Amor revolucionário e feminismo decolonial — Resenha de Viviane Andrade Passos (UFS) sobre o livro “Uma teoria feminista da violência”, de Françoise Vergès

Françoise Vergès (2020) | Imagem: Anthony Francin/Divulgação

Resumo: “Uma teoria feminista da violência”, escrito por Françoise Vergès, explora o feminismo decolonial e critica o feminismo branco-burguês. A obra enfatiza as desigualdades enfrentadas por mulheres racializadas e a importância de políticas públicas inclusivas. Destaca-se pela crítica à violência estatal e a convocação para o combate às violências sistêmicas.

Palavras-chave: Teoria Feminista, Violência, Feminismo Decolonial.


Uma teoria feminista da violência — Por uma política antirracista da proteção é uma obra escrita por Françoise Vèrges, publicada no Brasil em 2021 pela Ubu Editora, não possui prefácio, mas apresenta na quarta capa uma síntese sobre o objetivo da autora, que utiliza a escrita para abordar as violências do ponto de vista do feminismo decolonial. No texto, há uma crítica potente às violências sistêmicas analisando-as em seus diferentes contextos sociais, econômicos e culturais, e a defesa de políticas públicas institucionais que de fato incluam os vulneráveis e os(as) excluídos(as) do poder.

Vergès, é cientista política, historiadora, ativista e especialista em estudos pós-coloniais e feminismo decolonial e antirracista que considere o caráter pluriforme do gênero. A obra em análise, escrita em um contexto de ascensão da direita e fortalecimento do neoliberalismo, apresenta um tom político e provocativo em forma de um manifesto de denúncia ao feminismo branco-burguês, denominado pela autora, de feminismo civilizatório, que opera segundo a lógica do poder patriarcal e neoliberal, e exclui pessoas racializadas e mulheres do Sul global. Ressalta criticamente as violências de Estado praticadas contra as mulheres negras e racializadas, como resultantes do patriarcado e do racismo. A produção divide-se em introdução, três capítulos subdivididos em tópicos e a conclusão.

Na introdução, a autora faz uma provocação ao apresentar trecho do texto “Um estuprador no seu caminho”, de Diane Sprimont, intitulado “O Estado opressor é um macho estuprador”, cuja finalidade é embasar o argumento de que o Estado é a condensação de todas as opressões e explorações imperialistas, patriarcais e capitalistas. Na mesma seção, Vergès convoca à luta contra a violência estatal e um chamado à reflexão sobre a violência enquanto estruturante do patriarcado e do capitalismo e a repressão policial e judicialização dos problemas sociais. Ao fazer a leitura da introdução, já ansiamos pelo que vem a seguir, dado o contexto de problematizações sobre o patriarcado, a racialização dos corpos negros e das mulheres, que convida o(a) leitor(a) sobre uma política de proteção decolonial e antirracista.

O primeiro capítulo é dividido em cinco tópicos, que abordam a relação entre Estado, patriarcado, capitalismo e movimentos feministas, a importância de desnaturalização da violência e a análise da estrutura neoliberal que produz e perpetua desigualdades amparadas na exploração de mão-de-obra, na degradação do meio ambiente e em conflitos armados que institucionalizam o racismo estrutural e a violência, especialmente contra as mulheres. A autora relaciona o avanço do neoliberalismo à exclusão dos vulneráveis das políticas de proteção, relegando-os à exploração, à violência policial, à judicialização de problemas sociais e à dominação capitalista. O capítulo é sucinto, há várias inscrições em notas de rodapé que remetem a publicações estrangeiras, o que dificulta o aprofundamento sobre a teoria, que apesar de formulada pela autora, fundamenta-se na análise das estruturas sociais de países do Sul global colonizados por europeus, da política francesa de dominação imperialista e seus reflexos na sociedade contemporânea.

