) abordam figuras individuais, como o cantor negro Geraldo de Magalhães, o médico Diógenes Batista e professoras atuantes, destacando a importância de personalidades na reconstrução das narrativas históricas.

Ao centro, João Baptista da Silva (1858-1937). Membro de uma família de afrodescendentes em Porto Alegre, no pós-abolição | Imagem: Acervo particular de Cláudio batista de Souza/Zubaran; Costa (2018, p.599)

Ao centro, João Baptista da Silva (1858-1937). Membro de uma família de afrodescendentes em Porto Alegre, no pós-abolição | Imagem: Acervo particular de Cláudio batista de Souza/Zubaran; Costa (2018, p..599)

Além disso, 13 artigos (12,5%) analisam coletividades, como famílias negras, trabalhadores, irmandades e comunidades organizadas, ressaltando a atuação em redes de solidariedade e resistência.

Quanto ao gênero, os artigos voltados para mulheres somam 12 textos (11,5%), evidenciando a centralidade das experiências femininas, como trabalhadoras domésticas, mulheres libertas e lideranças negras. Por outro lado, apenas 4 artigos (3,8%) mencionam diretamente homens, como o vereador negro Gaspar José Soares e outros sujeitos atuantes em espaços políticos e de imprensa. A grande maioria dos registros, 88 artigos (84%), não especifica gênero, indicando um foco em temas mais amplos ou coletivos.

A categoria “Instituições, Documentos e Espaços” – outro termo para os incômodos “coisa” ou “seres inanimados” – contempla 7 artigos (6,7%) sobre instituições, como a imprensa negra e sociedades recreativas, destacando seu papel na organização social. Além disso, um artigo foca em fontes históricas, como registros civis. Temas mais amplos, como espaços e contextos sociais, aparecem em 3 artigos (2,9%), incluindo o campo do pós-abolição e políticas públicas.

No que se refere à identidade étnico-racial, os sujeitos negros dominam a análise, sendo mencionados em 23 artigos (22%). Exemplos incluem negros libertos, trabalhadores e populações afrodescendentes. Em contraste, apenas 1 artigo aborda os mestiços, evidenciando, talvez, a escassez de estudos sobre essa categoria. A grande maioria, 80 artigos (76,9%), não especifica características étnico-raciais, o que aponta, ao menos em títulos, para uma abordagem mais generalista.

A condição social e jurídica dos sujeitos analisados revela que 8 artigos (7,7%) abordam escravizados, como africanos escravizados e famílias escravas. Outros 4 artigos (3,8%) focam em libertos, como ex-escravizados e libertos organizados em coletividades. A maior parte dos artigos, 92 artigos (88,5%), menciona temas gerais, como trabalhadores negros e populações afrodescendentes, sem aprofundar a representação jurídica dos sujeitos.

Na dimensão de geração e ancestralidade, apenas 2 artigos (1,9%) mencionam diretamente nascidos na África, como os africanos orientais, enquanto 8 artigos (7,7%) tratam de descendentes de africanos, como afro-paranaenses e descendentes de escravos. Outros 2 artigos (1,9%) discutem escravizados, mostrando que a abordagem geracional ainda é limitada, com a ausência de registros sobre descendentes diretos de escravizados.

A análise por faixa etária e ciclo de vida mostra que as crianças são mencionadas em 2 artigos (1,9%), com foco em órfãos e alunos negros. Os adultos aparecem em 5 artigos (4,8%), especialmente como trabalhadores, professores e lideranças comunitárias. Não há menção direta a idosos, enquanto 97 artigos (93,3%) não especificam a faixa etária.

Em síntese, a análise dos agentes demonstra que os estudos têm um forte foco em pessoas, especialmente grupos negros, mulheres e figuras coletivas, com destaque para suas experiências sociais e culturais. Instituições e documentos surgem como elementos complementares, com uma contribuição mais restrita em comparação com os sujeitos humanos. Considerando títulos e resumos (é importante reiterar), a predominância de referências aos negros e a pouca ênfase em mestiços, idosos e crianças indicam lacunas importantes, sugerindo que futuras pesquisas podem ampliar o escopo geracional e jurídico, além de explorar novas dimensões da experiência humana.

3.5. Padrões de relação entre fenômenos e agentes

Conhecidos os perfis de fenômenos (focos-fenômeno) e de agentes (detalhamentos-agentes), constatamos padrões que refletem a interação entre os temas centrais dos estudos e os grupos, indivíduos ou coletividades envolvidas. Os fenômenos ligados ao associativismo e à sociabilidade, por exemplo, estão fortemente associados a agentes como negros, irmandades negras e figuras individuais. Casos como “Mano Eloy e a escola de samba Deixa Malhar” em “associativismo e resistência negra” (Tavares, 2020) ou negros barbadianos em “luta por moradia e trabalho” (Rocha, 2019) destacam o papel das redes sociais e culturais na organização coletiva pós-abolição.

