Historiadores estetas – Resenha de Mileny Santos Xavier sobre a livro “História e Arte: temporalidades do sensível”, organizado por Ana Lúcia Vilela e Maria Elizia Borges

Ernst Kris, full date unknown | Images from the History of Medicine, Yale University School of Medicine, New Haven, CT, 1955 / BR

Resumo: História e Arte: temporalidades do sensível, explora a relação historiografia e estética. Trata-se de uma coletânea organizada por Ana Lúcia Vilela e Maria Elizia Borges que explora a experiência cognitiva e estética de autores como Ernst Kris, Eduard Fuchs, Aby Warburg, Georges Didi-Huberman, Glauber Rocha e Machado de Assis.

Palavras – chave: Historiografia, Estética, Arte.


O livro História e Arte: temporalidades do sensível, publicado em 2019, direciona-se para a dimensão do sensível, já que está presente na história; e impõe as suas questões. Estas referem-se ao caráter estético da escrita ou narrativa histórica — marca a impossibilidade do ser neutro — e a exigência de novas interpretações, em vista dos objetos de estudo que os historiadores têm se deparado. Assim, os textos que compõem esta obra visavam refletir sobre a temporalidade dos objetos que atingem o campo acadêmico e subjetivo. A organização desta coletânea deu-se através da Professora Doutora Ana Lúcia Vilela, que possui mestrado em Artes Visuais e doutorado em História (na linha Arte, Mídia e Políticas culturais), e da Professora Doutora Maria Elizia Borges, que possui mestrado em Ciências Sociais e doutorado em Artes.

A produção do exemplar foi fruto de um Colóquio, que ocorreu na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), com o título “Que fazem os historiadores quando estudam arte?”. E que deteve o suporte financeiro da FAPED e CAPES, além do subsídio desta, em conjunto com o CNPq, para a realização das pesquisas. A coletânea é dividida em nove capítulos de autores diferentes e, de maneira geral, em dois grandes blocos que englobam todos os textos. No primeiro, estão os artigos dedicados a reflexões teóricas e epistemológicas sobre o tema e, no segundo, os resultados de pesquisas que tomam as obras artísticas por objeto.

Tomando como base, a própria divisão geral adotada pelo livro, o foco inicial desta produção volta-se para os quatro primeiros capítulos. No caso do primeiro ensaio, o autor é Márcio Pizarro Noronha, que interroga a obra de Ernest Kris e as relações entre História da Arte e Psicanálise nos momentos fundacionais desta última. Assim, o texto segue realizando e apresentando investigações sobre a temática. Nele, aponta-se que, para que haja um diálogo entre Psicanálise, História e História da Arte, é necessário levar em consideração as diferenças que circulam entre as áreas, como, por exemplo, a ordem sensorial e conceitual entre imagem e processo de conceptualização. O historiador precisa ampliar a sua abordagem.

O segundo tem como autora a Maria João Cantinho, com o título Eduard Fuchs: A arte nas velas do Materialismo Dialético, o qual apresenta a figura de Fuchs à luz de Walter Benjamin, ressaltando a tentativa daquele de compreender o objeto artístico e a História da Arte a partir do Materialismo Histórico. Configura-se, assim, uma nova consciência sobre as obras de arte, na qual estas adentram o cenário histórico-econômico. Já no texto de Maria Lúcia Kern, ou terceiro capítulo, tem-se o objetivo de apontar as interferências das mudanças de paradigmas nas ciências sociais e humanas nos campos de conhecimento da Cultura Visual e História da Arte. Nesse sentido, Kern promove um delineamento histórico das áreas por meio de grandes nomes que participaram do processo de remodelação desses saberes.

O último capítulo, antes do segundo bloco, é denominado: A nudez desconcertante de Vênus: Botticelli, Aby Warburg e Georges Didi-Huberman e escrito por Daniela Campos e Maria Bernardete Flores. De maneira geral, trata-se da pintura de Sandro Botticelli, “Vênus”, através das análises de dois historiadores da arte: Aby Warburg e Georges Didi-Huberman. Ambos sinalizam para a atenção aos detalhes e para o anacronismo das obras. Concluído o primeiro bloco, as autoras direcionam o livro para a apresentação de diversas abordagens historiográficas a fim de compreender a arte e o objeto sensível.