No segundo capítulo, subdividido em três tópicos, a autora questiona as concepções dominantes sobre violência de gênero e o papel das políticas públicas e discursos políticos do Estado no combate às violências contra as mulheres racializadas. Para Vèrges, trata-se ainda de uma abordagem com resquícios coloniais e racistas que contribuem para a proliferação em ordem geopolítica global das violências contra as mulheres. A autora faz um aporte à liberdade empreendedora das mulheres racializadas em contraste com o capitalismo neoliberal, critica a negação da história do imperialismo e da escravidão colonial no debate sobre a questão racial e o processo de branqueamento. Adiante, uma abordagem histórica referente às formas de escravização nas colônias francesas, em que mulheres eram objetos de exploração sexual. A narrativa do capítulo é mais específica ao retratar as violências sistêmicas, de gênero e sexuais contra as mulheres, ao temo em que clama pelo respeito às mulheres, e pela compreensão das desigualdades sociais e estruturais durante o processo de elaboração de políticas públicas de proteção, que atualmente, reprime os vulneráveis, gera insegurança e institucionaliza outras formas de violências.

O terceiro capítulo, em seus sete tópicos, aborda o uso da punição aos agressores como solução para a violência contra as mulheres. Para Françoise, o feminismo punitivista, tem sido dominante nas políticas públicas de combate à violência de gênero, na medida em que, aumenta a repressão e a criminalização das condutas. Françoise critica o feminismo branco e burguês por não oferecer a força e a energia necessárias para combater a dominação e a opressão contra as mulheres e convoca os(as) leitores(as) a refletir sobre o feminismo decolonial, teoria explanada no livro Por um feminismo decolonial, de mesma autoria. Ao destacar a relação entre as discriminações e exploração no mundo do trabalho com as violências sistêmicas, de gênero e sexuais praticadas contra mulheres e pessoas não-binárias, a autora desenvolve uma crítica sobre o sistema penal e como este intervém na proteção das vítimas de violências. Vergès reconhece as prisões enquanto depósitos de corpos pobres e miseráveis, em uma sociedade onde os sentimentos de insegurança e de impotência tendem a crescer. O trabalho sexual se tornou o lugar das novas formas de escravidão e opressão das mulheres, cuja salvação só poderia vir de um estado ocidental e sua polícia. Enquanto a prostituição simbolizar a subordinação das mulheres ao status de produto sexual, elas serão discriminadas e violentadas. Adiante, a autora destaca a hostilidade dos espaços públicos aos pobres e racializados(as) e defende que as prisões não constituem um elemento central para a solução dos problemas sociais, pois o Estado utiliza a prisão para punir populações não-brancas e pobres. Identifiquei esse capítulo como o mais informativo e provocador, pois nos leva a refletir sobre questões caras à sociedade, pois a autora aborda aspectos históricos, geopolíticos, antropológicos e sociais, ao apresentar a racialização, a vulnerabilidade dos corpos e a exclusão social dos indivíduos, expondo sua experiência de cientista política, historiadora e ativista.

Por fim, a conclusão em seis tópicos narra as violências sistêmicas e estruturais do capitalismo racial e do patriarcado, aborda a trajetória dos movimentos feministas que denunciavam uma violência na qual se entrecruzavam saúde, colonialismo, racismo, sexismo, violências sexuais e agressões, crimes ambientais, relações entre mulheres e homens, solidariedade intergeracional e resistência. Também destaca que, analisar a violência é se dar conta de que a dominação masculina exerce poder sobre as mulheres e sobre os homens, expondo-os(as) ao neoliberalismo, à vulnerabilidade, à precarização do trabalho, à pobreza e às violências contra as mulheres, majoritariamente às racializadas. Ressaltando a característica crítica e provocadora de sua escrita, Vèrges finaliza a obra destacando a necessidade de luta contra o Estado patriarcal, sexista e racista, que reprime os direitos por meio da brutalidade e da força, e condena as feministas civilizatórias, pois desempenham o papel eficaz de administradoras neocoloniais.

