Aprender com jogos – Resenha de “Educação Histórica & videogames”, de Helyom Viana Telles

 

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Existe uma certeza aplicável à educação atual: a necessidade da inserção do mundo digital na educação básica. Essa assertiva aplicada ao Ensino de História permite a utilização dos meios digitais enquanto ferramentas destinadas ao processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo, enquanto evidências históricas de um tempo presente experienciadas pelo corpo discente e, por que não, por parte do corpo docente. Buscando realizar essa conjunção, Helyom Viana Telles apresenta “Educação Histórica & Videogames” publicado pela Editora Brazil Publishing no ano de 2020. Direcionado a docentes de todos os níveis do Ensino de História – inclusive a quem está em formação –, o livro propõe a utilização de videogames para o estudo da História através do conceito de segunda ordem empatia histórica.

Nas últimas décadas, houve uma profusão de pesquisas acadêmicas sobre o Ensino de História no Brasil. Estabelecido como um campo de estudos, as investigações historicizaram-no, identificaram e analisaram as proposições curriculares voltadas à área, apresentaram inúmeras metodologias de trabalho e estruturaram o trabalho com a abundante variedade de evidências históricas disponíveis e utilizáveis em sala de aula. Voltados para o Ensino de História aplicável na educação básica, esses estudos apresentam perspectivas e métodos distintos entre si, mas possuem uma característica em comum: todos foram produzidos a partir da academia. Contudo, raros autores elaboravam academicamente suas próprias inquietações, formulações e métodos aplicáveis ao Ensino de História. Produções que representariam de alguma forma as especificidades de cada realidade escolar (eivadas de precariedade) eram apagadas em currículos e livros didáticos unificadores.

Essa lacuna, começa a ser preenchida a partir da criação do Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA, 2021), no qual está inserida a obra de Viana Telles (2020). Ofertado em rede nacional, o programa Busca a formação continuada de professores de História voltados para a inovação na sala de aula, ao mesmo tempo que, de forma crítica e responsável, possam refletir acerca de questões relevantes sobre diferentes usos da informação de natureza histórica.

O livro de Viana Telles (2020) é uma adaptação de sua dissertação, defendida em 2018. Como uma adaptação, coube ao autor selecionar as partes que julgava mais importantes e relevantes para atender seus objetivos. A obra é dividida em 6 capítulos, nos quais apresenta uma trama muito bem confeccionada e estruturada de referências acadêmicas discutidoras dos temas propostos.

Os cinco primeiros capítulos mantêm a estrutura típica de uma dissertação de mestrado. Neles, autor historiciza conceitos, localiza-os temporalmente e espacialmente, relacionando muitas leituras de um tema e identificando quais interpretações serão utilizadas em sua produção. O trabalho de aprofundamento conceitual, contudo, passa ao largo das discussões da vida prática em sala de aula, o que pode distanciar o interesse de alguns docentes da educação básica.

No primeiro capítulo denominado “Introdução: a ludificação do passado” o autor apresenta sua trajetória enquanto pesquisador de jogos eletrônicos (p. 20), seu local de trabalho e o que o motivou a enveredar por tal investigação (p. 27). Esse é um recurso demandado por docentes do programa e, comum às dissertações do ProfHistória. Conforme apresentado nos objetivos do programa, espera-se de quem realiza a pesquisa a investigação de sua realidade. Também nesse primeiro capítulo, o autor advoga a necessidade de proposições superadoras de muitas dicotomias que ainda pairam sobre a pesquisa do ensino de história, algumas recorrentes como a História e Ensino de História enquanto saberes separados (p. 25) e outras específicas à relação entre o ensino de História e os videogames: a dicotomia entre o real e o virtual, lazer e saber (p. 29). O autor convida o leitor a olhar para os videogames como elementos de uma prática cultural, fornecedores de uma relação específica com o passado. Aliado a empatia histórica, o jogo permite acessar o passado enquanto experiência cognitiva e engajamento emocional.

Helyom Telles

No segundo capítulo “Discutindo o ensino de história”, baseando-se, principalmente, em Elza Nadai (1993), o autor apresenta o percurso da disciplina escolar história no Brasil, bem como a inserção do Ensino de História enquanto campo de investigação acadêmica que busca compreender uma crise do ensino de história localizada no currículo, nas condições materiais e na desmotivação dos estudantes (p. 44). Esse arco narrativo sustenta a introdução da Educação Histórica, uma forma de ensino-aprendizagem do conhecimento histórico valorizadora dos saberes discentes e das maneiras como estes compreendem o passado. É esse modelo que Viana Telles persegue em sua produção.

