Algoritmos como ideologia – Resenha de Jane Semeão (URCA), sobre o livro Os engenheiros do caos, de Giuliano Da Empoli

Engenheiros do Caos, escrito por Giuliano Da Empoli, conta a história de quatro cientistas especializados em Big Data que dão suporte aos ideólogos de direita e extrema direita. Eles usam recursos de inteligência artificial para criar máquinas de comunicação que se opõem à democracia liberal. Os engenheiros em questão são Dominic Cummings, Steve Bannon, Milo Yiannopoulos e Arthur Finkelstein. Juntos, eles transformaram a prática carnavalesca antiga de fingir ser com intensões lúdicas em negar a realidade com a intenção de obter vantagens econômicas e políticas. O livro relata como esses profissionais criaram e/ou apoiaram uma “nova forma política moldada pela internet e pelas novas tecnologias” (p.24).

Publicado originalmente em francês em 2019, o livro foi traduzido para o português por Arnaldo Bloch e lançado no mesmo ano pela Editora Vestígio, em um momento em que a extrema direita estava crescendo no Brasil sob a liderança de Jair Bolsonaro, que é mencionado várias vezes. Seu autor, Giuliano Da Empoli, é um italiano formado em Ciência Política (Ciências Po) e tem experiência como administrador público e assessor de políticos italianos, como Francesco Rutelli e Matteo Renzi.

A estratégia narrativo-argumentativa do autor consiste em entremear dados sobre a formação profissional, crenças políticas, feitos, apoiadores, sucessos e fracassos de cada um dos “engenheiros”. O primeiro capítulo é exemplar nesse sentido, apresentando Steve Bannon como o “Trotsky da revolução populista, místico de ideólogo e homem de ação”, um servidor e parceiro de líderes direitistas como Donald Trump, Marine La Pen, Matteo Salvini e Viktor Orban. O autor narra os feitos de Bannon, como a criação da Internacional Socialista, as metas de seu movimento populista mundial e sua tentativa de instituir o governo dos técnicos e empresários ditos mais probos e competentes.

No segundo capítulo, Da Empoli relata que a união de habilidades e interesses econômicos entre o comediante Beppe Grillo e o especialista em marketing digital Gianroberto Casaleggio, um “John Lennon pós-moderno”, criou um partido político – o Movimento 5 Estrelas. A estratégia bem-sucedida é explicada passo a passo: 1. o comediante cria personagens e narrativas virais, baseadas nos dez principais comentários de seu blog, apresentando culpados e soluções de maneira simplista, com algoritmos constantemente aprimorados pelos feedbacks massivos dos seguidores; 2. convoca protestos públicos gigantescos e entra formalmente na política com um discurso antipolítico; 3. funda um movimento antipolítico e recruta futuros candidatos subordinados aos seus contratos (e não a um programa); 4. ocupa cadeiras no parlamento e no executivo, assumindo o controle de bancos de dados estatais para gerar cada vez mais algoritmos que sustentem suas conquistas financeiras.

No terceiro capítulo, o autor discute a natureza do “ódio” e explica como as redes sociais, a exemplo do Facebook, YouTube e Twitter, contribuem para a exacerbação da violência. Da Empoli afirma que os engenheiros do caos “perceberam […] que a raiva era uma fonte de energia colossal, e que era possível explorá-la para realizar qualquer objetivo, desde que se decifrassem os códigos e se dominasse a tecnologia” (p.50). O capítulo é concluído com uma citação direta e assustadoramente esclarecedora: “ ‘Descubra por que as pessoas estão com raiva, diga-lhes que a culpa é da Europa, vote e faça votar pelo Brexit’, foi assim que um dos engenheiros do caos resumiu a estratégia elementar e terrível de uma campanha referendaria que parecia fadada ao fracasso.” (p.53).