O texto é concluído com precisão e síntese das principais ideias lançadas no decorrer da obra, ao tempo em que apresenta soluções para o enfrentamento das violências dos Estados enquanto subservientes ao neoliberalismo, e reprodutores de dominações imperialistas, desigualdades sociais, de gênero e raciais.

Quando o imperialismo mira as mulheres. Ana Maria, de El Salvador, tenta chegar aos EUA com o filho de um ano | Imagem: Andrees Latif/Reuters/El Pais

A obra enfatiza características do feminismo Decolonial e expõe críticas ao feminismo civilizatório e ao punitivismo estatal, convoca para o combate e enfrentamento das violências sistêmicas, do feminicídio e das violências de gênero contra as mulheres e a comunidade LGBTQ+. Na disposição dos seus argumentos, a autora traça um paralelo entre a ofensiva neoliberal e a ascensão política da direita, e o aumento da pobreza, da discriminação e da segregação por raça, classe e gênero. A leitura da obra é indicada para leitores ávidos por questionamentos sobre as violências contra as mulheres e grupos marginalizados socialmente, e sobre como o sistema de criminalizar para punir atinge em sua maioria, indivíduos negros(as) e pobres, ao individualizar as condutas e desconsiderar as estruturas sociais de exploração e de dominação.

Utilizando-se de um discurso político e ativista, Vèrges afirma que a violência sistêmica institucionaliza a prisão como mecanismo de controle social, ao tempo em que, destrói as condições necessárias à preservação da vida humana. É revigorante a leitura do texto, pelas críticas à burguesia, ao Estado patriarcal e ao feminismo carcerário, é uma obra concisa e densa em teorias e provocações. Com a finalidade de incentivar manifestações e movimentos de luta pelo combate às violências, convoca as feministas a refletirem sobre um feminismo decolonial, apresentando possibilidades e argumentos convincentes. Todavia, as indicações de referências bibliográficas em notas de rodapé, destinadas ao aprofundamento das discussões projetadas no texto, são complexas e pouco acessíveis à maioria dos(as) leitores(as), ainda assim, o texto é compreensível e relevante, pois, nos leva a refletir a partir das críticas tecidas ao Estado punitivista, neoliberal e patriarcalista que oprime os sujeitos em suas vulnerabilidades. Fiquemos com a pertinente indagação: Que sociedade almejamos e como podemos enfrentar e combater as violências sistêmicas?

Referências

VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: Ubu Editora, 2020.

Sumário de Uma teoria feminista da violência

  • Introdução
  • 1. A violência neoliberal
  • 2. Abordagem civilizatória da proteção das mulheres
  • 3. O impasse do feminismo punitivista
  • 4. Conclusão – o feminismo decolonial como utopia
  • Sobre a autora

Para ampliar a sua revisão da literatura

Resenhista

Viviane Andrade Passos é professora da Escola Municipal Tiradentes (SEMED/NSG) e  do Colégio Estadual Cícero Bezerra (SEDUC-SE), ambos no município de Nossa Senhora da Glória-SE. Aluna do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7026713252936689; ID: https://orcid.org/0000-0003-4077-3916; Facebook: /viviane.andrade.56863; Instagram: vivi.andrade_23; E-mail: viviane-andrade22@hotmail.com.


Para citar esta resenha

VERGÉ, Françoise. Uma teoria feminista da violência: por uma política antirracista da proteção. São Paulo: Ubu Editora, 2021. 160p. Tradução de Raquel Camargo. Resenha de: PASSOS, Viviane Andrade. Amor revolucionário e feminismo decolonial. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.14, out./nov., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/exumando-a-rebeliao-dos-autos-resenha-de-danilo-dos-santos-rabelo-unb-sobre-o-livro-vidas-rebeldes-belos-experimentos-historias-intimas-de-meninas-negras-desordeiras-mulheres-e/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 14, nov./dez., 2023 | ISSN 2764-2666