Os fenômenos relacionados à educação e ao conhecimento estão conectados a agentes como alunos negros, professores e pobres urbanos. Um exemplo é “dos negros por meio da imprensa negra” em “escolarização” (Perussatto, 2022), que demonstra como práticas educacionais eram direcionadas para grupos marginalizados. Outro exemplo é “pobres urbanos de Salvador” em “escolarização e línguas” (Souza, 2017), indicando o impacto das desigualdades socioeconômicas na difusão do conhecimento. Essas relações mostram a centralidade da educação na mobilidade social e na construção de narrativas históricas.

Os fenômenos ligados ao trabalho e às condições sociais envolvem diversos agentes, como trabalhadores, trabalhadoras domésticas e órfãos, refletindo as condições materiais e hierarquias persistentes no pós-abolição. Exemplos incluem “escravos e libertos” em “trabalho, sociabilidade e liberdade” (Souza Martins, 2020) e “senhores brancos e descendentes de ex-escravizados” em “relações de trabalho” (Gonçalves, 2023). Esses exemplos destacam a exploração contínua e as relações de poder herdadas do sistema escravista.

No campo de gênero e raça, os fenômenos frequentemente se associam a mulheres negras, revelando dinâmicas interseccionais de opressão e resistência. Casos como “mulheres negras” em “trabalho doméstico e estupro” (Silveira, 2024) e “mulheres libertas, livres pobres” em “violência de gênero” (Santos, 2017) sublinham a importância de compreender a atuação dessas mulheres no contexto pós-abolição.

Os fenômenos relacionados a representações culturais e narrativas históricas conectam-se a grupos ou coletividades específicas, como “mestiços no romance de Jorge Amado” em “representações de dependência pessoal” (Machado; Barreiros, 2024) e “população preta e parda, livre e liberta” em “representações/cotidiano na imprensa” (Balhego, 2024). Essas associações refletem como narrativas históricas moldaram as percepções sociais sobre as populações negras e suas trajetórias.

Fenômenos de mobilidade e migração estão associados a agentes como ex-escravizados e descendentes e trabalhadores do açúcar, destacando os deslocamentos geográficos e as reorganizações sociais no período pós-abolição. Por outro lado, os fenômenos relacionados à violência e repressão frequentemente envolvem agentes como polícia, órfãos e trabalhadores, ilustrando as estratégias de controle social e exploração contínua.

No campo da memória e historiografia, os fenômenos destacam agentes como famílias e historiadores, evidenciando o esforço de reconstrução de narrativas históricas que preservem a memória das populações negras. Esses padrões gerais mostram que os agentes coletivos, como os negros e suas organizações, são centrais na interpretação dos fenômenos históricos. Além disso, figuras individuais simbolizam esforços mais amplos de resistência e organização.

As hierarquias sociais persistem como tema dominante em fenômenos relacionados ao trabalho e às condições sociais, frequentemente contrastando agentes marginalizados com elites ou mecanismos de repressão. Já os fenômenos de gênero e raça reforçam a interseção de opressões, destacando o papel das mulheres negras na luta contra múltiplas formas de exclusão. Esses padrões evidenciam a centralidade das relações sociais e culturais na reconstrução do período pós-abolição.

3.6. Um perfil das dimensões da experiência humana

Quando agrupamos as categorias-fenômenos por afinidades semânticas e as tipificamos entre as três topologias da experiência humana (pensar, sentir e agir), a análise dos padrões revelou a predominância de dimensões isoladas, com frequências significativas em relação às combinações de múltiplas dimensões. Entre as dimensões isoladas, a sociocultural aparece em 39 artigos (37,5%), tornando-se a mais explorada. Essa alta frequência sugere que os estudos têm grande interesse em práticas culturais, sociais e relações simbólicas no período pós-abolição. A dimensão sociopolítica surge em 16 artigos (15,4%), refletindo análises voltadas para dinâmicas de poder, cidadania e organização política. Já a dimensão socioeconômica, presente em 12 artigos (11,5%), indica interesse em condições materiais e econômicas das populações analisadas.