No quarto capítulo, o autor comenta o trabalho dos jornalistas Andrew Breitbart e Milo Yiannopoulos, ambos associados a Bannon. Breitbart defende a ideia de que a filosofia da Escola de Frankfurt teria minado os fundamentos da sociedade de consumo americana. Para combatê-la, ele usa as ferramentas da “guerrilha virtual”: encontrar informações, chamar a atenção, pautar a grande mídia (contra elas mesmas), ampliar cliques e formar opinião. Junto com Bannon, Breitbart fundou o site “Breitbart News”, que se dedica a denunciar escândalos envolvendo políticos liberais. Bannon também fundou o “Government Accountability Institute”, que lançou um dossiê contra o casal Clinton. Também associado a Bannon, Yiannopoulos mobiliza a “liberdade de expressão” como o valor principal na política e se assume como um troll. Para o autor, Millo (assim como Trump) “diz as coisas como elas são” e não tem tempo para o politicamente correto e para as discussões sobre banheiros transgênero e hortas orgânicas, enquanto as fábricas fecham e os empregos são transferidos para o México e o Extremo Oriente.” (p.67).

O quinto capítulo conta a história de Arthur Finkelstein, um assessor político que trabalhou para Viktor Urban e cuja lista de clientes inclui Richard Nixon, Ronald Reagan e Benjamin Netanyahu. Finkelstein desenvolveu um método de “análises demográficas” e pesquisas de boca de urna para as eleições primárias dos EUA, chamado microtargeting. Esse método consiste, principalmente, em identificar o inimigo, seguindo o modelo de Carl Schmitt (p.74), e destruir o adversário por meio de campanhas negativas, com slogans do tipo: “ele é liberal demais há muito tempo” (contra o adversário de Al D’Amato, Mario Cuomo) ou “ele não é um verdadeiro judeu” (contra o adversário de Bibi, Shimon Peres).

O último capítulo é dedicado ao engenheiro que ajudou a garantir a vitória do Brexit, Dominic Cummings. Dirigindo-se aos engenheiros de universidades da Califórnia e a empresa canadense AggregateIQ, Cummings teria sentenciado: “digam-me onde devo enviar meus voluntários, em quais portas devo bater, para quem devo enviar e-mails e mensagens nas redes sociais e quais conteúdos usar” (p.83). Esse princípio é baseado em princípios da Física: “o comportamento de cada molécula não é previsível, uma vez que ela é submetida a interações com uma infinidade de outras moléculas. O comportamento de um aglomerado, por outro lado, é previsível, pois através da observação do sistema é possível deduzir o comportamento médio.” (p.85). Assim, o Físico e Dados ganha protagonismo na política. Ele identifica e situa apoiadores, identifica os persuasivos e produz mensagens personalizadas.

Engenheiros do Caos é uma obra de leitura fluida e agradável, graças ao discurso direto, poucas citações literais, verbos no presente histórico, metáforas e pitadas bem-humoradas de ironia. A abertura dos capítulos com analogias extraídas do mundo das artes, filosofia ou literatura também contribui para o valor da obra, indicando certa sofisticação.

Dois outros atributos positivos da obra são destacáveis. O autor apresenta uma percepção realista da inclinação humana para concordar com mentiras e desprezar fatos, o que reflete na batalha inglória contra as “fake News” (p.15). Em termos práticos, para estudiosos e políticos profissionais liberais, o livro revela de maneira didática como os “engenheiros do caos” usam a “máquina de comunicação” em projetos que visam destruir variantes da democracia liberal.

No entanto, o livro apresenta algumas limitações. Falta-lhe uma introdução. O autor também usa indistintamente as categorias “fake news” e “teorias da conspiração”. Usa “nacional-populistas” e “populismo” sem definição clara, chegando ao oxímoro de referir-se ao “tecno populismo pós-ideológico” como um fenômeno “fundado não em ideias, mas em algoritmos” (p.25). O autor usa o “carnaval” como uma analogia libertária e atemporal diante de atitudes singulares, históricas e aleatórias do mesmo fenômeno. Por fim, lista diferentes perspectivas de explicação sobre a origem, natureza e os impactos sociais do ódio, sem crítica ou comparação entre as propostas. Da Empoli apenas as acumula.

Nesse passeio por divergentes perspectivas, o autor chega paroxismo de induzir o leitor a pensar a democracia como uma espécie de instinto (em corte evolucionista): trata-se de um “sistema que permite aos membros de uma comunidade exercer um controle sobre seu próprio destino, não se sentir à mercê dos eventos ou de uma força superior qualquer.” (p.99). Transferindo o argumento à realidade brasileira recente, isso explicaria o prazer dos “patriotas” do 8 de janeiro, em Brasília, em festejarem a tomada do poder em suas próprias mãos. Ocorre que esta hipótese não se harmoniza em sistema, por exemplo, com a natureza sectária das redes constituídas na Internet, o poder dos algoritmos, capacidade de se extrair lições da Física e da História. Ao longo do livro, esses e outros fatores parecem assumir isoladamente algum papel determinante no ataque à democracia representativa e liberal.