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Amor revolucionário e feminismo decolonial — Resenha de Viviane Andrade Passos (UFS) sobre o livro “Uma teoria feminista da violência”, de Françoise Vergès

Françoise Vergès (2020) | Imagem: Anthony Francin/Divulgação

Resumo: “Uma teoria feminista da violência”, escrito por Françoise Vergès, explora o feminismo decolonial e critica o feminismo branco-burguês. A obra enfatiza as desigualdades enfrentadas por mulheres racializadas e a importância de políticas públicas inclusivas. Destaca-se pela crítica à violência estatal e a convocação para o combate às violências sistêmicas.

Palavras-chave: Teoria Feminista, Violência, Feminismo Decolonial.


Uma teoria feminista da violência — Por uma política antirracista da proteção é uma obra escrita por Françoise Vèrges, publicada no Brasil em 2021 pela Ubu Editora, não possui prefácio, mas apresenta na quarta capa uma síntese sobre o objetivo da autora, que utiliza a escrita para abordar as violências do ponto de vista do feminismo decolonial. No texto, há uma crítica potente às violências sistêmicas analisando-as em seus diferentes contextos sociais, econômicos e culturais, e a defesa de políticas públicas institucionais que de fato incluam os vulneráveis e os(as) excluídos(as) do poder.

Vergès, é cientista política, historiadora, ativista e especialista em estudos pós-coloniais e feminismo decolonial e antirracista que considere o caráter pluriforme do gênero. A obra em análise, escrita em um contexto de ascensão da direita e fortalecimento do neoliberalismo, apresenta um tom político e provocativo em forma de um manifesto de denúncia ao feminismo branco-burguês, denominado pela autora, de feminismo civilizatório, que opera segundo a lógica do poder patriarcal e neoliberal, e exclui pessoas racializadas e mulheres do Sul global. Ressalta criticamente as violências de Estado praticadas contra as mulheres negras e racializadas, como resultantes do patriarcado e do racismo. A produção divide-se em introdução, três capítulos subdivididos em tópicos e a conclusão.

Na introdução, a autora faz uma provocação ao apresentar trecho do texto “Um estuprador no seu caminho”, de Diane Sprimont, intitulado “O Estado opressor é um macho estuprador”, cuja finalidade é embasar o argumento de que o Estado é a condensação de todas as opressões e explorações imperialistas, patriarcais e capitalistas. Na mesma seção, Vergès convoca à luta contra a violência estatal e um chamado à reflexão sobre a violência enquanto estruturante do patriarcado e do capitalismo e a repressão policial e judicialização dos problemas sociais. Ao fazer a leitura da introdução, já ansiamos pelo que vem a seguir, dado o contexto de problematizações sobre o patriarcado, a racialização dos corpos negros e das mulheres, que convida o(a) leitor(a) sobre uma política de proteção decolonial e antirracista.

O primeiro capítulo é dividido em cinco tópicos, que abordam a relação entre Estado, patriarcado, capitalismo e movimentos feministas, a importância de desnaturalização da violência e a análise da estrutura neoliberal que produz e perpetua desigualdades amparadas na exploração de mão-de-obra, na degradação do meio ambiente e em conflitos armados que institucionalizam o racismo estrutural e a violência, especialmente contra as mulheres. A autora relaciona o avanço do neoliberalismo à exclusão dos vulneráveis das políticas de proteção, relegando-os à exploração, à violência policial, à judicialização de problemas sociais e à dominação capitalista. O capítulo é sucinto, há várias inscrições em notas de rodapé que remetem a publicações estrangeiras, o que dificulta o aprofundamento sobre a teoria, que apesar de formulada pela autora, fundamenta-se na análise das estruturas sociais de países do Sul global colonizados por europeus, da política francesa de dominação imperialista e seus reflexos na sociedade contemporânea.