Iniciando as discussões do segundo bloco, tem-se Etienne Samain apresentando, brevemente, sete livros que apresentam como subtítulo “o olho da história”. Além disso, Samain levanta diversas questões sobre a Arte e a História da Arte e finaliza apontando que a verdadeira arte pode abrir os olhos perante os fatos; ela é olho e memória. Com o nome Migrações, encontros e desencontros: contatos entre artistas sul-americanos em Paris e Londres, Maria de Fátima Couto recupera os indícios e registros da passagem de artistas, pela Europa, ligados à arte construtiva/cinética e oriundos da América do Sul. Nisso, ela aponta que não havia uma arte sul-americana e nem um grupo homogêneo, eram apenas artistas tentando produzir no continente europeu.

No caso de Ana Lúcia Vilela, no sétimo capítulo, há um direcionamento à cinematografia, tendo como objetos de análise os filmes “Terra em Transe” e o Cinejornal da posse do General Costa e Silva. O seu objetivo consistia em desvendar a relação entre as formas que envolvem as vozes fílmicas, a constituição e atribuição de sentido que se dirigem aos laços sociais.

Trailer de Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha Imagem: YouTube

A partir de uma leitura baseada na psicanálise, Vilela analisa e retira conclusões das produções cinematográficas. No penúltimo texto, tem-se a contribuição da história dos intelectuais para o estudo do campo artístico escrito por Clarice Lemos e Maria de Fátima Piazza, no qual é sugerida a observação da reverberação ou ressonâncias de determinados artistas, ou obras dentro da esfera artística. E, isso, a partir de críticas e/ou artigos publicados em periódicos.

Ainda tratando sobre esse capítulo, as autoras discorrem sobre dois intelectuais, Ricardo Bampi e Oswaldo Goeldi, e concluem que o estudo de estudiosos ou artistas contribuem na “ascensão” da área artística. Por fim, o livro é finalizado com um ensaio de Raquel Campos, tratando sobre a história e a literatura de Machado de Assis. Nesse sentido, a autora aponta, brevemente, o histórico de estudos sobre Machado e acaba destacando Sidney Chalhoub, uma vez que este aponta que “ao contar as histórias, Machado de Assis escreveu e reescreveu a história do Brasil no século XIX” (Chalhoub apud p.239). Mas, para realizar esse tipo de estudo, é preciso, segundo Campos, realizar leituras de críticas literárias e dialogar com outros textos.

No que se refere à temática da obra, nota-se a variedade e riqueza de vertentes que são trabalhadas ao longo do livro, sendo que se apresenta uma perspectiva teórica e prática. Assim, atinge-se o objetivo de guiar os historiadores no estudo das artes, ou melhor, na contribuição deste campo para o desenvolver historiográfico. Nesse sentido, há também a organização dos textos, tendo em vista que seguem uma lógica que facilita o desenvolvimento do tema na mente do leitor. Inicialmente, apresenta ensaios que versam sobre o âmbito teórico, apontando estudiosos e suas respectivas ideias. Em seguida, destaca-se a parte metodológica, isto é, modos de como proceder com diferentes objetos. No quesito relação direta entre os capítulos, os temas seguem temáticas muito distintas, tendo em conta que se aborda, por exemplo, a contribuição da história de intelectuais no estudo da arte, depois de ter tratado sobre cinema a partir da Ditadura e do laço social.

Todavia, por mais que sejam textos isolados, eles conseguem manter o nível qualitativo e dialogar entre si, já que, por exemplo, o campo da psicanálise é citado como contribuinte e que apresentam informações que se complementam. Um exemplo disso é o ensaio de Vilela, pois ela cita que a psicanálise é como uma “chave” de leitura fundamental para a compreensão da obra humana e, em consequência, no caso dela, dos filmes. Este apontamento dela enquadra-se também no ramo selecionado pelos demais autores, uma vez que os outros objetos também se configuram como obra humana e que eles próprios reconhecem a contribuição da área, ao ponto do primeiro capítulo do livro discorrer sobre as interfaces do estudo entre a história da arte e a psicanálise.