No caso das combinações entre duas dimensões, as iniciativas são quantitativamente equilibradas. Propostas que conectam sociocultural/sociocultural, por exemplo, aparecem em 4 artigos (3,8%) e a sociocultural/sociopolítico está presente em 5 artigos (4,8%). A combinação sociopolítico/sociocultural aparece em 6 artigos (5,7%), enquanto sociopolítico/socioeconômico, é frequente em 4 artigos (3,8%). As combinações entre socioeconômico/sociocultural e socioeconômico/sociopolítico, cada uma com 2 artigos (1,92%) são apresentadas. Essas combinações binárias permitem uma análise mais rica e integrada, sem perder a clareza investigativa.

Os artigos que combinam três dimensões são significativamente mais raros, refletindo abordagens possivelmente inovadoras, mas metodologicamente exigentes. As combinações sociocultural/sociocultural/sociopolítico, socioeconômico/sociopolítico/sociocultural, sociopolítico/sociopolítico/socioeconômico e sociopolítico/sociopolítico/sociopolítico também aparecem com 1 artigo cada. Esses artigos sugerem que análises interseccionais mais abrangentes, embora menos frequentes, estão sendo desenvolvidas.

Esses dados indicam que a maioria dos estudos adota abordagens de complexidade moderada, focando em relações entre duas dimensões para explorar interseções importantes sem perder o foco investigativo. As análises que integram três dimensões, embora raras, representam um esforço para capturar a interseção de práticas culturais, dinâmicas de poder e condições econômicas. Isso reflete, em tese, uma tentativa de abordar fenômenos mais amplos e interseccionais, com maior profundidade analítica.

A predominância das dimensões sociocultural e sociopolítico, tanto nas relações duplas quanto triplas, revela a ênfase dos estudos em práticas culturais e cidadania. Contudo, a dimensão socioeconômica é menos integrada, sugerindo que as condições materiais ainda ocupam um papel secundário em muitas análises ou que deixaram de ocupar um possível papel principal. Esses padrões apontam para a necessidade de expandir o uso de abordagens interseccionais que integrem mais consistentemente dimensões econômicas, culturais e políticas, enriquecendo a compreensão de fenômenos complexos no período pós-abolição.

Conclusões

Neste texto, tentamos contribuir para a compreensão do foco e do escopo do campo de estudos do pós-abolição. Na análise, de mais de 100 artigos publicados ao longo de duas décadas, evidenciamos padrões, lacunas e tendências e oferecemos percepções tanto para a academia quanto para aplicações práticas.

Em primeiro lugar, informamos que as revistas Aedos e a Revista Brasileira de História destacaram-se como veículos centrais, enquanto outras, como a Canoa do Tempo e a Revista Mundos do Trabalho, também tiveram participações relevantes.tes. A diversificação editorial e a estabilização de publicações a partir de 2018, entre outras razões que merecem aprofundamento, refletem um crescente interesse acadêmico. Este aumento sugere não apenas o amadurecimento do tema, mas também mudanças estruturais, como a ampliação de chamadas editoriais e redes de colaboração acadêmica.

Também declaramos que os artigos analisados revelam um foco significativo em categorias como “associativismo”, “cidadania”, “trabalho” e “educação”, indicando que os pesquisadores priorizam explorar experiências sociais e práticas coletivas, alinhadas, inclusive, com demandas dos movimentos sociais. As categorias mais representadas incluem “associativismo e sociabilidade” e “trabalho e condições sociais”, refletindo como o pós-abolição foi estruturado em torno de redes coletivas e relações laborais. Quanto aos agentes, há predominância de coletividades e grupos negros, enquanto instituições, espaços e documentos surgem como elementos de apoio, destacando a centralidade das ações humanas na narrativa histórica.

As relações entre fenômenos utilizam frequentemente a partícula “e”, conectando aspectos como associativismo e cidadania ou trabalho e repressão policial, com maior prevalência de análises binárias. As combinações de dois fenômenos são as mais frequentes (21%), refletindo análises focadas e diretas, enquanto combinações de três e quatro fenômenos são mais raras, sugerindo maior complexidade metodológica. As análises que incluem múltiplas dimensões revelam maior profundidade ao explorar interseções entre práticas culturais, condições materiais e dinâmicas de poder, principalmente quando o gênero perseguido é a síntese histórica de públicos mais abrangentes.

Verificamos também que a dimensão sociocultural aparece em quase 40% dos títulos de artigos, destacando a centralidade das práticas culturais e das narrativas simbólicas. Em seguida, as dimensões sociopolítica e socioeconômica demonstram interesse em cidadania e condições materiais, embora com menor frequência. Combinações de dimensões, como sociocultural/sociopolítica, são comuns em análises interseccionais, enquanto as que incluem três dimensões são mais raras, mas oferecem um olhar inovador sobre fenômenos amplos e interconectados.