No segundo capítulo, subdividido em três tópicos, a autora questiona as concepções dominantes sobre violência de gênero e o papel das políticas públicas e discursos políticos do Estado no combate às violências contra as mulheres racializadas. Para Vèrges, trata-se ainda de uma abordagem com resquícios coloniais e racistas que contribuem para a proliferação em ordem geopolítica global das violências contra as mulheres. A autora faz um aporte à liberdade empreendedora das mulheres racializadas em contraste com o capitalismo neoliberal, critica a negação da história do imperialismo e da escravidão colonial no debate sobre a questão racial e o processo de branqueamento. Adiante, uma abordagem histórica referente às formas de escravização nas colônias francesas, em que mulheres eram objetos de exploração sexual. A narrativa do capítulo é mais específica ao retratar as violências sistêmicas, de gênero e sexuais contra as mulheres, ao temo em que clama pelo respeito às mulheres, e pela compreensão das desigualdades sociais e estruturais durante o processo de elaboração de políticas públicas de proteção, que atualmente, reprime os vulneráveis, gera insegurança e institucionaliza outras formas de violências.

O terceiro capítulo, em seus sete tópicos, aborda o uso da punição aos agressores como solução para a violência contra as mulheres. Para Françoise, o feminismo punitivista, tem sido dominante nas políticas públicas de combate à violência de gênero, na medida em que, aumenta a repressão e a criminalização das condutas. Françoise critica o feminismo branco e burguês por não oferecer a força e a energia necessárias para combater a dominação e a opressão contra as mulheres e convoca os(as) leitores(as) a refletir sobre o feminismo decolonial, teoria explanada no livro Por um feminismo decolonial, de mesma autoria. Ao destacar a relação entre as discriminações e exploração no mundo do trabalho com as violências sistêmicas, de gênero e sexuais praticadas contra mulheres e pessoas não-binárias, a autora desenvolve uma crítica sobre o sistema penal e como este intervém na proteção das vítimas de violências. Vergès reconhece as prisões enquanto depósitos de corpos pobres e miseráveis, em uma sociedade onde os sentimentos de insegurança e de impotência tendem a crescer. O trabalho sexual se tornou o lugar das novas formas de escravidão e opressão das mulheres, cuja salvação só poderia vir de um estado ocidental e sua polícia. Enquanto a prostituição simbolizar a subordinação das mulheres ao status de produto sexual, elas serão discriminadas e violentadas. Adiante, a autora destaca a hostilidade dos espaços públicos aos pobres e racializados(as) e defende que as prisões não constituem um elemento central para a solução dos problemas sociais, pois o Estado utiliza a prisão para punir populações não-brancas e pobres. Identifiquei esse capítulo como o mais informativo e provocador, pois nos leva a refletir sobre questões caras à sociedade, pois a autora aborda aspectos históricos, geopolíticos, antropológicos e sociais, ao apresentar a racialização, a vulnerabilidade dos corpos e a exclusão social dos indivíduos, expondo sua experiência de cientista política, historiadora e ativista.

Por fim, a conclusão em seis tópicos narra as violências sistêmicas e estruturais do capitalismo racial e do patriarcado, aborda a trajetória dos movimentos feministas que denunciavam uma violência na qual se entrecruzavam saúde, colonialismo, racismo, sexismo, violências sexuais e agressões, crimes ambientais, relações entre mulheres e homens, solidariedade intergeracional e resistência. Também destaca que, analisar a violência é se dar conta de que a dominação masculina exerce poder sobre as mulheres e sobre os homens, expondo-os(as) ao neoliberalismo, à vulnerabilidade, à precarização do trabalho, à pobreza e às violências contra as mulheres, majoritariamente às racializadas. Ressaltando a característica crítica e provocadora de sua escrita, Vèrges finaliza a obra destacando a necessidade de luta contra o Estado patriarcal, sexista e racista, que reprime os direitos por meio da brutalidade e da força, e condena as feministas civilizatórias, pois desempenham o papel eficaz de administradoras neocoloniais.