No capítulo “Percurso metodológico e pesquisa-ação” o autor define seu trabalho como investigação de base qualitativa a partir da aplicação de uma sequência didática, construída a partir da pesquisa bibliográfica e conceituação do Ensino de História, dos Jogos eletrônicos e da Empatia História (p.49). Viana Telles historiciza a pesquisa-ação enquanto metodologia de pesquisa, ação. Para estudantes de graduação e profissionais em formação continuada, essa descrição é modelar. A segunda parte do capítulo trata do local onde a pesquisa foi desenvolvida (Campus Serrinha do Instituto Federal Baiano), o perfil do público discente com o qual ela foi aplicada (3ª Série de Agroecologia) e descreve a sequência didática aplicada. Esse trecho revela as razões da escolha do seu produto no mestrado-profissional: um instrumental de avaliação de jogos eletrônicos baseado na empatia histórica.

O quarto capítulo, “Jogos eletrônicos e didática da história”, traz uma discussão sobre a representação dos jogos na historiografia. Ressalvando que existem poucas pesquisas que proponham metodologias e formas de avaliação para a utilização dos jogos eletrônicos nas aulas de história (p.78). O autor informa sobre as diferentes abordagens para desenvolvedores de jogos e historiadores e critica a que procura nos jogos eletrônicos veracidades históricas construídas pela historiografia. Ele defende a inclusão desses na Educação Histórica quando adotados enquanto narrativas históricas (p.80). O autor reconhece a criação de um passado imaginado através dos jogos como um consenso entre pesquisadores, ao passo que aponta a lacuna da falta de historicização dos jogos analisados (p.88). Na segunda parte do capítulo o autor localiza a Educação Histórica dentro da teoria conhecida como Didática Histórica para, mais uma vez, justificar a adoção dos jogos eletrônicos em sala de aula. Ele ressalta as possibilidades dialógicas e reflexivas suscitadas por esses em diálogo com o passado. A despeito de sua brilhante argumentação conceitual, faz falta uma breve exposição do mercado de videogames ou do alcance dessas mídias nas juventudes para estimular a inclusão delas nas aulas de história. Segundo a Pesquisa Game Brasil (2021), de 2021, 72% dos brasileiros têm costume de usar algum jogo digital independentemente da plataforma. Do público em idade escolar (16 – 19 anos), 10% está habituado com os jogos eletrônicos. Aproximadamente 50% de quem joga pertence as classes C, D e E (Idem, p. 15). A pesquisa da GameBrasil informa ainda sobre as plataformas físicas, grande parte joga em smartphones (41,6%) (GameBrasil, p.10-20). Esse é um nicho possível de trabalhar nas escolas levando em consideração o uso de equipamentos privados de discentes, todavia o livro não envereda por esse caminho.

No quinto capítulo, o autor chega ao cerne de sua pesquisa ao relacionar a empatia histórica aos jogos digitais. O autor entende empatia histórica como conceito de segunda ordem bidimensional. Nesse prisma, o passado é acessado via cognição e via emoção. Assim, o saber sobre o passado através da empatia histórica requer cuidado com a alteridade e o desenvolvimento de uma empatia emocional com as figuras históricas. Para dar conta do empreendimento, o autor revisa uma extensa bibliografia sobre o aspecto emocional da empatia histórica e seus possíveis modelos de aplicação para o ensino de história, defendendo a adoção de avatares [2] como um conceito de segunda ordem. A inovação nessa proposição esbarra na definição do que seriam conceitos de segunda ordem e do próprio desenvolvimento do texto. Para Lee (2005), conceitos de segunda ordem entendidos são “uma camada de conhecimento que está por trás da produção do conteúdo ou substância real da história” (Lee, 2005, p. 32), esses dizem respeito aos conceitos utilizados por historiadores como tempo, mudança, empatia, causa, evidências e relatos. Viana Telles não demonstra como os avatares podem ser um conceito, mas apresenta de maneira clara e objetiva a sua utilização como ferramentas para trabalhar com conceitos de segunda ordem como a empatia histórica e como esses são capazes de evidenciar a bidimensionalidade da empatia. Em um bom exercício de diálogo bibliográfico, o autor submerge nas experiências emocionais proporcionadas pelos videogames, sempre focando no desenvolvimento da empatia para afirmar que é necessário jogar, refletir sobre o desenvolvimento, a narrativa e a produção do jogo e, sobretudo, a experiência de jogar, promovendo espaços para o diálogo. Ao fim, descreve como os videogames compõem as características da empatia histórica formuladas por Endacott e Brooks, a contextualização histórica, a tomada de perspectiva e a conexão afetiva (p. 119).