É importante mencionar também que, em vista da estrutura escolhida, os conteúdos não são muito aprofundados, mas que apresentam um panorama que permite uma compreensão geral e um incentivo a maiores buscas. No último capítulo, por exemplo, trata-se sobre a tese de que a literatura machadiana promove diversas contribuições para a História e, ao longo do ensaio, discorre-se sobre o trabalho de Chalhoub e alcança-se a finalidade de promover uma compreensão e comprovação da ideia, tendo em conta que são mencionados, direta e brevemente, exemplos com as obras do autor realista. Com isso, mobiliza muitos historiadores dentro da temática e do uso desse tipo de fonte, mostrando, assim, a sua validade, haja vista que a literatura, ainda que detenha elementos da ficção, permite perceber elementos de uma época.

Uma outra tese, que é apresentada, mas não aprofundada, é a História da Arte como exercício anacrônico, no capítulo quatro. Nesta, discorre-se, a partir de significativo embasamento, que “a vida da imagem é mais longa do que a vida humana” (p.104), ou seja, o tempo que a rodeia é imensamente maior do que a vida, até mesmo, de quem a produziu. A imagem pertence ao tempo e, de fato, ela promove, no observador e estudioso, uma afetação, e o contexto em que eles estão inseridos vão dizer muito sobre o olhar que está sendo promovido em cima da imagem. Nesse sentido, o uso potencial desta tese e desta fonte é de grande valia para o estudo da História, quando esta busca se debruçar sobre uma nova perspectiva, a fim de alcançar uma nova versão e perceber detalhes que a escrita oficial não permite.

Em conclusão, tem-se que obra atende, totalmente, ao tema que se propõe a discorrer, que é refletir sobre a temporalidade dos objetos que atingem o intelecto e o sensível, sendo que, para isso, inicia-se apresentando o lado mais teórico e epistemológico, e segue trazendo exemplos do uso de obras artísticas como objeto. Ou seja, constrói os principais basilares para auxiliar o estudioso a se debruçar sobre o tema. Desse modo, o livro pode ser definido quase que como um breve “manual” de iniciação para os interessados nesse eixo. Em relação às indicações de possíveis leitores, o seu direcionamento é mais para o público acadêmico, em razão de conceitos e abordagens que se voltam para a apresentação do estudo em si.

Sumário História e Arte: temporalidades do sensível

  • Apresentação
  • 1. Ernst Kris, comentários críticos e irradiações da obra na contemporaneidade: um estudo de interfaces entre a história da arte e a psicanálise | Marcio Pizarro Noronha.
  • 2. Eduard Fuchs: a arte nas velas do materialismo dialético | Maria João Cantinho.
  • 3. Cultura visual, história da arte e paradigmas do conhecimento | Maria Lúcia Bastos Kern.
  • 4. A nudez desconcertante de Vênus: Botticelli, Aby Warburg e Georges Didi-Huberman | Daniela Queiroz Campos & Maria Bernardete Ramos Flores
  • 5. A arte enquanto olho e memória da história – Etienne Samain.
  • 6. Migrações, encontros e desencontros: contatos entre artistas Sul-americanos em Paris e Londres (1950 – 1970) | Maria de Fátima Morethy Couto.
  • 7. Ditadura e laço social: vozes e imagens em Terra em Transe e no Cinejornal da posse do General Costa e Silva | Ana Lucia Oliveira Vilela.
  • 8. A contribuição da história dos intelectuais para o estudo do campo artístico | Clarice Caldini Lemos & Maria de Fátima Fontes Piazza.
  • 9. Os historiadores e a literatura de Machado de Assis | Raquel Campos.
  • Os autores

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe e Bolsista de Iniciação Científica no âmbito do projeto “Por uma Poética dos Sertões: História, arte e fotografia na obra de Otoniel Fernandes Neto”, sob orientação do prof. Antônio Fernando Sá (UFS). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/9741770400720152; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7248-9974; E-mail: milenyxavier6@gmail.com.