O livro cumpre bem os objetivos apresentados? Para sermos exatos, esta é uma questão aberta, considerando a ausência de apresentação de metas na introdução do livro. Da Empoli até que tenta não parecer pessimista quando afirma que “o objetivo” do escrito não é “negar a importância de respostas concretas” para a crise da democracia representativa. Ele sugere que a interpretação da crise “requer uma verdadeira mudança de paradigma” (p.100): se a realidade se modificou – de uma “política newtoniana” a uma “política quântica” –, afirma, é necessário que sejamos como John Maynard Keynes sugeriu: “heréticos, inoportunos e desobedientes aos olhos de todos aqueles que nos precederam”. O otimismo logo se esvai quando percebemos que a sua sugestão para os democratas nasce morta porque o próprio autor declara que a existência da política quântica já é o sinal da morte da política newtoniana.

Sumário de Os engenheiros do caos

  • Introdução
    1. Vale do Silício – do populismo
    2. A Netflix da política
    3. Waldo conquista o planeta
    4. Troll, o chefe
    5. Um estranho em Budapeste
  • Notas

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Resenhista

Jane Semeão – Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora do Departamento de História da Universidade Regional do Cariri (URCA) e editora do bolg Resenha Crítica. Um “oásis” chamado Cariri: Instituto Cultural do Cariri, natureza, paisagem e construção identirária do sul cearense (1950-1970) e “O que a Austrália tem  nos ensinar? O Tempo Presente nos programas de História produzidos pela Australian Curriculum and Assessment Authority – ANCARA (2008-2013). ID: LATTES:  ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6804-1640. E-mail: janesemeão@globo.com


Para citar esta resenha

DA EMPOLI, Giuliano. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019. 121p. Tradução de Arnaldo Bloch. Resenha de: SEMEÃO, Jane. Algoritmos como ideologia. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.10, mar./abr., 2023. Disponível em <> DOI:


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 10, mar./abr., 2023 | ISSN 2764-2666

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Engenheiros do Caos, escrito por Giuliano Da Empoli, conta a história de quatro cientistas especializados em Big Data que dão suporte aos ideólogos de direita e extrema direita. Eles usam recursos de inteligência artificial para criar máquinas de comunicação que se opõem à democracia liberal. Os engenheiros em questão são Dominic Cummings, Steve Bannon, Milo Yiannopoulos e Arthur Finkelstein. Juntos, eles transformaram a prática carnavalesca antiga de fingir ser com intensões lúdicas em negar a realidade com a intenção de obter vantagens econômicas e políticas. O livro relata como esses profissionais criaram e/ou apoiaram uma “nova forma política moldada pela internet e pelas novas tecnologias” (p.24).

Publicado originalmente em francês em 2019, o livro foi traduzido para o português por Arnaldo Bloch e lançado no mesmo ano pela Editora Vestígio, em um momento em que a extrema direita estava crescendo no Brasil sob a liderança de Jair Bolsonaro, que é mencionado várias vezes. Seu autor, Giuliano Da Empoli, é um italiano formado em Ciência Política (Ciências Po) e tem experiência como administrador público e assessor de políticos italianos, como Francesco Rutelli e Matteo Renzi.

A estratégia narrativo-argumentativa do autor consiste em entremear dados sobre a formação profissional, crenças políticas, feitos, apoiadores, sucessos e fracassos de cada um dos “engenheiros”. O primeiro capítulo é exemplar nesse sentido, apresentando Steve Bannon como o “Trotsky da revolução populista, místico de ideólogo e homem de ação”, um servidor e parceiro de líderes direitistas como Donald Trump, Marine La Pen, Matteo Salvini e Viktor Orban. O autor narra os feitos de Bannon, como a criação da Internacional Socialista, as metas de seu movimento populista mundial e sua tentativa de instituir o governo dos técnicos e empresários ditos mais probos e competentes.