No último capítulo, Viana Telles apresenta o instrumento criado que reúne os modelos de avaliações de videogames e os modelos de aferição da empatia histórica em um único e extenso instrumental. Ele afirma a necessidade de que docentes escolham e, preferencialmente joguem o jogo a ser utilizado, construindo, ele próprio, sua reflexão sobre o jogo (p.159). O instrumental foi avaliado por duas pessoas que o consideraram de grande valia para professores de História na investigação e utilização de jogos eletrônicos em sala de aula. Um dos resultados dessa avaliação, ausente no desenvolvimento do livro, mas presente na realidade educacional brasileira, foi a impossibilidade de utilização de videogames nas aulas de História. Tanto o avaliador, quanto a avaliadora afirmaram que não poderiam aplicar o instrumental em seus locais de trabalho (p.173). O autor não se aprofunda nessa impossibilidade, afinal seu objetivo era criar o instrumental e submetê-lo a avaliação. Por fim o autor conclama a utilização de seu recurso e manifesta o desejo de aplicá-lo mais vezes e sempre o melhorar.

Apesar do esforço de pesquisa e da engenhosidade do autor, fica em aberto a forma como esse instrumental pode ser utilizado nas aulas de história. O recurso com 67 comandos (p.160-171) por si só demandaria um tempo considerável de preenchimento. Quando somado preparação e análise prévia dos jogos realizada por docentes, sugerida pelo autor, essa preocupação sobre o uso do instrumental se amplia. Se pensarmos exclusivamente no nível médio, a não regulação do ensino de história abre um leque para o trabalho interdisciplinar com videogames no estudo do passado e para a utilização do instrumental criado por Viana Telles.

Em uma visão de conjunto, por fim, podemos afirmar que obra de Viana Telles cumpre a maior parte de seus objetivos ao fornecer a docentes de qualquer nível de ensino e estudantes de graduação uma profunda análise conceitual dos temas que balizam sua pesquisa. A leitura de seu texto possibilita não só a compreensão de conceitos como empatia histórica, educação histórica, videogames, ensino de história, mas também o conhecimento dos caminhos e discussões percorridos no desenvolvimento de cada conceito. Defendendo a utilização de videogames no ensino de história a partir da cognição e emoção preconizadas pela leitura do passado através da empatia, Viana Telles apresenta um minucioso modelo de análise dos videogames, a maneira como relacioná-lo ao ensino de história e espera, como outros autores já o fizeram, que docentes se arrisquem a experienciar a utilização de videogames no ensino de história.

Referências

GAME BRASIL. Pesquisa Game Brasil 2021. Disponível em: https://materiais.pesquisagamebrasil.com.br/2021-painel-gratuito-pgb21. Acesso em: 20 de set. 2021.

LEE, Peter J. Putting Principles into Practice: Understanding History. In: National Research Council. How Students Learn: History in the Classroom. Washington, DC: The National Academies Press, 2005.

NADAI, Elza. Ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/6, p. 143-62, 1993.


Sumário de Educação Histórica & videogames

  • Introdução: a ludificação do passado
    1. Discutindo o ensino de História
    2. Percurso metodológico e pesquisa-ação
    3. Jogos eletrônicos e didática da História
    4. Empatia histórica e jogos digitais
    5. Proposta de modelo de avaliação da empatia histórica em jogos digitais
  • Conclusão – O círculo mágico e o ensino de História
  • Referências
  • Sobre o autor

Resenhista

Fernando de Souza Cruz – Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. É professor da Educação Básica no nível Médio e membro do Grupo de Pesquisas “Ensino de História: Aprendizagem Histórica em espaços escolares e não escolares (UFS)”. Publicou, entre outros textos, Diálogos com as memórias da Ditadura Militar: a construção de um jogo para o Ensino de História no nível Médio (2021) e “Diálogos com a memória: uma proposta lúdica no ensino de História para o nível médio em torno de temas relacionados à Cultura autoritária brasileira”. E-mail: fecruzsp@gmail.com


Para citar esta resenha

TELLES, Helyom Viana. Educação Histórica & Videogames. Curitiba: Brazil Publishing, 2020. 200p. Resenha de CRUZ, Fernando de Souza. Aprender com jogos. Crítica Historiográfica. Natal, v.1, n.2, nov./dez. 2021.