 


Para citar esta resenha

VILELA, Ana Lúcia; BORGES, Maria Elizia (org.). História e Arte: temporalidades do sensível. Vitória: Editora Milfontes, 2019. P.266. Resenha de: XAVIER, Mileny Santos. Historiadores estetas. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.11, maio/jun., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/historiadores-estudando-arte-resenha-d-mileny-santos-xavier-sobre-a-livro-historia-e-arte-temporalidades-do-sensivel-organizado-por-ana-lucia-vilela-e-maria-elizia-borges/>. Doi:


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 11, maio/jun., 2023 | ISSN 2764-2666

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Historiadores estetas – Resenha de Mileny Santos Xavier sobre a livro “História e Arte: temporalidades do sensível”, organizado por Ana Lúcia Vilela e Maria Elizia Borges

Ernst Kris, full date unknown | Images from the History of Medicine, Yale University School of Medicine, New Haven, CT, 1955 / BR

Resumo: História e Arte: temporalidades do sensível, explora a relação historiografia e estética. Trata-se de uma coletânea organizada por Ana Lúcia Vilela e Maria Elizia Borges que explora a experiência cognitiva e estética de autores como Ernst Kris, Eduard Fuchs, Aby Warburg, Georges Didi-Huberman, Glauber Rocha e Machado de Assis.

Palavras – chave: Historiografia, Estética, Arte.


O livro História e Arte: temporalidades do sensível, publicado em 2019, direciona-se para a dimensão do sensível, já que está presente na história; e impõe as suas questões. Estas referem-se ao caráter estético da escrita ou narrativa histórica — marca a impossibilidade do ser neutro — e a exigência de novas interpretações, em vista dos objetos de estudo que os historiadores têm se deparado. Assim, os textos que compõem esta obra visavam refletir sobre a temporalidade dos objetos que atingem o campo acadêmico e subjetivo. A organização desta coletânea deu-se através da Professora Doutora Ana Lúcia Vilela, que possui mestrado em Artes Visuais e doutorado em História (na linha Arte, Mídia e Políticas culturais), e da Professora Doutora Maria Elizia Borges, que possui mestrado em Ciências Sociais e doutorado em Artes.

A produção do exemplar foi fruto de um Colóquio, que ocorreu na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), com o título “Que fazem os historiadores quando estudam arte?”. E que deteve o suporte financeiro da FAPED e CAPES, além do subsídio desta, em conjunto com o CNPq, para a realização das pesquisas. A coletânea é dividida em nove capítulos de autores diferentes e, de maneira geral, em dois grandes blocos que englobam todos os textos. No primeiro, estão os artigos dedicados a reflexões teóricas e epistemológicas sobre o tema e, no segundo, os resultados de pesquisas que tomam as obras artísticas por objeto.

Tomando como base, a própria divisão geral adotada pelo livro, o foco inicial desta produção volta-se para os quatro primeiros capítulos. No caso do primeiro ensaio, o autor é Márcio Pizarro Noronha, que interroga a obra de Ernest Kris e as relações entre História da Arte e Psicanálise nos momentos fundacionais desta última. Assim, o texto segue realizando e apresentando investigações sobre a temática. Nele, aponta-se que, para que haja um diálogo entre Psicanálise, História e História da Arte, é necessário levar em consideração as diferenças que circulam entre as áreas, como, por exemplo, a ordem sensorial e conceitual entre imagem e processo de conceptualização. O historiador precisa ampliar a sua abordagem.

O segundo tem como autora a Maria João Cantinho, com o título Eduard Fuchs: A arte nas velas do Materialismo Dialético, o qual apresenta a figura de Fuchs à luz de Walter Benjamin, ressaltando a tentativa daquele de compreender o objeto artístico e a História da Arte a partir do Materialismo Histórico. Configura-se, assim, uma nova consciência sobre as obras de arte, na qual estas adentram o cenário histórico-econômico. Já no texto de Maria Lúcia Kern, ou terceiro capítulo, tem-se o objetivo de apontar as interferências das mudanças de paradigmas nas ciências sociais e humanas nos campos de conhecimento da Cultura Visual e História da Arte. Nesse sentido, Kern promove um delineamento histórico das áreas por meio de grandes nomes que participaram do processo de remodelação desses saberes.

O último capítulo, antes do segundo bloco, é denominado: A nudez desconcertante de Vênus: Botticelli, Aby Warburg e Georges Didi-Huberman e escrito por Daniela Campos e Maria Bernardete Flores. De maneira geral, trata-se da pintura de Sandro Botticelli, “Vênus”, através das análises de dois historiadores da arte: Aby Warburg e Georges Didi-Huberman. Ambos sinalizam para a atenção aos detalhes e para o anacronismo das obras. Concluído o primeiro bloco, as autoras direcionam o livro para a apresentação de diversas abordagens historiográficas a fim de compreender a arte e o objeto sensível.