No segundo capítulo, Da Empoli relata que a união de habilidades e interesses econômicos entre o comediante Beppe Grillo e o especialista em marketing digital Gianroberto Casaleggio, um “John Lennon pós-moderno”, criou um partido político – o Movimento 5 Estrelas. A estratégia bem-sucedida é explicada passo a passo: 1. o comediante cria personagens e narrativas virais, baseadas nos dez principais comentários de seu blog, apresentando culpados e soluções de maneira simplista, com algoritmos constantemente aprimorados pelos feedbacks massivos dos seguidores; 2. convoca protestos públicos gigantescos e entra formalmente na política com um discurso antipolítico; 3. funda um movimento antipolítico e recruta futuros candidatos subordinados aos seus contratos (e não a um programa); 4. ocupa cadeiras no parlamento e no executivo, assumindo o controle de bancos de dados estatais para gerar cada vez mais algoritmos que sustentem suas conquistas financeiras.

No terceiro capítulo, o autor discute a natureza do “ódio” e explica como as redes sociais, a exemplo do Facebook, YouTube e Twitter, contribuem para a exacerbação da violência. Da Empoli afirma que os engenheiros do caos “perceberam […] que a raiva era uma fonte de energia colossal, e que era possível explorá-la para realizar qualquer objetivo, desde que se decifrassem os códigos e se dominasse a tecnologia” (p.50). O capítulo é concluído com uma citação direta e assustadoramente esclarecedora: “ ‘Descubra por que as pessoas estão com raiva, diga-lhes que a culpa é da Europa, vote e faça votar pelo Brexit’, foi assim que um dos engenheiros do caos resumiu a estratégia elementar e terrível de uma campanha referendaria que parecia fadada ao fracasso.” (p.53).

No quarto capítulo, o autor comenta o trabalho dos jornalistas Andrew Breitbart e Milo Yiannopoulos, ambos associados a Bannon. Breitbart defende a ideia de que a filosofia da Escola de Frankfurt teria minado os fundamentos da sociedade de consumo americana. Para combatê-la, ele usa as ferramentas da “guerrilha virtual”: encontrar informações, chamar a atenção, pautar a grande mídia (contra elas mesmas), ampliar cliques e formar opinião. Junto com Bannon, Breitbart fundou o site “Breitbart News”, que se dedica a denunciar escândalos envolvendo políticos liberais. Bannon também fundou o “Government Accountability Institute”, que lançou um dossiê contra o casal Clinton. Também associado a Bannon, Yiannopoulos mobiliza a “liberdade de expressão” como o valor principal na política e se assume como um troll. Para o autor, Millo (assim como Trump) “diz as coisas como elas são” e não tem tempo para o politicamente correto e para as discussões sobre banheiros transgênero e hortas orgânicas, enquanto as fábricas fecham e os empregos são transferidos para o México e o Extremo Oriente.” (p.67).

O quinto capítulo conta a história de Arthur Finkelstein, um assessor político que trabalhou para Viktor Urban e cuja lista de clientes inclui Richard Nixon, Ronald Reagan e Benjamin Netanyahu. Finkelstein desenvolveu um método de “análises demográficas” e pesquisas de boca de urna para as eleições primárias dos EUA, chamado microtargeting. Esse método consiste, principalmente, em identificar o inimigo, seguindo o modelo de Carl Schmitt (p.74), e destruir o adversário por meio de campanhas negativas, com slogans do tipo: “ele é liberal demais há muito tempo” (contra o adversário de Al D’Amato, Mario Cuomo) ou “ele não é um verdadeiro judeu” (contra o adversário de Bibi, Shimon Peres).

O último capítulo é dedicado ao engenheiro que ajudou a garantir a vitória do Brexit, Dominic Cummings. Dirigindo-se aos engenheiros de universidades da Califórnia e a empresa canadense AggregateIQ, Cummings teria sentenciado: “digam-me onde devo enviar meus voluntários, em quais portas devo bater, para quem devo enviar e-mails e mensagens nas redes sociais e quais conteúdos usar” (p.83). Esse princípio é baseado em princípios da Física: “o comportamento de cada molécula não é previsível, uma vez que ela é submetida a interações com uma infinidade de outras moléculas. O comportamento de um aglomerado, por outro lado, é previsível, pois através da observação do sistema é possível deduzir o comportamento médio.” (p.85). Assim, o Físico e Dados ganha protagonismo na política. Ele identifica e situa apoiadores, identifica os persuasivos e produz mensagens personalizadas.