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© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA)

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Existe uma certeza aplicável à educação atual: a necessidade da inserção do mundo digital na educação básica. Essa assertiva aplicada ao Ensino de História permite a utilização dos meios digitais enquanto ferramentas destinadas ao processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo, enquanto evidências históricas de um tempo presente experienciadas pelo corpo discente e, por que não, por parte do corpo docente. Buscando realizar essa conjunção, Helyom Viana Telles apresenta “Educação Histórica & Videogames” publicado pela Editora Brazil Publishing no ano de 2020. Direcionado a docentes de todos os níveis do Ensino de História – inclusive a quem está em formação –, o livro propõe a utilização de videogames para o estudo da História através do conceito de segunda ordem empatia histórica.

Nas últimas décadas, houve uma profusão de pesquisas acadêmicas sobre o Ensino de História no Brasil. Estabelecido como um campo de estudos, as investigações historicizaram-no, identificaram e analisaram as proposições curriculares voltadas à área, apresentaram inúmeras metodologias de trabalho e estruturaram o trabalho com a abundante variedade de evidências históricas disponíveis e utilizáveis em sala de aula. Voltados para o Ensino de História aplicável na educação básica, esses estudos apresentam perspectivas e métodos distintos entre si, mas possuem uma característica em comum: todos foram produzidos a partir da academia. Contudo, raros autores elaboravam academicamente suas próprias inquietações, formulações e métodos aplicáveis ao Ensino de História. Produções que representariam de alguma forma as especificidades de cada realidade escolar (eivadas de precariedade) eram apagadas em currículos e livros didáticos unificadores.

Essa lacuna, começa a ser preenchida a partir da criação do Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA, 2021), no qual está inserida a obra de Viana Telles (2020). Ofertado em rede nacional, o programa Busca a formação continuada de professores de História voltados para a inovação na sala de aula, ao mesmo tempo que, de forma crítica e responsável, possam refletir acerca de questões relevantes sobre diferentes usos da informação de natureza histórica.

O livro de Viana Telles (2020) é uma adaptação de sua dissertação, defendida em 2018. Como uma adaptação, coube ao autor selecionar as partes que julgava mais importantes e relevantes para atender seus objetivos. A obra é dividida em 6 capítulos, nos quais apresenta uma trama muito bem confeccionada e estruturada de referências acadêmicas discutidoras dos temas propostos.

Os cinco primeiros capítulos mantêm a estrutura típica de uma dissertação de mestrado. Neles, autor historiciza conceitos, localiza-os temporalmente e espacialmente, relacionando muitas leituras de um tema e identificando quais interpretações serão utilizadas em sua produção. O trabalho de aprofundamento conceitual, contudo, passa ao largo das discussões da vida prática em sala de aula, o que pode distanciar o interesse de alguns docentes da educação básica.

No primeiro capítulo denominado “Introdução: a ludificação do passado” o autor apresenta sua trajetória enquanto pesquisador de jogos eletrônicos (p. 20), seu local de trabalho e o que o motivou a enveredar por tal investigação (p. 27). Esse é um recurso demandado por docentes do programa e, comum às dissertações do ProfHistória. Conforme apresentado nos objetivos do programa, espera-se de quem realiza a pesquisa a investigação de sua realidade. Também nesse primeiro capítulo, o autor advoga a necessidade de proposições superadoras de muitas dicotomias que ainda pairam sobre a pesquisa do ensino de história, algumas recorrentes como a História e Ensino de História enquanto saberes separados (p. 25) e outras específicas à relação entre o ensino de História e os videogames: a dicotomia entre o real e o virtual, lazer e saber (p. 29). O autor convida o leitor a olhar para os videogames como elementos de uma prática cultural, fornecedores de uma relação específica com o passado. Aliado a empatia histórica, o jogo permite acessar o passado enquanto experiência cognitiva e engajamento emocional.

Helyom Telles

No segundo capítulo “Discutindo o ensino de história”, baseando-se, principalmente, em Elza Nadai (1993), o autor apresenta o percurso da disciplina escolar história no Brasil, bem como a inserção do Ensino de História enquanto campo de investigação acadêmica que busca compreender uma crise do ensino de história localizada no currículo, nas condições materiais e na desmotivação dos estudantes (p. 44). Esse arco narrativo sustenta a introdução da Educação Histórica, uma forma de ensino-aprendizagem do conhecimento histórico valorizadora dos saberes discentes e das maneiras como estes compreendem o passado. É esse modelo que Viana Telles persegue em sua produção.