Iniciando as discussões do segundo bloco, tem-se Etienne Samain apresentando, brevemente, sete livros que apresentam como subtítulo “o olho da história”. Além disso, Samain levanta diversas questões sobre a Arte e a História da Arte e finaliza apontando que a verdadeira arte pode abrir os olhos perante os fatos; ela é olho e memória. Com o nome Migrações, encontros e desencontros: contatos entre artistas sul-americanos em Paris e Londres, Maria de Fátima Couto recupera os indícios e registros da passagem de artistas, pela Europa, ligados à arte construtiva/cinética e oriundos da América do Sul. Nisso, ela aponta que não havia uma arte sul-americana e nem um grupo homogêneo, eram apenas artistas tentando produzir no continente europeu.

No caso de Ana Lúcia Vilela, no sétimo capítulo, há um direcionamento à cinematografia, tendo como objetos de análise os filmes “Terra em Transe” e o Cinejornal da posse do General Costa e Silva. O seu objetivo consistia em desvendar a relação entre as formas que envolvem as vozes fílmicas, a constituição e atribuição de sentido que se dirigem aos laços sociais.

Trailer de Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha Imagem: YouTube

A partir de uma leitura baseada na psicanálise, Vilela analisa e retira conclusões das produções cinematográficas. No penúltimo texto, tem-se a contribuição da história dos intelectuais para o estudo do campo artístico escrito por Clarice Lemos e Maria de Fátima Piazza, no qual é sugerida a observação da reverberação ou ressonâncias de determinados artistas, ou obras dentro da esfera artística. E, isso, a partir de críticas e/ou artigos publicados em periódicos.

Ainda tratando sobre esse capítulo, as autoras discorrem sobre dois intelectuais, Ricardo Bampi e Oswaldo Goeldi, e concluem que o estudo de estudiosos ou artistas contribuem na “ascensão” da área artística. Por fim, o livro é finalizado com um ensaio de Raquel Campos, tratando sobre a história e a literatura de Machado de Assis. Nesse sentido, a autora aponta, brevemente, o histórico de estudos sobre Machado e acaba destacando Sidney Chalhoub, uma vez que este aponta que “ao contar as histórias, Machado de Assis escreveu e reescreveu a história do Brasil no século XIX” (Chalhoub apud p.239). Mas, para realizar esse tipo de estudo, é preciso, segundo Campos, realizar leituras de críticas literárias e dialogar com outros textos.

No que se refere à temática da obra, nota-se a variedade e riqueza de vertentes que são trabalhadas ao longo do livro, sendo que se apresenta uma perspectiva teórica e prática. Assim, atinge-se o objetivo de guiar os historiadores no estudo das artes, ou melhor, na contribuição deste campo para o desenvolver historiográfico. Nesse sentido, há também a organização dos textos, tendo em vista que seguem uma lógica que facilita o desenvolvimento do tema na mente do leitor. Inicialmente, apresenta ensaios que versam sobre o âmbito teórico, apontando estudiosos e suas respectivas ideias. Em seguida, destaca-se a parte metodológica, isto é, modos de como proceder com diferentes objetos. No quesito relação direta entre os capítulos, os temas seguem temáticas muito distintas, tendo em conta que se aborda, por exemplo, a contribuição da história de intelectuais no estudo da arte, depois de ter tratado sobre cinema a partir da Ditadura e do laço social.

Todavia, por mais que sejam textos isolados, eles conseguem manter o nível qualitativo e dialogar entre si, já que, por exemplo, o campo da psicanálise é citado como contribuinte e que apresentam informações que se complementam. Um exemplo disso é o ensaio de Vilela, pois ela cita que a psicanálise é como uma “chave” de leitura fundamental para a compreensão da obra humana e, em consequência, no caso dela, dos filmes. Este apontamento dela enquadra-se também no ramo selecionado pelos demais autores, uma vez que os outros objetos também se configuram como obra humana e que eles próprios reconhecem a contribuição da área, ao ponto do primeiro capítulo do livro discorrer sobre as interfaces do estudo entre a história da arte e a psicanálise.