Em termos de complexidade, percebemos que a maioria dos padrões identificados indicam abordagens de complexidade moderada, concentrando-se em relações entre duas dimensões. No entanto, artigos que exploram três dimensões, como sociocultural/sociopolítica/socioeconômico, refletem um esforço crescente para capturar a interseção entre práticas culturais, dinâmicas de poder e condições materiais.

As análises demonstram que os estudos sobre o pós-abolição têm uma forte ênfase em coletividades negras, mulheres e práticas associativas, com menor atenção a indivíduos mestiços, idosos e crianças. A lacuna na exploração de dimensões socioeconômicas, em comparação com as socioculturais e sociopolíticas, sugere a necessidade de ampliar o escopo analítico para integrar mais consistentemente aspectos materiais das experiências humanas.

Essas constatações sobre perfis e relações entre perfis sugerem que as mudanças recentes na prática historiográfica nacional – o avanço do viés culturalista e o recuo economicista –, associadas em graus diversos às demandas e vitórias políticas dos movimentos sociais – negros e mulheres – e à ampliação do número de pesquisadores negros nas universidades públicas, nos últimos 20 anos podem explicar esses padrões em pesquisas futuras.

Uma limitação importante desta revisão rápida é a dependência exclusiva de títulos e resumos como unidades de leitura e análise. Embora títulos e resumos sejam elaborados para sintetizar os principais conteúdos e objetivos de um artigo acadêmico, é possível que eles não capturem de modo efetivo a complexidade ou o alcance das discussões presentes no corpo do texto. Essa abordagem pode levar a interpretações incompletas ou enviesadas, especialmente nos casos em que os títulos empregam metáforas, que estão acompanhados de subtítulos ambíguos, e em resumos que priorizam determinados aspectos em detrimento de outros..

Além disso, as distâncias entre o conteúdo do resumo e o corpo do artigo podem ser significativas, dependendo da intencionalidade dos autores e das diretrizes editoriais das revistas. Por exemplo, enquanto os resumos tendem a destacar resultados principais e contribuições centrais, eles frequentemente omitem nuances metodológicas ou detalhes contextuais básicos para uma compreensão mais profunda. Essa lacuna é ainda mais desafiadora em estudos complexos, que integram múltiplas dimensões analíticas ou interseccionais.

Ainda assim, não obstante as possíveis distâncias já flagradas neste texto, entre títulos e resumos, e as eventuais lacunas detectáveis entre resumos e elementos do corpo textual dos artigos, este trabalho oferece um panorama útil para pesquisadores, professores e formuladores de políticas públicas. Ele fornece um mapeamento inicial do estado da arte no campo do pós-abolição, identifica tendências e lacunas temáticas, e aponta caminhos para futuras investigações no domínio do pós-abolição, quando observada a produção no gênero textual artigo, veiculada em revistas focadas na ciência da História.

Notas

[1] Almanack, Anos 90, APCBH, Dimensões, Escritas do Tempo, Estudos Históricos, Faces da História, Faces de Clio, História e Diversidade, História em Reflexão, História em Revista, História Oral, História Social, História Unisinos, História, Histórias, Historiador, Horizontes Históricos, Maracanan, Passagens, Politeia – História e Sociedade, Revista Brasileira de História da Educação, Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica, Revista de Fontes, Revista de História, Revista de História e Historiografia da Educação, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Revista Eletrônica da ANPHLAC, Revista Escrita da História, Revista História e Culturas, Revista Historiar, Revista Hydra, Revista Latino-Americana de História, Revista Maracanan, Revista Outrora, Revista Perspectiva Histórica, Revista Santa Catarina em História, Revista TEL, Revista TransVersos, Sankofa, Temporalidades, Topoi, TransVersos, e Veredas da História.

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Autor

Itamar FreitasItamar Freitas é doutor em História (UFRGS) e em Educação (PUC-SP), professor do Departamento de Educação e do Mestrado Profissional em História, da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e editor do blog Resenha Crítica. Publicou, entre outros trabalhos, Uma introdução ao método histórico (2021) e “Objetividade histórica no Manual de Teoria da História de Roberto Pirgibe da Fonseca” (1903-1986) (2021). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/5606084251637102. ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0605-7214. Email: itamarfreitasufs@gmail.com.


Para citar este artigo

FREITAS, Itamar. “Pós-Abolição” em revistas brasileiras de História: revisão rápida da literatura (2005-2024). Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.18, jul./ago, 2024. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/pos-abolicao-em-revistas-brasileiras-de-historia-revisao-rapida-da-literatura-2005-2024-itamar-freitas-ufs/>.


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Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n. 16, mar./abr., 2024 | ISSN 2764-2666

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