No capítulo “Percurso metodológico e pesquisa-ação” o autor define seu trabalho como investigação de base qualitativa a partir da aplicação de uma sequência didática, construída a partir da pesquisa bibliográfica e conceituação do Ensino de História, dos Jogos eletrônicos e da Empatia História (p.49). Viana Telles historiciza a pesquisa-ação enquanto metodologia de pesquisa, ação. Para estudantes de graduação e profissionais em formação continuada, essa descrição é modelar. A segunda parte do capítulo trata do local onde a pesquisa foi desenvolvida (Campus Serrinha do Instituto Federal Baiano), o perfil do público discente com o qual ela foi aplicada (3ª Série de Agroecologia) e descreve a sequência didática aplicada. Esse trecho revela as razões da escolha do seu produto no mestrado-profissional: um instrumental de avaliação de jogos eletrônicos baseado na empatia histórica.

O quarto capítulo, “Jogos eletrônicos e didática da história”, traz uma discussão sobre a representação dos jogos na historiografia. Ressalvando que existem poucas pesquisas que proponham metodologias e formas de avaliação para a utilização dos jogos eletrônicos nas aulas de história (p.78). O autor informa sobre as diferentes abordagens para desenvolvedores de jogos e historiadores e critica a que procura nos jogos eletrônicos veracidades históricas construídas pela historiografia. Ele defende a inclusão desses na Educação Histórica quando adotados enquanto narrativas históricas (p.80). O autor reconhece a criação de um passado imaginado através dos jogos como um consenso entre pesquisadores, ao passo que aponta a lacuna da falta de historicização dos jogos analisados (p.88). Na segunda parte do capítulo o autor localiza a Educação Histórica dentro da teoria conhecida como Didática Histórica para, mais uma vez, justificar a adoção dos jogos eletrônicos em sala de aula. Ele ressalta as possibilidades dialógicas e reflexivas suscitadas por esses em diálogo com o passado. A despeito de sua brilhante argumentação conceitual, faz falta uma breve exposição do mercado de videogames ou do alcance dessas mídias nas juventudes para estimular a inclusão delas nas aulas de história. Segundo a Pesquisa Game Brasil (2021), de 2021, 72% dos brasileiros têm costume de usar algum jogo digital independentemente da plataforma. Do público em idade escolar (16 – 19 anos), 10% está habituado com os jogos eletrônicos. Aproximadamente 50% de quem joga pertence as classes C, D e E (Idem, p. 15). A pesquisa da GameBrasil informa ainda sobre as plataformas físicas, grande parte joga em smartphones (41,6%) (GameBrasil, p.10-20). Esse é um nicho possível de trabalhar nas escolas levando em consideração o uso de equipamentos privados de discentes, todavia o livro não envereda por esse caminho.

No quinto capítulo, o autor chega ao cerne de sua pesquisa ao relacionar a empatia histórica aos jogos digitais. O autor entende empatia histórica como conceito de segunda ordem bidimensional. Nesse prisma, o passado é acessado via cognição e via emoção. Assim, o saber sobre o passado através da empatia histórica requer cuidado com a alteridade e o desenvolvimento de uma empatia emocional com as figuras históricas. Para dar conta do empreendimento, o autor revisa uma extensa bibliografia sobre o aspecto emocional da empatia histórica e seus possíveis modelos de aplicação para o ensino de história, defendendo a adoção de avatares [2] como um conceito de segunda ordem. A inovação nessa proposição esbarra na definição do que seriam conceitos de segunda ordem e do próprio desenvolvimento do texto. Para Lee (2005), conceitos de segunda ordem entendidos são “uma camada de conhecimento que está por trás da produção do conteúdo ou substância real da história” (Lee, 2005, p. 32), esses dizem respeito aos conceitos utilizados por historiadores como tempo, mudança, empatia, causa, evidências e relatos. Viana Telles não demonstra como os avatares podem ser um conceito, mas apresenta de maneira clara e objetiva a sua utilização como ferramentas para trabalhar com conceitos de segunda ordem como a empatia histórica e como esses são capazes de evidenciar a bidimensionalidade da empatia. Em um bom exercício de diálogo bibliográfico, o autor submerge nas experiências emocionais proporcionadas pelos videogames, sempre focando no desenvolvimento da empatia para afirmar que é necessário jogar, refletir sobre o desenvolvimento, a narrativa e a produção do jogo e, sobretudo, a experiência de jogar, promovendo espaços para o diálogo. Ao fim, descreve como os videogames compõem as características da empatia histórica formuladas por Endacott e Brooks, a contextualização histórica, a tomada de perspectiva e a conexão afetiva (p. 119).