É importante mencionar também que, em vista da estrutura escolhida, os conteúdos não são muito aprofundados, mas que apresentam um panorama que permite uma compreensão geral e um incentivo a maiores buscas. No último capítulo, por exemplo, trata-se sobre a tese de que a literatura machadiana promove diversas contribuições para a História e, ao longo do ensaio, discorre-se sobre o trabalho de Chalhoub e alcança-se a finalidade de promover uma compreensão e comprovação da ideia, tendo em conta que são mencionados, direta e brevemente, exemplos com as obras do autor realista. Com isso, mobiliza muitos historiadores dentro da temática e do uso desse tipo de fonte, mostrando, assim, a sua validade, haja vista que a literatura, ainda que detenha elementos da ficção, permite perceber elementos de uma época.

Uma outra tese, que é apresentada, mas não aprofundada, é a História da Arte como exercício anacrônico, no capítulo quatro. Nesta, discorre-se, a partir de significativo embasamento, que “a vida da imagem é mais longa do que a vida humana” (p.104), ou seja, o tempo que a rodeia é imensamente maior do que a vida, até mesmo, de quem a produziu. A imagem pertence ao tempo e, de fato, ela promove, no observador e estudioso, uma afetação, e o contexto em que eles estão inseridos vão dizer muito sobre o olhar que está sendo promovido em cima da imagem. Nesse sentido, o uso potencial desta tese e desta fonte é de grande valia para o estudo da História, quando esta busca se debruçar sobre uma nova perspectiva, a fim de alcançar uma nova versão e perceber detalhes que a escrita oficial não permite.

Em conclusão, tem-se que obra atende, totalmente, ao tema que se propõe a discorrer, que é refletir sobre a temporalidade dos objetos que atingem o intelecto e o sensível, sendo que, para isso, inicia-se apresentando o lado mais teórico e epistemológico, e segue trazendo exemplos do uso de obras artísticas como objeto. Ou seja, constrói os principais basilares para auxiliar o estudioso a se debruçar sobre o tema. Desse modo, o livro pode ser definido quase que como um breve “manual” de iniciação para os interessados nesse eixo. Em relação às indicações de possíveis leitores, o seu direcionamento é mais para o público acadêmico, em razão de conceitos e abordagens que se voltam para a apresentação do estudo em si.

Sumário História e Arte: temporalidades do sensível

  • Apresentação
  • 1. Ernst Kris, comentários críticos e irradiações da obra na contemporaneidade: um estudo de interfaces entre a história da arte e a psicanálise | Marcio Pizarro Noronha.
  • 2. Eduard Fuchs: a arte nas velas do materialismo dialético | Maria João Cantinho.
  • 3. Cultura visual, história da arte e paradigmas do conhecimento | Maria Lúcia Bastos Kern.
  • 4. A nudez desconcertante de Vênus: Botticelli, Aby Warburg e Georges Didi-Huberman | Daniela Queiroz Campos & Maria Bernardete Ramos Flores
  • 5. A arte enquanto olho e memória da história – Etienne Samain.
  • 6. Migrações, encontros e desencontros: contatos entre artistas Sul-americanos em Paris e Londres (1950 – 1970) | Maria de Fátima Morethy Couto.
  • 7. Ditadura e laço social: vozes e imagens em Terra em Transe e no Cinejornal da posse do General Costa e Silva | Ana Lucia Oliveira Vilela.
  • 8. A contribuição da história dos intelectuais para o estudo do campo artístico | Clarice Caldini Lemos & Maria de Fátima Fontes Piazza.
  • 9. Os historiadores e a literatura de Machado de Assis | Raquel Campos.
  • Os autores

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe e Bolsista de Iniciação Científica no âmbito do projeto “Por uma Poética dos Sertões: História, arte e fotografia na obra de Otoniel Fernandes Neto”, sob orientação do prof. Antônio Fernando Sá (UFS). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/9741770400720152; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7248-9974; E-mail: milenyxavier6@gmail.com.

 


Para citar esta resenha

VILELA, Ana Lúcia; BORGES, Maria Elizia (org.). História e Arte: temporalidades do sensível. Vitória: Editora Milfontes, 2019. P.266. Resenha de: XAVIER, Mileny Santos. Historiadores estetas. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.11, maio/jun., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/historiadores-estudando-arte-resenha-d-mileny-santos-xavier-sobre-a-livro-historia-e-arte-temporalidades-do-sensivel-organizado-por-ana-lucia-vilela-e-maria-elizia-borges/>. Doi:


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 11, maio/jun., 2023 | ISSN 2764-2666

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