Engenheiros do Caos é uma obra de leitura fluida e agradável, graças ao discurso direto, poucas citações literais, verbos no presente histórico, metáforas e pitadas bem-humoradas de ironia. A abertura dos capítulos com analogias extraídas do mundo das artes, filosofia ou literatura também contribui para o valor da obra, indicando certa sofisticação.

Dois outros atributos positivos da obra são destacáveis. O autor apresenta uma percepção realista da inclinação humana para concordar com mentiras e desprezar fatos, o que reflete na batalha inglória contra as “fake News” (p.15). Em termos práticos, para estudiosos e políticos profissionais liberais, o livro revela de maneira didática como os “engenheiros do caos” usam a “máquina de comunicação” em projetos que visam destruir variantes da democracia liberal.

No entanto, o livro apresenta algumas limitações. Falta-lhe uma introdução. O autor também usa indistintamente as categorias “fake news” e “teorias da conspiração”. Usa “nacional-populistas” e “populismo” sem definição clara, chegando ao oxímoro de referir-se ao “tecno populismo pós-ideológico” como um fenômeno “fundado não em ideias, mas em algoritmos” (p.25). O autor usa o “carnaval” como uma analogia libertária e atemporal diante de atitudes singulares, históricas e aleatórias do mesmo fenômeno. Por fim, lista diferentes perspectivas de explicação sobre a origem, natureza e os impactos sociais do ódio, sem crítica ou comparação entre as propostas. Da Empoli apenas as acumula.

Nesse passeio por divergentes perspectivas, o autor chega paroxismo de induzir o leitor a pensar a democracia como uma espécie de instinto (em corte evolucionista): trata-se de um “sistema que permite aos membros de uma comunidade exercer um controle sobre seu próprio destino, não se sentir à mercê dos eventos ou de uma força superior qualquer.” (p.99). Transferindo o argumento à realidade brasileira recente, isso explicaria o prazer dos “patriotas” do 8 de janeiro, em Brasília, em festejarem a tomada do poder em suas próprias mãos. Ocorre que esta hipótese não se harmoniza em sistema, por exemplo, com a natureza sectária das redes constituídas na Internet, o poder dos algoritmos, capacidade de se extrair lições da Física e da História. Ao longo do livro, esses e outros fatores parecem assumir isoladamente algum papel determinante no ataque à democracia representativa e liberal.

O livro cumpre bem os objetivos apresentados? Para sermos exatos, esta é uma questão aberta, considerando a ausência de apresentação de metas na introdução do livro. Da Empoli até que tenta não parecer pessimista quando afirma que “o objetivo” do escrito não é “negar a importância de respostas concretas” para a crise da democracia representativa. Ele sugere que a interpretação da crise “requer uma verdadeira mudança de paradigma” (p.100): se a realidade se modificou – de uma “política newtoniana” a uma “política quântica” –, afirma, é necessário que sejamos como John Maynard Keynes sugeriu: “heréticos, inoportunos e desobedientes aos olhos de todos aqueles que nos precederam”. O otimismo logo se esvai quando percebemos que a sua sugestão para os democratas nasce morta porque o próprio autor declara que a existência da política quântica já é o sinal da morte da política newtoniana.

Sumário de Os engenheiros do caos

  • Introdução
    1. Vale do Silício – do populismo
    2. A Netflix da política
    3. Waldo conquista o planeta
    4. Troll, o chefe
    5. Um estranho em Budapeste
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Jane Semeão – Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora do Departamento de História da Universidade Regional do Cariri (URCA) e editora do bolg Resenha Crítica. Um “oásis” chamado Cariri: Instituto Cultural do Cariri, natureza, paisagem e construção identirária do sul cearense (1950-1970) e “O que a Austrália tem  nos ensinar? O Tempo Presente nos programas de História produzidos pela Australian Curriculum and Assessment Authority – ANCARA (2008-2013). ID: LATTES:  ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6804-1640. E-mail: janesemeão@globo.com


Para citar esta resenha

DA EMPOLI, Giuliano. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019. 121p. Tradução de Arnaldo Bloch. Resenha de: SEMEÃO, Jane. Algoritmos como ideologia. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.10, mar./abr., 2023. Disponível em <> DOI:


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 10, mar./abr., 2023 | ISSN 2764-2666

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