O texto é concluído com precisão e síntese das principais ideias lançadas no decorrer da obra, ao tempo em que apresenta soluções para o enfrentamento das violências dos Estados enquanto subservientes ao neoliberalismo, e reprodutores de dominações imperialistas, desigualdades sociais, de gênero e raciais.

Quando o imperialismo mira as mulheres. Ana Maria, de El Salvador, tenta chegar aos EUA com o filho de um ano | Imagem: Andrees Latif/Reuters/El Pais

A obra enfatiza características do feminismo Decolonial e expõe críticas ao feminismo civilizatório e ao punitivismo estatal, convoca para o combate e enfrentamento das violências sistêmicas, do feminicídio e das violências de gênero contra as mulheres e a comunidade LGBTQ+. Na disposição dos seus argumentos, a autora traça um paralelo entre a ofensiva neoliberal e a ascensão política da direita, e o aumento da pobreza, da discriminação e da segregação por raça, classe e gênero. A leitura da obra é indicada para leitores ávidos por questionamentos sobre as violências contra as mulheres e grupos marginalizados socialmente, e sobre como o sistema de criminalizar para punir atinge em sua maioria, indivíduos negros(as) e pobres, ao individualizar as condutas e desconsiderar as estruturas sociais de exploração e de dominação.

Utilizando-se de um discurso político e ativista, Vèrges afirma que a violência sistêmica institucionaliza a prisão como mecanismo de controle social, ao tempo em que, destrói as condições necessárias à preservação da vida humana. É revigorante a leitura do texto, pelas críticas à burguesia, ao Estado patriarcal e ao feminismo carcerário, é uma obra concisa e densa em teorias e provocações. Com a finalidade de incentivar manifestações e movimentos de luta pelo combate às violências, convoca as feministas a refletirem sobre um feminismo decolonial, apresentando possibilidades e argumentos convincentes. Todavia, as indicações de referências bibliográficas em notas de rodapé, destinadas ao aprofundamento das discussões projetadas no texto, são complexas e pouco acessíveis à maioria dos(as) leitores(as), ainda assim, o texto é compreensível e relevante, pois, nos leva a refletir a partir das críticas tecidas ao Estado punitivista, neoliberal e patriarcalista que oprime os sujeitos em suas vulnerabilidades. Fiquemos com a pertinente indagação: Que sociedade almejamos e como podemos enfrentar e combater as violências sistêmicas?

Referências

VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: Ubu Editora, 2020.

Sumário de Uma teoria feminista da violência

  • Introdução
  • 1. A violência neoliberal
  • 2. Abordagem civilizatória da proteção das mulheres
  • 3. O impasse do feminismo punitivista
  • 4. Conclusão – o feminismo decolonial como utopia
  • Sobre a autora

Para ampliar a sua revisão da literatura

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Viviane Andrade Passos é professora da Escola Municipal Tiradentes (SEMED/NSG) e  do Colégio Estadual Cícero Bezerra (SEDUC-SE), ambos no município de Nossa Senhora da Glória-SE. Aluna do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7026713252936689; ID: https://orcid.org/0000-0003-4077-3916; Facebook: /viviane.andrade.56863; Instagram: vivi.andrade_23; E-mail: viviane-andrade22@hotmail.com.


Para citar esta resenha

VERGÉ, Françoise. Uma teoria feminista da violência: por uma política antirracista da proteção. São Paulo: Ubu Editora, 2021. 160p. Tradução de Raquel Camargo. Resenha de: PASSOS, Viviane Andrade. Amor revolucionário e feminismo decolonial. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.14, out./nov., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/exumando-a-rebeliao-dos-autos-resenha-de-danilo-dos-santos-rabelo-unb-sobre-o-livro-vidas-rebeldes-belos-experimentos-historias-intimas-de-meninas-negras-desordeiras-mulheres-e/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 14, nov./dez., 2023 | ISSN 2764-2666

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