No último capítulo, Viana Telles apresenta o instrumento criado que reúne os modelos de avaliações de videogames e os modelos de aferição da empatia histórica em um único e extenso instrumental. Ele afirma a necessidade de que docentes escolham e, preferencialmente joguem o jogo a ser utilizado, construindo, ele próprio, sua reflexão sobre o jogo (p.159). O instrumental foi avaliado por duas pessoas que o consideraram de grande valia para professores de História na investigação e utilização de jogos eletrônicos em sala de aula. Um dos resultados dessa avaliação, ausente no desenvolvimento do livro, mas presente na realidade educacional brasileira, foi a impossibilidade de utilização de videogames nas aulas de História. Tanto o avaliador, quanto a avaliadora afirmaram que não poderiam aplicar o instrumental em seus locais de trabalho (p.173). O autor não se aprofunda nessa impossibilidade, afinal seu objetivo era criar o instrumental e submetê-lo a avaliação. Por fim o autor conclama a utilização de seu recurso e manifesta o desejo de aplicá-lo mais vezes e sempre o melhorar.

Apesar do esforço de pesquisa e da engenhosidade do autor, fica em aberto a forma como esse instrumental pode ser utilizado nas aulas de história. O recurso com 67 comandos (p.160-171) por si só demandaria um tempo considerável de preenchimento. Quando somado preparação e análise prévia dos jogos realizada por docentes, sugerida pelo autor, essa preocupação sobre o uso do instrumental se amplia. Se pensarmos exclusivamente no nível médio, a não regulação do ensino de história abre um leque para o trabalho interdisciplinar com videogames no estudo do passado e para a utilização do instrumental criado por Viana Telles.

Em uma visão de conjunto, por fim, podemos afirmar que obra de Viana Telles cumpre a maior parte de seus objetivos ao fornecer a docentes de qualquer nível de ensino e estudantes de graduação uma profunda análise conceitual dos temas que balizam sua pesquisa. A leitura de seu texto possibilita não só a compreensão de conceitos como empatia histórica, educação histórica, videogames, ensino de história, mas também o conhecimento dos caminhos e discussões percorridos no desenvolvimento de cada conceito. Defendendo a utilização de videogames no ensino de história a partir da cognição e emoção preconizadas pela leitura do passado através da empatia, Viana Telles apresenta um minucioso modelo de análise dos videogames, a maneira como relacioná-lo ao ensino de história e espera, como outros autores já o fizeram, que docentes se arrisquem a experienciar a utilização de videogames no ensino de história.

Referências

GAME BRASIL. Pesquisa Game Brasil 2021. Disponível em: https://materiais.pesquisagamebrasil.com.br/2021-painel-gratuito-pgb21. Acesso em: 20 de set. 2021.

LEE, Peter J. Putting Principles into Practice: Understanding History. In: National Research Council. How Students Learn: History in the Classroom. Washington, DC: The National Academies Press, 2005.

NADAI, Elza. Ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/6, p. 143-62, 1993.


Sumário de Educação Histórica & videogames

  • Introdução: a ludificação do passado
    1. Discutindo o ensino de História
    2. Percurso metodológico e pesquisa-ação
    3. Jogos eletrônicos e didática da História
    4. Empatia histórica e jogos digitais
    5. Proposta de modelo de avaliação da empatia histórica em jogos digitais
  • Conclusão – O círculo mágico e o ensino de História
  • Referências
  • Sobre o autor

Resenhista

Fernando de Souza Cruz – Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. É professor da Educação Básica no nível Médio e membro do Grupo de Pesquisas “Ensino de História: Aprendizagem Histórica em espaços escolares e não escolares (UFS)”. Publicou, entre outros textos, Diálogos com as memórias da Ditadura Militar: a construção de um jogo para o Ensino de História no nível Médio (2021) e “Diálogos com a memória: uma proposta lúdica no ensino de História para o nível médio em torno de temas relacionados à Cultura autoritária brasileira”. E-mail: fecruzsp@gmail.com


Para citar esta resenha

TELLES, Helyom Viana. Educação Histórica & Videogames. Curitiba: Brazil Publishing, 2020. 200p. Resenha de CRUZ, Fernando de Souza. Aprender com jogos. Crítica Historiográfica. Natal, v.1, n.2, nov./dez. 2021.

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© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA)

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